Faz agora um ano, desde as últimas eleições autárquicas, quando fui cabeça de lista à Câmara Municipal do Porto por um pequeno partido. Para mim, nunca foi política: nasci a uns metros dali, na maternidade da Trindade, onde por pouco não sobrevivia, sendo que residi na maior parte da minha vida um pouco mais à frente, junto da igreja da Lapa. Desde o início, estava destinado a que estas eleições fossem uma viagem de descoberta pessoal.
Confesso que fui criado e formado a pensar que a “minha gente” eram famílias antigas do Porto, junto com ditos parentes e amigos que sempre frequentaram a minha casa desde a infância e que haviam frequentado a casa dos meus pais e avós. Estive sempre convencido que os seus nomes compridos e as raízes comuns às minhas eram marca dos valores milenares, como a honra, lealdade, altruísmo e amor ao próximo. No entanto, passados quarenta e sete anos de existência, cresci. Compreendi ao longo dos meses que o mais importante para eles eram a conveniência imediata e os interesses pessoais. Pelo contrário, aqueles portuenses em que me passei a rever, pelos valores retos de que nunca abdicaram, foram os tripeiros autênticos. A gente das ruas perdidas, esquecidas, em que poucos têm a coragem de se aventurar. Na verdade, a maioria dos verdadeiros portuenses nem puderam votar nas últimas autárquicas: foram expulsos da cidade. São raros agora: o tripeiro orgulhoso da sua alcunha, do seu falar, das suas tradições e da sua vivência através dos séculos, que passaram de pais para filhos e deram origem a uma gente única, autêntica, verdadeira. A partir daí deixou de ser uma luta pessoal pela minha cidade e passou a ser a luta deles: dos esquecidos, desafortunados e injustiçados. De um Porto que estava a desaparecer e que, como em outras alturas da História, tentava sobreviver.
O Porto da equipa de Rui Moreira não é e nunca foi um Porto de gente. Da nossa gente. Passou a ser o Porto deles. Segundo uma notícia da semana passada do maior semanário português, “perdeu-se três vezes mais pessoas do que se ganhou.” Quem ganhou? Os donos disto tudo. Os novos-ricos. “A classe média-alta”, para onde se diluiram as famílias antigas do Porto. O meu irmão mais velho escreveu, há uns trinta anos, um livro de genealogia com um toque pessoal extremamente emocional, chamado Uma Família do Porto, onde relatava a nossa ascendência, unida com boa parte das tais chamadas famílias antigas do Porto. Mas o meu irmão morreu na miséria, num país diferente, há quinze anos, esquecido pelas dezenas de amigos que pululavam constantemente na casa da minha infância e adolescência. Afinal, aprendeu de forma trágica o que eu só vim a perceber no ano passado.
Para mim nunca foi política. Mas na altura de fazer política descobri que a nossa democracia é imperfeita e os órgãos que a deviam supervisionar não funcionam. Houve a narrativa constante de que só havia sete candidatos, os que foram aos debates da SIC e TVI, para onde não fui convidado. No dia das eleições, falei com alguns amigos de outros partidos que estavam nas mesas e nenhum sabia que eu era candidato e cabeça de lista à presidência da Câmara. Sim, tive meia-dúzia de minutos nos serviços públicos e nada mais – mas foi opinião geral dos “entendidos” que, com mais tempo e destaque, o resultado geral das eleições tinha sido completamente diferente. Tentei remar contra a maré, fiz um programa pragmático, fácil de compreender e implementar, mas o que se passou depois dava para um livro. Sobretudo, foi suficiente para compreender que a democracia ocidental só vai sobreviver se não se colocarem em causa as liberdades fundamentais: de expressão e de imprensa. Baseada na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efetivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes – esta última parte não é da minha autoria, vem logo no início da Constituição Portuguesa.