Depois de uma campanha intensa, de muito espetáculo, de muita especulação, de muitas sondagens, o povo americano decidiu, de forma categórica, pela vitória de Donald Trump e do Partido Republicano. É um assunto resolvido para os americanos nos próximos 4 anos. Caso Trump mantenha as prioridades delineadas durante a sua campanha, a sua presidência dará primazia à economia nacional, à segurança e defesa das suas fronteiras e a uma gestão diferente da questão da migração.
Para a União Europeia (UE), e para os seus Estados-Membros, deixou de ser uma variável que muito se discutiu e passou a ser um dado adquirido. Agora, cabe-nos saber articular, cooperar, negociar e interagir com uma grande potência económica e militar, que terá Trump como presidente. Conta-nos a história que os grandes feitos e os grandes desenvolvimentos sempre aconteceram nos momentos mais desafiantes e mais difíceis, nunca nos mais fáceis. É nesse ponto que considero que estamos agora. Por isso, vejo na vitória de Trump uma oportunidade para a Europa redefinir as suas prioridades e, finalmente, fortalecer a sua autonomia estratégica.
Na área da segurança e defesa, não seriam necessários os relatórios Letta, Draghi e Niniistro para já todos termos constatado da extrema fraqueza da UE, quer em termos da capacidade de produção de equipamentos em quantidade, quer em termos de interoperabilidade entre os mesmos, quer, ainda, da extrema redução de meios humanos, diretamente, ligados à segurança e defesa do velho continente. Embalados na ideia, pós II Guerra Mundial, que a NATO, liderada pelos Estados Unidos da América (EUA), nos iria, sempre, proteger de tudo e de todos, adormecemos e fomos fingindo que íamos investindo uns “trocos” em material e em pessoal, mas na prática, com raras exceções, todos os Estados-Membros foram diminuindo os seus investimentos e, por essa via, enfraquecendo a nossa capacidade coletiva de segurança e defesa, no espaço da União Europeia.
Desde Bush, e de forma mais acentuada com Obama e Trump, os Estados Unidos mudaram o foco da necessidade de segurança da Europa e do Atlântico e transferiram-no para a região do indo-pacífico, há cerca de duas décadas. Nós, europeus, ignorámos essa redefinição de estratégia e continuámos a assobiar para o lado, fingindo que nada aconteceria, que estaríamos sempre protegidos. Será que é preciso mais tempo e mais sinais para a Europa agir de forma diferente? Devemos continuar na NATO, mas temos de ser um elemento ativo e autónomo no seio desta organização, com visão, estratégia, investimento, meios humanos e materiais que caminham pelo seu próprio pé. Claramente que juntos na NATO seremos mais fortes, mas temos de garantir a nossa própria capacidade de segurança e defesa, que alavanque as nossas próprias prioridades geopolíticas e que dissuada qualquer potencial agressor.
Quanto à economia, também aqui a vulnerabilidade da UE é evidente. Nas últimas décadas, temos perdido, de forma acentuada, competitividade e capacidade de inovação, em comparação com os EUA ou a China. Especialmente depois do Covid-19, a Europa não tem tido dinamismo para apresentar taxas de crescimento equiparáveis a estas duas superpotências. A Europa, numa postura complacente, seguindo um processo de “aburguesamento”, desviou-se das suas prioridades estruturais, tendo-se concentrado em questões superficiais, verdadeiros problemas de “maquilhagem”, sempre com uma retórica de que está muito à frente de todos os outros. Será que está? Eu tenho muitas dúvidas. E os resultados, também, sustentam esta dúvida. Será que somos os únicos que estamos bem? As previsíveis medidas protecionistas de Trump, sobretudo as tarifas a países terceiros, irão conduzir a muita negociação e à necessidade da tomada de medidas concretas de resposta, pela União Europeia. Também aqui vejo, sobretudo, uma oportunidade e o desafio de revisão das nossas prioridades e de aproveitarmos qualquer espaço deixado pelos Americanos nas zonas de interesse da UE, em particular nas relações com África e com o Brasil.
A vitória de Trump obriga a Europa a um exame de consciência, confrontando-nos com as nossas fragilidades e adiamentos estratégicos. Contudo, em vez de encararmos este momento com receio, podemos e devemos interpretá-lo como um ponto de viragem. Esta nova realidade constitui um apelo direto para a União Europeia afirmar-se como um ator global autónomo, capaz de suportar as suas necessidades e de defender os seus interesses e valores.
Em suma, a Europa precisa de aproveitar esta oportunidade para reforçar a sua posição em três áreas críticas: segurança e defesa, economia, competitividade e inovação. É essencial que os Estados-Membros reconheçam que a prosperidade e segurança do continente dependem menos de promessas externas e mais da nossa ação concertada. Temos de agir, tanto nas instituições da União Europeia, como nos Estados-Membros. Temos mesmo de, nos próximos 5 anos, não só pensar de forma estratégica, mas agir de forma decisiva, com reformas que garantam a estabilidade e a prosperidade do velho continente, reduzindo a influência de atores externos. Com Trump, ou qualquer outro líder mundial, a Europa tem de construir o seu caminho, com base em interesses comuns e numa visão de futuro partilhada. Só assim conseguiremos assegurar uma Europa autónoma, competitiva, resiliente, próspera e preparada para os desafios do século XXI.