Há uns anos, escrevi um artigo sobre o recorrente e nunca esquecido tema do racismo. Isso passou-se durante uma campanha para as legislativas em que participei, a Por Lisboa. Chamaram-se mulheres nascidas em África (africanas) descendentes ou não de negros, tanto faz, para discutir entre si, na Casa de Cabo Verde. Nos últimos dias e, a propósito do tema Odair, cumpre-me manifestar a opinião, simples, de que a justiça aplica-se a brancos e a pretos, como a algumas pessoas mal-educadas, que se julgam pertencer a pseudoelites. Trata-se de pessoas desorientadas intelectualmente, que gostam de insultar outras, chamando a quem tem cor de pele diferente algo que não se compreende. A maior arma dos medíocres é o ataque. É o caminho que alguns alunos em ambientes universitários seguem, e continua a ser-lhes permitido, apesar de denúncias, sem que sejam sancionados. Os que discriminam e acham que ser “preto” é sinónimo de empregada de limpeza, segurança, mulher a dias, homem das obras continuam a achar que são uma espécie de povo melhor. Não são!
Na verdade, muitos dos meninos e meninas da pseudo elite são, justamente, filhos de pais com essas profissões. Os pais são nobres pessoas e esses filhos continuam a ser mal-educados, possivelmente, porque se envergonham dos pais. Resolveria, se fossem meus filhos, de uma certa forma. Cumpriu-se, por isso, o exorcismo de sensibilizar. Chamam-me por isso de salvadora branca (de pretos), algo de que me orgulho e em nada me envergonho.
Assistimos a discussões surreais de alunos que dizem que as mulheres são inferiores aos homens; outros que dizem que têm todos os direitos contra os que não têm nenhuns (alunos militares em double major). Mas insultar uma pessoa promotora do respeito pela liberdade e igualdade é inaceitável. Essas pessoas estão identificadas e continuam a achar que discriminar é “insultar os gays de serem gays”, quando isso é uma orientação do outro e ponto final. Ou que uns são muçulmanos e os outros cristãos. Na verdade, o Deus é apenas um. A interpretação errada de cada religião é apanágio do homem (menos letrado). Cada um segue o caminho que decide e aos outros é obrigatório respeitar.
A iliteracia – sobretudo em saúde – é o caminho que nos divide: aos que promove o respeito pela diferença, pela cor, pelos direitos humanos, pela dignidade, pela segurança. Aí nascem os bairros sociais. Conheço bem o Casal da Mira, pela mão do vereador da câmara de Amadora. Com eles montei o projeto grandioso da Fundação Benfica, de que me orgulho imenso, e com a liderança de Luís Filipe Vieira, regressei ao mundo da saúde. Os meninos de 2010, quando a fundação nasceu, são homens bons.
São filhos de pessoas mais carenciadas. Mais humildes. Nos bairros, como nas Quintas das Marinhas de Cascais, e na Lapa de Lisboa existem pessoas boas e menos boas. Crime julga-se com o espírito da lei e justiça, nem sempre justa. Nunca julgarei em praça pública a partida de um homem que trabalhava e ajudava os mais velhos. Deixou três filhos. Deixou mulher. Merece ser respeitado. Um (ex) criminoso tem direito a ter um caminho diferente, sendo reintegrado na sociedade. Foi, por isso, que esta Faculdade de Medicina, com o Instituto de Medicina Preventiva e Saúde Pública, desenvolveu com a Misericórdia do Porto um projeto inovador de capacitar mulheres reclusas em Santa Cruz do Bispo.
As nossas sociedades, e estes jovens que deveriam preparar a sociedade do futuro, não estão assentes e nem sequer baseadas na tolerância ou no livre pensamento. Não entendem que aqueles têm como finalidade o aperfeiçoamento da Humanidade, elevando-a moral e espiritualmente. Só assim criamos uma sociedade livre, justa e igualitária. Os dogmas de pessoas iletradas, más e mal-educadas, alunos e não alunos, não é o caminho de combate de todas as formas de opressão do ser humano. Existem muitas formas de terror, de miséria e de ignorância. Defendo o Estado de Direito e promovo as liberdades fundamentais do ser humano. Castanho, preto ou a cores. A tolerância mútua, o respeito pelos outros, como por si mesmo, e pela liberdade de expressão, não permite que se insultem as pessoas que, como eu, passam a “salvadoras brancas”.
São esses caminhos que nos estão a dividir em torno do caso Odair, mas existem vários Odair, silenciados, e quem fala deles é um “White saviour”. Avizinham-se cenas dos próximos capítulos. E, em Portugal quem fica a ganhar? E quem fica a perder? Afinal, apenas podemos desenhar uma estratégia de comunicação e de mobilização para a inclusão, com aqueles que queiram, pessoas que são inclusivas. Não basta fazer conferências, fingir que se discute o tema, que se angariam esmolas para dar aos pobres…. É preciso que se olhe para a diferença como uma caraterística e não como um defeito. A pobreza é uma condição. Não pode, nem deve ser continuada como um rótulo, assim como a (falta) de educação, de quem discrimina, insulta e maltrata. Que geração vem aí com estes jovens? Pensemos nisso.