Os Estados Unidos estão a assistir a um fenómeno (expectável?) de milhões de saídas de trabalhadores das empresas, sobretudo depois de março deste ano. Só referente a abril, o U.S. Bureau of Labor Statistics assinala quatro milhões de saídas por iniciativa dos trabalhadores e em abril, maio e junho já se contabilizam 11,5 Milhões de saídas.

Os primeiros estudos sobre esta tendência mostram duas realidades interessantes:

  1. A dominância de saídas regista-se entre os 30 e os 45 anos, uma geração com menos compromissos financeiros, que se habituou a viver com menos. Talvez seja também o segmento mais procurado pelas empresas, que mostram maiores reservas na contratação de mais jovens, por maior dificuldade em integrar e formar em ambientes híbridos quanto ao local de trabalho.
  2. Esta tendência tem maior expressão em funções ligadas a empresas de tecnologia, aos serviços de saúde e assistência na doença e a empregos com menores remunerações (por exemplo, hotelaria e restauração). No que respeita aos dois primeiros setores identificados, a pandemia pode explicar parte das causas: foram sectores que exigiram um grande esforço por parte dos seus profissionais, onde as situações de burnout aumentaram. Quanto ao terceiro setor referido, os baixos salários levaram os trabalhadores a questionar sobretudo a relação entre esforço (trabalhar muitas horas, muitas vezes sem fins de semana) e a compensação financeira que obtêm do seu trabalho. Estes trabalhadores saem sobretudo em busca de melhores salários e melhor equilíbrio entre vida profissional e pessoal/familiar.

Outras causas são apontadas para este número tão elevado de saídas, por exemplo, o regresso ao trabalho presencial que algumas empresas estão a exigir e o desejo de permanecer em trabalho remoto. O facto de terem experimentado e ter funcionado, na maioria das situações, o trabalho remoto, leva muitos trabalhadores a questionar porquê gastar horas em deslocações para o trabalho se a sua função é passível de ser feita em casa, num ambiente nalguns casos mais seguro.

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Contudo, existe uma linha comum na grande maioria das razões para este “abandono”: uma necessidade de mudar o padrão do quotidiano, procurando equilibrar as diversas esferas das suas vidas.

“A pandemia mudou o meu mindset face ao trabalho e à vida que levo”

Então não é apenas uma questão de “trabalho presencial versus trabalho remoto”. O tema é bem mais profundo: a vivência da pandemia estar a levar muitos trabalhadores a questionar os seus objetivos e prioridades de vida, o sentido e o propósito do trabalho que desempenham, a repensar como estão a ocupar o seu tempo e a equacionar novos contextos familiares e profissionais.

Esta realidade pode ser mais visível em economias com forte capacidade de adaptação e de gerar ajustes no mercado de trabalho. Eu diria que em Portugal, pela nossa realidade económica, esta tendência dificilmente terá a mesma expressão. Mas isto não quer dizer que o mindset dos trabalhadores também em Portugal não esteja a mudar. E isso é um grande desafio, uma grande mudança para muitas das nossas empresas: colocar trabalho e vida pessoal dos seus colaboradores na equação enquanto empregador.

Certamente que o salário continuará a ser um grande impulsionador para a fidelidade, mas já não é o único, nem está em primeiro lugar muitas vezes na decisão de sair…

Como podem, então, as empresas fazer face a este novo mindset relativo ao trabalho? Eis algumas ideias, muito mais focadas na prevenção das saídas do que na retenção:

  1. Conhecer muito bem a realidade de cada colaborador. Isto implica não olhar para um colaborador unicamente como alguém que realiza um trabalho, mas adicionar um olhar centrado na sua realidade, nas diversas esferas da sua vida. Sem sermos intrusivos, temos de conhecer os nossos colaboradores de forma holística, como Pessoas.
  2. Criar e partilhar um propósito para o trabalho que cada um realiza. Conseguir que cada colaborador se levante de manhã não só pelo salário mas porque está a contribuir para algo importante, a que ele dá valor.
  3. Criar as condições para que cada um experiencie o sucesso. Aproveitar o que cada colaborador tem de melhor para dar à empresa, colocar desafios em permanência, investir no desenvolvimento, na autonomia, na visibilidade e na responsabilidade crescente. Reorganizar o padrão diário tradicional, encurtar o número e a duração das reuniões. E flexibilizar, flexibilizar, para ir ao encontro da realidade de cada um dos colaboradores e das equipas. Vejamos um exemplo: há uns dias um CEO numa conversa comigo dizia que está a equacionar mudar as instalações da empresa para a área onde vive a maioria dos seus trabalhadores.
  4. Medir o risco das saídas por iniciativa do colaborador: ter data que nos permita ter em cada momento a perceção do risco de saídas que temos. Perceber ao detalhe as causas efetivas que podem estar por detrás das saídas e dar valor a cada uma delas. Normalmente existem causas externas (mercado mais dinâmico, salários a aumentar no mercado, escassez de mão de obra) e causas internas (clima interno, condições de trabalho, modelos de liderança, falta de investimento em desenvolvimento). O relevante é não nos refugiarmos apenas nas causas externas, nem desvalorizarmos as causas internas. Ambas as realidades exigem uma estratégia de intervenção.
  5. Desenhar estratégias de retenção muito customizadas à realidade dos seus colaboradores e à realidade mapeada, conforme sugerido no ponto anterior. Importante conhecer a realidade, para atuar onde for necessário.

Continuo a acreditar que é possível ter empresas e lideranças responsáveis. Assim cada um de nós dê o seu contributo, nas empresas, nas escolas de formação de gestores e líderes, para sabermos transformar a vontade de sair numa decisão comprometida em ficar.