Há pessoas muito sérias e conscienciosas. Sempre que se escreve um texto de opinião que não verse sobre a iminência da tomada da Grécia pela extrema-esquerda (que será mais devastador para os gregos que um terramoto apocalíptico e sabe-se lá como os potentes embates tectónicos nos afetarão), o ébola que continua a matar em África, a escravatura infantil, a prostituição forçada, se a aterragem da economia chinesa afinal será suave ou com avultados solavancos ou o último tratado de filosofia política que ocupe 1.748 páginas de escrita sensaborona, notam tratar-se de um texto fútil à deriva num mundo de catástrofes iminentes. Ora hoje trago um texto dessas coisas fulcrais que para as almas atormentadas não tem qualquer relevância.

Ontem fui ver (sob sonoras objeções das minhas crianças) a exposição de fotografia de Horst P. Horst no Victoria and Albert Museum. O V&A tem na sua coleção permanente uma boa porção de salas dedicadas às artes aplicadas. (Isto assumindo que nem todas as artes são aplicadas, como se a mera fruição visual ou auditiva de uma peça não fosse a melhor das aplicações da arte – ou como se, como prova o V&A, um objeto intrinsecamente belo criado com uma finalidade prática não merecesse ser olhado com regalo em vez de só utilizado.) Móveis e toda a panóplia das artes decorativas, objetos de design decorativos ou utilitários, instrumentos musicais, roupa.

Como já disse aqui, acredito nos benefícios de nos rodearmos de coisas belas. Na minha cozinha a minha chaleira vive sempre à vista em cima do fogão, que é uma das tais peças de design icónicas lindas de morrer e eu gosto de vê-la. Estou irremediavelmente apaixonada por algumas estantes de minha casa, porque (como se as paixões precisassem de razão) são móveis art deco que eu adoraria mesmo que não servissem para arrumar os meus livros. Falando em livros, nos últimos anos dei em comprar edições bonitas de obras que já comprei, já li e de que gostei. Os meus brincos de prata e turquesas (a cor turquesa abunda em mim e em minha casa) comprados em Taxco. E por aí adiante. Poderia escrever uma crónica inteira enumerando os meus objetos preferidos.

E Horst foi um fotógrafo sobretudo de moda (e, não por coincidência, fotografou também para revistas de decoração). O meu objetivo não é descrever a exposição, as luzes e as sombras das fotografias a preto e branco e a forma soberba como quase nos faz sentir as texturas (seja seda acetinada ou a pedra de baixos relevos persas), o seu surrealismo fotográfico, a estética sartorial dos anos 30 (que eu reverencio) fixada em tantas fotografias de Horst, o contraste de cores das fotografias coloridas, a composição das imagens.

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Não. Quero mesmo só evidenciar como pessoas irresponsáveis com poder de decisão sobre museus muito visitados têm a falta de siso de fazer uma exposição sobre algo que não tem qualquer relevância. Podiam muito bem ter organizado uma exposição de fotografias sobre os veteranos americanos amputados na guerra do Afeganistão. Ou as lapidações de mulheres adúlteras na África muçulmana. Ou, pelo menos, a escassez de papel higiénico e outros bens essenciais nos supermercados desse paraíso socialista (amigo dos socialistas nacionais) que é a Venezuela.

Mas não. Fotografia já é assunto para diletantes que não se apercebem da inutilidade de algo que, no mínimo, não nos coloque prestes a exterminar as super bactérias. Mas piora: é fotografia de moda.

O que interessa a moda? Quem julga relevante que a moda no século XX tenha acompanhado – e incentivado – as reivindicações de direitos das mulheres? Que a simplificação da roupa, o abandono dos espartilhos, a subida das saias e, até, a introdução das calças no vestuário feminino, iniciados por Paul Poiret (outro que teve direito, vejam lá bem, a exposição há uns anos em mais um conceituado museu de arte, o Metropolitan de Nova Iorque) e Chanel, tenham sido fundamentais para a entrada das mulheres no espaço público e no mundo profissional? Que a minissaia de Mary Quant acompanhasse a revolução sexual dos anos 60? Que uma mulher hoje use uma carteira de marca de luxo como marcador de sucesso profissional? E, já agora, de independência financeira (porque foi ela que a pagou)?

Arte, incluindo a fotografia, é uma irrelevância. (Acaso promovem as exportações?) E moda uma futilidade. Dizem as mentes que se ocupam de assuntos superiores – geralmente nos intervalos das suas discussões com os colegas (infindáveis e de grande densidade intelectual) sobre a jornada de futebol do fim de semana anterior.