8th July 2020

Esta semana fui para o divã do psicanalista, um jovem à la Freud. Coitado, aqui em St Andrews tem levado grandes abadas deste seu amigo nas partidas de golf que temos disputado. Talvez por isso, esmerou-se na terapia. E foi desencantar aos confins dos meus neurónios e sinapses a bibliomania de que sofro. E conseguiu que o meu subconsciente lhe revelasse uma enfermidade: abrange um misto de culto, droga dura, nostalgia, e literatomania. A minha vasta biblioteca é, como o Hans bem sabe, produto de uma desordem organizada nas N estantes que cobrem várias paredes da casa do Porto e desta aqui em St Andrews. Trazem-me um prazer erótico-intelectual (?). E entre os 7.000 volumes redescubro tesouros esquecidos, onde a literatura de língua inglesa tem grande destaque, logo seguida da francesa (80 volumes da Pléiade, para que saiba, mais a obra completa do Simenon, etc.), literatura russa (traduzida para francês, bem melhor que o inglês para transpor toda a beleza daquela língua escrita — falada é de medo), e também destaque para os grandes escritores lusitanos. Aí  continuo fã de dois contemporâneos (e o Hans também os lê intensamente), que são Mário Cláudio e Marcello Mathias.

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Mas são sobretudo os “divertimenti” que hoje me tornam vítima fácil dos alfarrabistas.

Não só aqui na Escócia, como também na Lusitânia, os alfarrabistas abandonaram os catálogos impressos, em que à terceira página fartam e vão para cesto de papéis, dada a letra ínfima e as linhas compactas. Agora, felizmente, remetem-me por email catálogos bem mais sexy (quero apenas dizer atraentes…), com as capas dos livros digitalizadas, o que apura o apetite, mantendo referências técnicas divertidas (exemplar cansado, é expressão adorável). E gosto de oferecer, a amigos e amigas especiais, livros “divertimenti” afins às suas histórias de vida. Sei que they see the point, e que lhes trago inesperadas alegrias e gratas memórias. E o intrigante é que a nostalgia me acanha…

Acho engraçado contar-lhe que na Lusitânia, o único alfarrabista que conheço bem é o Nuno Canavez, da Livraria Académica no Porto, um monumento nacional português, ele e a loja. A intelectualidade portuguesa que se preza, incluindo os mais reputados escritores, para se afirmarem, não podem deixar de ir à Livraria Académica! E aos sábados de manhã até têm tertúlia com gente do melhor, incluindo o Germano Silva, jornalista e portólogo doutorado, outro monumento!

E olhe, só o Canavez é alfarrabista capaz de perceber “84, Charing Cross Road”, da autoria de Helene Hanff, que creio já lhe ter referido. É livro feito para bibliomaníacos como eu. Se tivesse seguido a carreira de alfarrabista teria sido feliz ao grau da perfeição encarnando ESSE alfarrabista de Londres no nº 84 de Charing Cross Road, o Frank Doel. Existe uma tradução em lusitano, mas esgotada. Além do original inglês, há tradução alemã. Se estiver interessado, arranjo. Estou certo que viu o magnífico filme de1987, do mesmo título, com a Judi Dench e o Anthony Hopkins. Um tearjerker…

Para que esta carta não o deixe também no sofá do Freud, vou-lhe contar histórias da suave e leve Lusitânia. Olhe que aquela gente está tão mansa, tão mansa, que o líder da oposição (chama-se Riacho, ou Ribeiro, ou Afluente, não estou certo) não só acostou à propriamente dita Costa (esqueça o género…, está na moda) do adversário, como lhe estendeu a passadeira vermelha para ele não ter de prestar quase nenhumas contas ao Parlamento. O Boris aqui da Britain está surpreendido!

Mas como se isso não bastasse, emergiu um Betinho Soviético, de barba à moda e cara de mau que, apesar de colega do tal Costa, lhe quer cortar umas coisas que eu cá sei com a foice, e com o martelo esmagar-lhe a cabecinha. Cheira a traição de telenovela barata.

Recebi por mail o débito directo da EDP para a casa da Foz do Douro. Não me surpreende que vão todos dentro: só uma pequena parte do que se paga é electridade! Os lusitanos em matéria de originalidade são de truz! Por um lado querem meter os autores dessas proezas na choldra. Mas por outro querem construir uma fábrica de hidrogénio em Sines, a Mexer com Mansidão, se calhar pondo ao leme os mesmos da EDP, pois o modelo para o crime é igual! Admire-se.

Big Hug,

11 Juli 2020

Esta semana lá tive que ir a Lisboa, numa urgência. Almocei no Gambrinus que devia ter, não três, mas cinco estrelas Michelin. A qualidade gastronómica e de serviço que sempre lhe conhecemos em NADA mudou desde o tempo dos meus Avós. Além dos milionários, servem pelintras, hoje, tal como no tempo em que, com reverências agradáveis e guardanapos do melhor, nos apresentavam as inesquecíveis sandwiches de foie gras com pickles e um cervejola, tudo a 6$00. Agora tudo igual, até no preço: €6.

Mas a Rua das Portas de Santo Antão, onde está o Gambrinus, parece saída de um daqueles blockbusters em que a guerra química arrasa com todos: a rua não tem vivalma, está tudo fechado, sai-se de lá…, olhe, para o seu divã do Freud!

Uma das eminências que estava nesse almoço foi vítima indirecta das malandrices de um tal Pinto de Sousa. Ele está a ver que não vai haver juízo final ou alma Suprema que lhe valha. Esse Sousa gosta das grandezas, e apropriou-se não só de alguns cêntimos, como do apelido do ilustre filósofo grego Sócrates. Com essa alcunha fez um acto de ilusionismo que nem o magnífico Luís de Matos (vi-o a triunfar em Las Vegas!) chegando a Primeiro Ministro (desculpe lá as maiúsculas, é por respeito a outros). Como, em histerismo incansável,  aprendeu de A a Z o manual da contabilidade criativa e em notas vivas, acabou na cadeia acusado de ignomínias sem par. Mas, assegurando, para ele e para os quarenta ou mais colegas de turma, uma caverna de Ali Bábá recheada até à porta. Apesar de na Lusitânia ser tudo estupendo, a terra implica tribunais, juízes, etc,. Pois olhe, um desses, por sinal rosado forte, está tão baralhado no meio dos polícias e ladrões que não tem tempo para julgar o filosófico personagem! Magia negra lusitana, tipo barreira defensiva do rugby, gente musculada.

E o meu amigo, coitado, vê o socrático navio a fugir e a prescrever no horizonte enevoado pelo CV19..

Como o homem já está familiarizado com a senda do vale tudo, devia ler na revista “Deviant Behaviour”, uma prestigiada publicação académica (consulte a Wikipédia sff). Aí se explica a existência de um mercado disponível de gente que, a soldo, liquida desde sogras, a inimigos de ex-primeiro-ministros, a credores, a juízes, a testemunhas inconvenientes, etc. Os preços variam: por US$5.000 vai ter de se contentar com uns encapuchados que se limitam a fazer a folha ao indesejável num simples parque de estacionamento ou coisa parecida, indo depois beber uma cerveja a qualquer lado. Mas como ele está à vontade para arejar US$100.000 vindos da caverna, pode optar por um trabalho mais cuidadoso, em que até se consegue fazer desaparecer o cadáver, ou provar em tribunal que foi tudo um acidente… Um dos fornecedores aparece na dark web com 48 especialistas de serviço 24 horas por dia…, contratáveis de Sidney ao Algarve.

Ando a aconselhar o meu amigo para não se deixar tentar, e não usar esses serviços, seja para dar destino ao juiz com excesso de trabalho, seja ao próprio filósofo. Seria irracional! Digo-lhe para se emparedar-se em local secreto, evitando a morte certa no caso de os outros se quererem antecipar

Cheira-me que a magia negra vai fazer prescrever todo este enredo, com o especialista em filosofia socrático-política a acabar por ficar com a casa do seu salgadíssimo amigo lá para as bandas das furnas lagosteiras de Cascais. Aí poderá passar a bronzear-se tranquilamente naquela magnífica piscina rodeada de belos painéis de azulejos que um banqueiro do antigamente com tanto amor e arte mandou construir.

Isto tudo num indecifrável “está tudo fantástico”, “somos os campeões do mundo”, proclamado pelo supremo magistrado lá da terra.

E acho que estou a imitar o William e a ficar um maçador nas minhas cartas que só falam desta Lusitânia, cujas originalidades nos trazem obcecados.

Para amainar o William da vontade, que partilho moderadamente, em pousar a pena e desertar a nossa correspondência, talvez lhe levante o castigo, e o deixe assistir à apresentação do novo logo da Woschiems AG. Não o vou deixar ficar mal, e até pode ser que nesse dia o apresente ao Musk. O meu amigo da Tesla está chateado com a Lusitânia. Imagine que o colossal projecto de energia natural IT que ele tem para o Alentejo está a ser objecto da concorrência de um tal qualquer coisa Guilherme, que tem o costume de conferir liberalidades, no mínimo de 14 milhões, aos amigos que lhe dão sal à medida. E como sente as cartas marcadas pelo Soviético a que o William, com propriedade, chama Betinho, de seu nome, creio, Pedro Santos Nuñez, para conseguir resultados à la Mexia, parece tentado a não perder mais tempo com os US$ mil milhões que tem alocados ao Projecto!

Aufwiederschreiben, mein Freund!

Palavras Cruzadas é o título de uma série de cartas íntimas trocadas entre dois amigos. Um é alemão (Hans Hoffmann), residente em Krefeld, perto de Dusseldorf, e outro escocês (William Archibald), residente em St Andrews, na Escócia, mas ambos com casa em Portugal, país que os apaixonou. A correspondência tende a revelar um Portugal e um mundo vistos por Hoffmann na perspectiva da floresta, mas mais como árvore nas cartas de Archibald. Misturam nessa correspondência acontecimentos políticos, sociais culturais e económicos tanto portugueses como internacionais, revelando o seu cosmopolitismo. Usam de ocasional ironia em factos por vezes semi-ficcionados.