Há três maneiras principais, entre muitas outras menos óbvias, de reagir à catadupa de casos de corrupção, fraude fiscal, nepotismo, branqueamento de capitais ou apenas venalidade que tem caído sobre a cabeça dos portugueses nos últimos tempos:

Com indiferença. Com sobressalto, indignação e preocupação pelo futuro do país. Ou como se de um reality show se tratasse, envolvendo gente famosa, pagamentos (multi)milionários e contas e fundações secretas com nomes divertidos como “tartaruga”.

Portugal não é o primeiro nem será o último país a viver situações destas. Luvas e subornos, viciação de concursos públicos e privados, sonegação de capitais ao fisco, são práticas correntes em todas as geografias e por empresas, cidadãos, instituições reputadas (até deixarem de o ser). Os casos BAE System, Petrobrás, FIFA, KBR/Halliburton, Teodoro Obiang, o daempresa governamental chinesa de infraestruturas e tantos outros, são exemplos de um mundo corrupto ou suspeito de o ser.

A estes nomes juntaram-se nos últimos anos instituições e personalidades portuguesas como Ricardo, Zeinal, José, Henrique, Rui e Manuel. Empresas como o BES, o BPN, a PT. Ao longo de anos, percebe-se agora que de muitos anos, o país esteve a saque.

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Como reagir? Com indiferença, sobressalto, gozo lúdico?

Mas afinal qual é o problema, dirão, indiferentes, os cépticos de serviço, para quem não vale a pena perder tempo com o assunto: o que lá vai lá vai e afinal os homens, e mulheres, que também há mas menos, já estão sob vigilância, arguidos ou acusados, com bens arrestados, alguns presos. Para quê perder tempo com eles? Dizem também, em contradição com o argumento anterior, que de nada serve indignarmo-nos pois vai continuar tudo na mesma, os suspeitos serão ilibados, os acusados absolvidos, os condenados perdoados. E se nada muda é também porque a grande corrupção não passa da imagem magnificada da sociedade das cunhas e dos compadrios, da prenda que abre a porta, das pequenas manigâncias, a aguardar a ocasião certa, a oportunidade para se fazerem grandes. É o país do “ele rouba como os outros, mas pelo menos faz…”.

O problema, como diria o meu amigo Lineu, são vários.

Em primeiro lugar, a corrupção (e os outros crimes) empobrecem um país. É impossível conhecer os valores exactos, mas são muitos milhões, continuamente: a corrupção distorce a correcta alocação dos recursos, subverte a boa gestão de empresas e negócios, torna a economia menos eficiente, com prejuízo para todos menos para os corrompidos e os corruptores. A corrupção e os outros crimes são por isso uma traição à pátria e ao interesse público.

Em segundo lugar, a corrupção aumenta a desigualdade. Enquanto alguns abusam dos seus cargos na administração pública ou nas empresas de que são donos ou administradores, em benefício exclusivamente privado, locupletando-se com ganhos indevidos, a generalidade da população, sem poder beneficiar desses ganhos, empobrece. O fosso aumenta. A corrupção e os outros crimes referidos são por isso um crime contra os portugueses, que à sua sombra empobrecem.

A corrupção, e esta é terceira consideração, acarreta a perda de credibilidade de um país, sempre que a percepção do fenómeno extravasa as suas fronteiras (caso do Brasil) ou de uma empresa, quando associada a actos dessa natureza. A corrupção e os outros crimes referidos são afinal um ataque ao país a que uma empresa pertence, aos seus accionistas ou ao público com que interage.

Finalmente, a corrupção e a venalidade das instituições políticas, os comportamentos duvidosos ou indignos, a apropriação indevida de dinheiros públicos, minam a confiança dos cidadãos no governo, no parlamento, nos partidos e nos políticos. A corrupção e a venalidade e os outros crimes referidos são pois um atentado directo à democracia.

Já este ano, a ONG Transparência Internacional considerou Portugal um país mais corrupto do que a média europeia. Somos mais pobres, mais desiguais, menos credíveis externamente e temos uma classe política mais desacreditada do que teríamos não fora o estigma da corrupção.

Quando nos perguntamos por que razão Portugal se arrasta há décadas – na verdade há séculos – na cauda da Europa, parte da resposta é o BES, os Vistos Gold, o Face Oculta, o BPN, a PT, a operação Marquês, a Moderna, o Freeport, a Fundação Caracol e tantos outros casos.

E embora haja cada vez mais manifestações de indignação com este atentado ao interesse público, ao país e à democracia, a maioria dos portugueses parece contemplar com deleite o espectáculo da justiça caída na rua e exposta, nua e crua, nos ecrãs de televisão. Crime com crime se paga, mas é “panem et circenses” e por isso está tudo bem.

Que fazer?

Assumir a gravidade das acções praticadas por políticos, empresários, banqueiros, juízes, dirigentes desportivos, militares. Separar o trigo do joio, antes que todo o trigo se confunda com joio.

Apelar à indignação colectiva, nunca tão justificada como agora. E exigir que a justiça actue em prazos razoáveis. Portugal é dos países da Europa com tempos de tramitação processual mais lentos. A mudança é necessária e urgente.

Finalmente, mudar a cultura e as mentalidades. A corrupção só tem no nosso país o peso e a importância que conhecemos porque desde sempre foi tolerada como pequeno vício de costumes para facilitar a vida ao cidadão comum. Ora nem o vício é pequeno nem a vida dos portugueses foi facilitada pela corrupção que explode.

Portugal deve tornar-se uma pessoa civilizada, tenho escrito várias vezes citando Almada Negreiros. É bom que se comece por aqui, antes que não haja nada para civilizar.

A corrupção é uma forma de traição. Ponto final.