A aprendizagem é um processo de mudança multifatorial. Daí que não é estranho pensar que muito dificilmente se consegue encontrar uma resposta contundente através de uma única lente disciplinar. Nos últimos anos, cresce, com bons motivos, o entusiasmo sobre as descobertas das neurociências e o que estas podem fazer pela educação. Porém, atualmente, os maiores contributos para a prática educativa ainda são propostos pelas ciências cognitivas. Se as ciências cognitivas são suficientes para dar resposta ao que os professores procuram saber sobre a aprendizagem? Muito provavelmente, também não.

Cada vez mais se reconhece que é necessária uma integração de vários saberes para ter uma aplicabilidade bem-sucedida. A parceria ciência-educação tem sido diminuta e tópicos como a transdisciplinaridade e a translação de conhecimento surgem na discussão de como travar as especulações já identificadas em contextos escolares. O problema começa quando no seio da educação se ignoram os dados verificados e ainda há quem questione: “mas o que é que interessa a psicologia cognitiva aos professores?”

A resposta que a ciência tem dado é que interessa e muito, sobretudo para que não se desperdice tempo em estratégias que não funcionam. Outra preocupação é quando se olha para as pesquisas que identificam que o conhecimento científico não está atualizado nos planos curriculares da formação inicial dos professores e que, se não forem os próprios professores mais tarde a investir em formação contínua e pós-graduada, há tópicos de que possivelmente nunca ouviram falar, como as trajetórias do neurodesenvolvimento ou o que diferencia a aprendizagem da leitura e da escrita durante os primeiros anos de escolaridade.

Hoje sabemos que a disponibilidade para aprender é influenciada pelo sono, alimentação, atividade física e sensação de bem-estar e de segurança, mas há um conjunto de capacidades cognitivas que são a chave para uma aprendizagem bem-sucedida. Falar de aprendizagem sem falar de atenção, da memória de trabalho ou das funções executivas é como falar sobre um resultado esperado sem ter os recursos para alcançá-lo. Não se aprende se não se estiver atento, não se aprende se não se recordar a informação dada e não se aprende se não monitorizar os vários passos na execução de uma tarefa. Também dificilmente se aprende se não se praticar e se não tiver necessidade de obter um determinado resultado.

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O surgimento de algumas sociedades internacionais, como a International Mind, Brain and Education Society (IMBES), tem dado o alerta de como é fundamental promover a interação sinérgica num campo científico onde confluem as Neurociências, a Psicologia e a Educação.

A ligação entre as neurociências e a educação é um desejo da sociedade contemporânea para aumentar os níveis de qualidade do ensino. No entanto, ainda que sedutor, a aplicabilidade da investigação das neurociências para a pedagogia tem sido limitada. Os níveis de análise discrepantes, as hierarquias e o afastamento entre quem está no terreno e quem está na academia, os crescentes equívocos e os problemas de comunicação são descritos como algumas das barreiras. São também ainda poucos os que se atrevem a fazer o salto da investigação à prática educativa com estudos direcionados ao contexto. Já para não falar na dissonância que por vezes ocorre entre especialistas e os bloqueios no rigor da tradução de resultados de um campo para outro.

O que se retira de toda esta discussão é que não se podem fazer argumentos simples, e sem ressalvas, sobre a relação entre as crenças e a eficácia das práticas, mas já é tempo de perceber que o trabalho das equipas multidisciplinares não deve ficar só no papel e de que existe uma prevalência de mitos resultantes de uma profunda desatualização científica. Embora promissor, o modelo transdisciplinar tem feito um progresso tímido, visto que é necessário compreender e integrar o que é gerado por cada domínio e também porque ainda são poucos os que se dedicam a este trabalho, quer do ponto de vista investigativo, quer na prática.

Professora Auxiliar no Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Católica Portuguesa

‘Caderno de Apontamentos’ é uma coluna que discute temas relacionados com a Educação, através de um autor convidado.