21 de Abril de 2020

Aqui nas Casas do Parlamento lusitano, não sei o que lhes deu, mas parece quererem todos experimentar que tal é ficar contaminado com o vírus CV19. O speaker, que creio tem o nome de um qualquer metal ferroso que não recordo, é o campeão. Com cara de poucos amigos, ameaçou aquela gente toda com o cadafalso se não se reunissem todos, novos, velhos e velhíssimos, bem juntinhos a espirrarem e a tossirem de forma contida, para comemorar uma revolução que houve aqui já vai para mais de 40 anos. Bizarro, concordemos! Salus populi suprema lex, diziam os romanos. Olhe, revogaram essa lei! Até o Hans, com o seu passado Baader-Meinhof deve ficar perplexo!

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Também estão a aumentar em 10% os civil servants lusitanos, funcionários públicos. Olhe, no que me toca, só tenho tropeçado com gente do melhor ao nível dos serviços públicos que me atendem tão amavelmente! Mas desconfio que isto é uma manobra indecente para assegurar votos a quem manda, que neste momento são os rosados. Não sei se sabe que, numa Lusitânia tão pequena, são quase 700.000, e que não há Covid que lhes tire o emprego. Com tal benesse o Hans calcula em quem vão votar. Os empresários, esmagados pelo CV19, esses ficam sem norte com esta história. Como é que que os seus empregados podem aceitar tais diferenças com os civil servants, diga-me? E ainda por cima a terem que mandar para lay off, despedir, falir, e sabe-se lá mais o quê!

Fico sempre perplexo com as questões em torno da igualdade. Cá para mim, é bizarra esta história dos sikhs escoceses quererem ser reconhecidos como um grupo étnico específico no próximo censo que o governo de Edinburgh vai promover. E ameaçam com tribunal se nada fizerem para isso. Vocês aí na Alemanha não andam numa campanha enlouquecida para diluir as diferenças entre os alemães de todas as raças, credos, sexos etc? Oh Hans, você não acha esta ameaça dos Sikhs escoceses muito contraditória?

Ao seu amigo Lusitano que secretaria as Nações Unidos lembro-me que aqui na Lusitânia chamavam picareta falante. Pois agora, lá em New York, tem estado mudo e quêdo desde que assinou o contrato de trabalho há mais de três anos. Mas agora, falou pedindo aos Estados sócios que andam em guerra para pousarem as armas. Como anda a falar pouco, parece que ninguém o ouviu! E você que me está sempre a dizer que ele é um fora de série e excelente pessoa! O conselho de Segurança, chumbou-o, imagine! É pena.

Como se não fosse suficiente esta espécie de greve geral, a que alguém chamou suicidária, estou consternado por outra razão: a minha Alma Mater, a minha querida Universidade Corpus Christi/Cambridge, perdeu a final da University Challenge. Estou farto de lhe falar neste quizz show da BBC2TV que vejo há pelo menos 25 anos, de Setembro a Abril, todas as segundas feiras às 20 horas! Desta vez vi a final aqui no Porto na segunda feira passada (pirateando, confesso-lhe muito cá entre nós), em que o meu Corpus Christi College enfrentou o Imperial College de Londres, que ganhou. Durante estes meses, confrontaram-se entre si 28 universidades britânicas, cada semana duas universidades, quatro estudantes com idade média de 21 anos de cada lado, confrontando-se em sucessivas eliminatórias. É assombroso o que eles sabem. Aqueles jovens rapazes e raparigas, selecionados a dedo, respondem a obscuríssimas perguntas que vão desde a física quântica à astronomia, da matemática aplicada à música erudita, da música rock à geografia mais recôndita, da pintura romântica e contemporânea a Shakespeare e à literatura clássica, eu sei lá. Mas fiquei chateado, pois pareceu-me que a equipa do Imperial College, que venceu este ano, tinha lá um jovem norte-americano de seu nome Brandon Blackwell que, a abrir, soube logo responder a uma série de perguntas sobre Pirandello, chá(!) e asteroides, e que me pareceu profissional do assunto, além de, com os seus 26 anos, ser bem mais velho que os outros. Fico sempre embasbacado com este concurso: o nível intelectual e de conhecimentos destes jovens supera as mais ousadas expectativas. Se durante a meia hora do concurso eu responder a uma só das 50 ou 60 perguntas, sinto-me o autor da enciclopédia!

Alguém falou alto ao convencer as destilarias da minha Escócia para, em vez de fazerem whisky, destilarem etanol, ou seja, álcool para os hospitais. Já estão a fabricar 53 milhões de garrafas com desinfetante para as mãos! Neste caso quem falou alto e sem picareta foi o mercado, ora, ora! Mas claro, um grande sentido de responsabilidade: ou esta minha gente não andasse toda de kilt!

Kindest abraços do

23 de Abril 2020

Aqui na Califórnia, para onde, de Krefeld, voei no passado fim de semana graças ao jatinho da Woschiems, fiquei consternado como o William, mas por motivos diferentes: soube que a Baviera, apesar de faltarem quase seis meses, cancelou o Oktober Fest, a que eu, com a paixão pela cerveja Pilsener que me assiste como bom teutónico, é raro faltar! O Burgermeister de Munique reconhece que é um golpe baixo!

Estou hospedado no magnífico Four Seasons aqui em Silicon Valley (claro que não se compara com o Ritz de Lisboa, também Four Seasons, e a que os seus amigos Queirós Pereira, com o José Costa Duarte, deram um toque de incomparável requinte!), onde tenho uma agenda preenchidíssima. Acho que consegui que a nossa Woschiems ficasse no bom caminho para participar no investimento praticamente fechado de US$5,7 billion da Facebook na indiana Jio Platforms (da Reliance Industries), através do qual nos últimos cinco anos 560 milhões de indianos conseguiram aceder à internet! O crescimento da Índia é alucinante, e as hordas em progresso também, apesar de ainda haver miséria a rodos.

Cheguei aqui com o Biden em ascensão, apesar das falhas de memória que não param de lhe ocorrer. Esta subida deve ser por causa dos apoios do Obama e da Elizabeth Warren. Pensar que o próprio Sanders, um socialista de foice e martelo disfarçados,  que insultara o Biden desde a Mãe à quarta avó, também o veio apoiar! O Trump que até ao CV19 parecia estar a dominar face às as eleições de Novembro, tem debitado tais incoerências nas conferências de imprensa, que não sei agora o que lhe vai acontecer. Os media: metade trucidam-no, a outra metade, põem-no num altar. Mas o Chief of Staff do Presidente, o Mark Meadows (o Trump acha-o tremendous), que me deu cinco minutos lá em Washington na segunda feira, está de tal maneira pressionado que já foi surpreendido a chorar duas vezes! Sim, por que as mais das vezes o chefe dele é de chorar, confidencio-lhe caro William…

Apesar de aqui ser tudo muito pragmático, não se deixa de comentar que toda esta hecatombe do vírus vai tornar as pessoas mais pobres, mais doentes e mais eriçadas. Aqui sabem-se pormenores da falta de escrúpulos de muitos autocratas que exploram a pandemia para conseguir mais poder para eles e para o Estado que controlam (“t’arrenégo!” foi um exclamativo que fui buscar ao Aquilino, cuja aturada leitura me está a ajudar no português). O altíssimo me perdoe, mas essa história das Casas do Parlamento lusitano que me conta soam a agressividade soviética! Esperemos que os meus queridos lusitanos saibam fugir ao beijo da morte que a predominância do Estado acarreta sempre. Um grande empresário aqui da Califórnia disse-me ontem que, apesar de estar a lutar com grandes dificuldades, evitará até ao penúltimo suspiro qualquer financiamento oficial!

A minha chanceler Merkel, uma autêntica e diplomada na ciência da gestão de risco, é que se está a sair muito bem na popularidade com toda esta história de sucesso na luta dela contra o vírus. Está com um índice de aprovação que roça os 80%! Nem o Presidente da Lusitânia!  Mas espero que ninguém se lembre de lhe dar um Nobel como o que Estocolmo dá aos cientistas. Parece demonstrado estatisticamente que lhes traz um azar tremendo, e lhes paralisa as carreiras, por que os distrai ou os põe meio dementes, deixando de publicar papers e obra. É natural, tais as solicitações para milhares de eventos, conferências e entrevistas para que passam a ser convidados diariamente, em tudo o mundo. Esperemos que a Merkel decida mudar de ideias, e não abandone a política: não há nenhum outro líder europeu ao nível dela, reconheça o meu caro William, se faz favor!

Você, William, que em tempos andou metido no negócio do vinho, deve saber que, este ano, as centenas de milhões de litros a produzir podem acabar como álcool industrial vendido às farmacêuticas. Os stocks em França e Itália e Espanha parece que estão a abarrotar, não só por causa da recarga fiscal do Trump de 25% sobre os vinhos europeus, mas também por causa do Brexit, e agora da pandemia. Que dizem aí disso? O Macron está a criar um programa de destilação para os vinhateiros…

Grüsse aus wudervoll Palo Alto-Sillicon Valley!

Palavras Cruzadas é o título de uma série de cartas íntimas trocadas entre dois amigos. Um é alemão (Hans Hoffmann), residente em Krefeld, perto de Dusseldorf, e outro escocês (William Archibald), residente em St Andrews, na Escócia, mas ambos com casa em Portugal, país que os apaixonou. A correspondência tende a revelar um Portugal e um mundo vistos por Hoffmann na perspectiva da floresta, mas mais como árvore nas cartas de Archibald. Misturam nessa correspondência acontecimentos políticos, sociais culturais e económicos tanto portugueses como internacionais, revelando o seu cosmopolitismo. Usam de ocasional ironia em factos por vezes semi-ficcionados.