Há um ano anunciaram-nos a grande reforma do SNS. Um CEO que iria resolver todos os problemas do SNS. Afinal era apenas um Diretor Executivos, sem poderes e que ao fim de um ano ainda não conseguiu que as Finanças lhe aprovassem os estatutos. E apenas funcionou como mero remendeiro do SNS tentando sem grande sucesso tapar os buracos das urgências

Mas agora é que é: vamos pôr todo o País em Unidades Locais de Saúde (ULS).

E que são as Unidades Locais de Saúde, ULS? São unidades Administrativas que integram um Hospital e os Centros de Saúde à volta, sob uma mesma Administração e um plano de ação comum.

Mas as ULSs não são uma novidade. A primeira, a ULS de Matosinhos, foi criada por Maria de Belém há 30 anos e nunca chegou a convencer da sua bondade. É o seu próprio Presidente que o reconhece nesta entrevista ao Observador.

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Sobre este plano, que não estava previsto no estatuto do SNS aprovado há um ano, sete objeções de fundo:

  1. É apenas um baralhar e dar de novo. Havia 5 ARSs que superintendiam os Hospitais e Centros de Saúde das respetivas áreas. Agora passamos a ter 39 ULSs com os respetivos Conselhos de Administração e respetivas máquinas burocráticas. O SNS passa a ser um conjunto de asfixiantes monopólios públicos. Mas nada se cria. Não haverá mais unidades de saúde, nem mais profissionais de saúde, nem novas regras de contratação, nem mais dinheiro. Apenas mais lugares de aparelho para preencher.
  2. Esta “reforma” não enfrenta, os dois problemas de fundo que afetam o SNS. O ser um modelo de Administração Pública (e de funcionalismo público) e ter um financiamento 100% baseado na dotação do Orçamento de Estado. Dotação que não pode crescer na medida que o crescimento das necessidades de saúde impõe. Nos governos socialistas de António Costa tem-se suprido este problema desviando para a despesa corrente o que estava previsto para investimento. Mas esse recurso, que levou ao atual estado de degradação dos edifícios e equipamentos, esgotou-se e já não será suficiente.
    1. Ao não os enfrentar, todos os problemas continuam e de forma cada vez mais agravada.
    2. Terá apenas uma vantagem para o Governo. Atirar para cima dos Conselhos de Administração das ULSs tudo o que correr mal.
  3. Passando, segundo o anunciado, o financiamento a ser por capitação e risco clínico e não pela habitual dotação orçamental, que, bem ou mal, já estava ajustada a cada unidade, passaremos para uma incerteza. Assim umas ULSs passarão a receber mais e outras menos (se fosse para ficar tudo como está não valia a pena mexer e complicar). O problema é que, sendo o bolo a distribuir o mesmo, se umas recebem mais como é que sobrevivem as que vão receber menos quando neste momento já têm dificuldades? (Não existe notícia de unidades do SNS que não tenham dificuldades) . O que lhes acontece?
    Penso que, contrariamente ao anunciado, ainda levará muito tempo a acertar o tal regime… é daquelas ideias bonitas que se lançam, mas que depois nunca se concretizam. Daqui a um ano veremos.
  4. Manipular os Cuidados de Saúde Primários. É evidente nesta proposta, uma vontade de manipular os cuidados de saúde primários para regular o fluxo de utentes conforme o interesse da Administração da ULS e para usá-los nas urgências hospitalares ou evitar que a elas recorram impondo a obrigatoriedade numa pré-triagem nos centros de saúde.
    A meu ver, os Cuidados de Saúde Primários devem ser independentes, estarem fora dos hospitais e centrados apenas no melhor interesse dos utentes. Devem ser clientes dos hospitais (sem estarem amarrados a um único centro hospitalar) e referenciadores esclarecidos sem condicionantes. Tanto no sector público como no sector privado.
    Na entrevista ao Público, o Secretário de Estado Ricardo Mestre é ofensivo para os cuidados primários e seus profissionais ao desconhecer por completo o importantíssimo papel que estes têm desempenhado na promoção da saúde, prevenção, acompanhamento nas doenças crónicas e situações de vida das pessoas, diagnóstico e tratamento atempados das várias situações de doença, ao dizer “Na prática, criamos condições para evoluir de um sistema reativo e focado no tratamento da doença para uma dinâmica de intervenção mais pró-ativa, que investe na promoção da saúde e na prevenção, que atua de forma antecipatória e que é mais sustentável”
    Pelo contrário é a integração dos Cuidados de Saúde Primários nos Hospitais que pode desviar os recursos dos Centros de Saúde para os Hospitais e pôr em causa a sua missão.
    Ao referir “ Neste momento, temos 269 USF modelo e temos 348 USF modelo B… Com a legislação aprovada, imediatamente disponibilizamos a possibilidade de todas A passarem a B.” está a confirmar a mentira das duas deputadas do PS e da Secretária de Estado que garantiram no Parlamento que todas as USF A tinham passado a B e está ele também a iludir quando diz “Com a legislação aprovada, imediatamente disponibilizamos a possibilidade de todas A passarem a B.” pois o que de facto foi proposto aos sindicatos leva a que bem mais de 100 USFs A regridam para UCSP (modelo antigo de centro de saúde) , onde além dos seus utentes terão também que atender os utentes sem Médico de Família ficando sem condições de alguma vez conseguirem passar a USF de Modelo B.
  5. Vai diminuir a liberdade de escolha dentro do SNS e haverá tendência para a internalização dos meios complementares de diagnóstico (ainda que à custa de listas de espera e incomodo para os utentes que em muitos sítios serão obrigados a grandes deslocações) pondo em causa o sector convencionado dos exames de diagnóstico que é só o sector mais eficiente e com melhor resposta no nosso Sistema de Saúde
  6. A integração dos cuidados primários e secundários faz-se pela partilha do processo clínico eletrónico. Coisa que a SPMS (Serviços Partilhados do Ministério da Saúde) nunca conseguiu pôr de pé e é duvidoso que o consiga fazer nos próximos tempos.
  7. Finalmente a morte anunciada das ARS levou à sua paralisia e decorrerá muito tempo para realizar a transferência da burocracia destas para as ULSs. Serão tempos em que nada funciona.

Em resumo: Apenas baralhar e dar de novo, mas com as mesmas cartas e correndo o sério risco de estragar ainda mais o que existe.