No artigo anterior eu escrevi “a ACSS- Administração Central do Sistema de Saúde, desliga-se da tutela política do Ministro da Saúde e passa a funcionar subordinada ao novo Diretor Executivo-SNS e por encomendas deste.”

Pois fui levado ao engano pela propaganda governamental transmitida em múltiplas notícias que nos davam conta de uma profunda reforma estrutural do SNS assente num CEO. Peço desculpa aos leitores.

De facto, apesar de na nova orgânica do Ministério da Saúde estar em primeiro lugar o novo Diretor Executivo do SNS, a verdade é que o ACSS não consta nos órgãos sob tutela do DE-SNS.

No DL 52-2022 está:

Artigo 9.º — Direção Executiva do Serviço Nacional de Saúde

2. As atribuições previstas no número anterior são exercidas sobre todas as unidades de saúde previstas no artigo seguinte, sendo os respetivos membros dos órgãos de gestão designados sob proposta da Direção Executiva do SNS, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.

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Artigo 10.º — Unidades de saúde

1. São unidades de saúde do SNS os ACES e os hospitais, os centros hospitalares, os institutos portugueses de oncologia e as ULS, integrados no setor empresarial do Estado ou no setor público administrativo.

De facto, não só o ACSS não fica sob tutela do DE-SNS como mantém as duas principais ferramentas de gestão: o financiamento e os recursos humanos.

E ainda as instalações e equipamentos do SNS e o Sistema Informático

E até com poderes acrescidos e mais independência. Senão veja-se como a ACSS passa a…

Planear e gerir os recursos financeiros do MS e do SNS, designadamente definindo e implementando orientações para a obtenção, afetação e aplicação dos recursos financeiros necessários aos estabelecimentos e serviços do SNS, definindo o sistema de preços e de contratação da prestação de cuidados de saúde e acompanhando e reportando a execução dos recursos financeiros, em articulação com a DE-SNS, I. P.;

Isto onde antes estava…

Coordenar, monitorizar e controlar as actividades no MS para a gestão dos recursos financeiros afectos ao SNS, designadamente definindo, de acordo com a política estabelecida pelo membro do Governo responsável pela área da saúde, as normas, orientações e modalidades para obtenção dos recursos financeiros necessários, sua distribuição e aplicação, sistema de preços e de contratação da prestação de cuidados, acompanhando, avaliando, controlando e reportando sobre a sua execução, bem como desenvolver e implementar acordos com entidades prestadoras de cuidados de saúde e entidades do sector privado ou social, responsáveis pelo pagamento de prestações de cuidados de saúde; (2011 )

Diminui a intervenção política, pois desaparece “de acordo com a política estabelecida pelo membro do Governo responsável pela área da saúde.

O mesmo se passa com os recursos humanos, passando o ACSS a assumir totalmente os recursos humanos e até aos regimes de trabalho e a contratualização coletiva:

Planear e desenvolver as políticas de recursos humanos na saúde, designadamente definindo normas e orientações relativas a profissões, exercício profissional, regimes de trabalho, negociação coletiva, registo dos profissionais, bases de dados dos recursos humanos, ensino e formação profissional, bem como realizar estudos para caracterização dos recursos humanos, das profissões e exercícios profissionais no setor da saúde;

(E aqui sem qualquer referência ao DE-SNS e a articulação com este)

Onde antes estava…

b) Coordenar as atividades no MS para a definição e desenvolvimento de políticas de recursos humanos na saúde, designadamente definindo normas e orientações relativas a profissões, exercício profissional, regimes de trabalho, negociação colectiva, registo dos profissionais, bases de dados dos recursos humanos, ensino e formação profissional, bem como realizar estudos para caracterização dos recursos humanos, das profissões e exercícios profissionais no sector da saúde;

E onde estava…

c) Coordenar as actividades no MS para a gestão da rede de instalações e equipamentos de saúde, designadamente definindo normas, metodologias e requisitos a satisfazer para a melhoria e o desenvolvimento equilibrado no território nacional dessa rede, acompanhando, avaliando e controlando a sua aplicação pelas entidades envolvidas;

passa a estar:

c) Planear a malha de instalações e equipamentos de saúde, garantindo o seu desenvolvimento equilibrado no território nacional, e definir as normas e requisitos técnicos a que devem obedecer, em articulação com a DE-SNS, I. P.;

e mantém-se…

d) Prover o SNS com os adequados sistemas de informação e comunicação e mecanismos de racionalização de compras recorrendo para o efeito à entidade pública prestadora de serviços partilhados ao SNS;

As notícias dão-nos conta da nomeação do Prof Fernando Araújo para Diretor Executivo do SNS e todas as notícias, desde o primeiro dia, apontavam o cargo como CEO do SNS.

Mas não é verdade. Sem tutelar o financiamento, os recursos humanos, as instalações e equipamentos, e o sistema informático (que tem um papel importantíssimo no SNS) o Prof Fernando Araújo vai sim ser o Diretor Geral do SNS cabendo-lhe sobretudo regular o trânsito dos utentes entre as várias unidades do SNS e a articulação destas. (e por isso já lhe passaram a bola das maternidades).

Senão repare-se nas atribuições doArtigo 9.º sobre a Direção Executiva do Serviço Nacional de Saúde:

1 – O SNS é dirigido, a nível central, por uma direção executiva, doravante designada Direção Executiva do SNS, à qual compete, sem prejuízo da autonomia das unidades de saúde que integram o SNS e da sua organização regional, designadamente:
a) Coordenar a resposta assistencial das unidades de saúde que integram o SNS, bem como daquelas que integram a Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI) e a Rede Nacional de Cuidados Paliativos (RNCP);
b) Gerir a RNCCI, incluindo a área de saúde mental, e a RNCP, em articulação com os demais organismos competentes;
c) Assegurar o funcionamento em rede do SNS, através da articulação nacional dos diferentes estabelecimentos e serviços, da integração dos diversos níveis de cuidados e da procura de respostas de proximidade, nomeadamente coordenando a criação, revisão e gestão das Redes de Referenciação Hospitalar;
d) Assegurar o alinhamento da governação clínica institucional com a governação de saúde, considerando as recomendações do Plano Nacional de Saúde;
e) Garantir a melhoria contínua do acesso ao SNS, bem como assegurar a gestão do sistema de acesso e tempos de espera e do sistema de inscritos para cirurgia;
f) Definir as diretrizes a que devem obedecer os planos e programas de ação dos estabelecimentos e serviços do SNS, bem como os critérios de avaliação dos resultados obtidos;
g) Emitir normas e orientações no âmbito da integração de cuidados, serviços e redes do SNS;
h) Monitorizar o desempenho e resposta do SNS, designadamente através de inquéritos de satisfação aos beneficiários ou utentes e profissionais de saúde;
i) Promover a participação pública no SNS, garantindo a intervenção dos beneficiários do SNS, designadamente das associações de utentes, nos processos de tomada de decisão;
j) Assegurar a representação do SNS;
k) Exercer as demais competências que lhe sejam atribuídas por lei, bem como praticar todos os atos que lhe sejam delegados.

E mais adiante:

3 – O membro do Governo responsável pela área da saúde pode delegar na Direção Executiva do SNS a competência para a designação dos diretores executivos dos ACES, nos termos do disposto no artigo 44.º do presente decreto-lei.

4 – O Conselho de Ministros pode delegar na Direção Executiva do SNS as competências para a designação dos membros dos órgãos de gestão dos hospitais, centros hospitalares, institutos portugueses de oncologia e ULS, nos termos do disposto nos artigos 69.º, 70.º e 77.º do presente decreto-lei e no Estatuto do Gestor Público, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 71/2007, de 27 de março, na sua redação atual.

5 – O exercício das competências a que se refere o n.º 1 é enquadrado pelo planeamento e gestão de recursos financeiros e pelo planeamento de recursos humanos e da rede de instalações e equipamentos desenvolvidos pela Administração Central do Sistema de Saúde, I. P. (ACSS, I. P.).

6 – A natureza jurídica, organização e funcionamento da Direção Executiva do SNS são definidos em diploma próprio.

O número 5 deixa pois bem claro o acima descrito. Ou seja, financiamento, recursos humanos, rede de instalações e equipamentos, sistema informático, ficam todos sob responsabilidade do ACSS, sem intervenção do DE-SNS.

Assim nada de estrutural vai mudar. O Prof. Fernando Araújo vai sim ser o para-raios político do Ministério da Saúde, para onde serão endossadas todas as queixas/culpas do mau funcionamento dos serviços.

Se querem falar de um CEO do SNS, não olhem para o Prof. Fernando Araújo, mas para o Presidente do ACSS.

E para perceberem o que é o ACSS e às limitações a que está sujeito, atentem a esta declaração proferida este sábado 14 de Outubro pela Drª Teresa Oleiros Diretora do Departamento de Gestão e Financiamento de Prestações de Saúde da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) no Encontro Nacional das USFs :

“Em relação às horas extraordinárias e ao peso no trabalho, meus caros amigos, isto tem uma razão muito simples, as horas extraordinárias vão ao salário do Médico, a contratação de novos profissionais vai à dívida, vai à despesa primária do Orçamento do Estado, e quando estamos a falar de metas orçamentais, o ministério das finanças prefere sobrecarregar os profissionais, e pedir, exigir, horas extraordinárias para respeitar as mesmas horas e não pôr mais profissionais a trabalhar no SNS.

A razão da existência de muitas horas extraordinárias e não haver reposição tem a ver com essa. A classificação da despesa é diferente, Uma tem implicação da dívida e a outra não… São razões orçamentais “

Está tudo dito…