Acabei de ler, no passado fim-de-semana, As Causas do Atraso Português (D. Quixote, Novembro de 2023), de Nuno Palma, economista, historiador e professor na Universidade de Manchester. O livro, exemplarmente escrito ao ponto de ser compreensível para o mais leigo dos portugueses, percorre momentos históricos fundamentais na História do país desde o fim da Idade Média até aos dias de hoje, e devia colocar-nos a pensar nas raízes profundas que tornam Portugal um país estagnado em termos económicos (talvez «empobrecido» seja mesmo a expressão indicada) quando comparado com os restantes países europeus. Nuno Palma ofereceu-nos um precioso trabalho de reflexão e facilitou-nos a auto-crítica. O país, evidentemente, passará por ele como cão por vinha vindimada. Afinal, o que ali é apontado como grande causa do nosso atraso, se tivesse a atenção que merece, devia deixar-nos todos em sobressalto e a exigir mudanças que permitissem fazer com que não se venha a dar uma ruptura. Que é como quem diz que a sociedade portuguesa devia estar a exigir reformas profundas e a mostrar-se disponível para alguns sacrifícios no presente de forma a evitar revoluções endógenas ou exógenas no futuro.

Não estamos, porém, nesse ponto. A campanha eleitoral, entretanto iniciada e com um fim ainda longínquo, demonstra-o bem. É verdade que o Partido Socialista tem pela frente uma decisão quanto ao grau da sua liderança, mas não quanto à sua natureza. José Luís Carneiro garante, no mínimo, algum bom senso, moderação e sentido de compromisso, por oposição à infantil imbecilização dos espíritos que Pedro Nuno Santos tão bem encarna. Mas algum deles acena com a mais ligeira amostra de ambição de que é possível tirar o país deste lugar que é a cloaca europeia?

Por outro lado, foi muito curioso assistir ao último congresso-comício do PSD, de onde Luís Montenegro saiu já visto como possível Primeiro-ministro pelo jornalismo activista da capital. Mas de Almada não saiu, pelo menos não da direcção do partido, essa ambição disruptiva de que o país precisa. A aparição de Cavaco Silva, de resto, abençoou a sensaboria dos pastorinhos social-democratas. É que este PSD é mais o Cavaco de 1985 do que o Cavaco debaixo da alçada europeia, de 1987 ou mesmo de 1991. Em 1985, não era o PSD de Cavaco Silva a força liberalizadora do país. Era o CDS de Lucas Pires. Ora, já nessa altura o país preferiu um PSD saído do Bloco Central, mas de cara lavada, que garantia que tudo ficaria na mesma, mas para melhorzinho – era o PSD que não defendia privatizações, mas antes a viabilidade das empresas públicas, por exemplo. E fê-lo em detrimento das mudanças de que o país precisava. Estas, na verdade, acabaram, pelo menos em parte, por se concretizar, graças à CEE e a algo de que Nuno Palma fala abundantemente: uma torneira financeira a jorrar dinheiro no país que permitiu fechar os olhos a algumas reformas introduzidas, e que nos deixa hoje incapazes e inertes de tanto vício no dinheiro dos contribuintes europeus.

Em democracia, até se podem fazer reformas contra a vontade da maioria. Mas não se ganham eleições com programas de verdadeira alternativa num país onde a maioria que vota é envelhecida, donde menos disponível para a mudança, e sobretudo financeira e economicamente iletrada. Talvez a estratégia do PSD esteja certa: perante um eleitorado maioritariamente avesso à mudança, pouco disponível para assumir a sua própria pobreza, que ainda crê naquele fabuloso conceito que consiste em «o Governo dá», e num país onde subsiste um grande apreço pelo situacionismo, com intervalos periódicos de fervor pela ruptura revolucionária, é mesmo possível que para ganhar eleições seja essencial entrar numa lógica de não ferir grandes susceptibilidades e ser redondo o suficiente para não queimar arestas eleitorais. Pela primeira vez em oito anos, talvez o PSD esteja finalmente em situação de discutir com o PS a vitória numas eleições. E, ainda assim, não é garantido que o consiga.

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Ao mesmo tempo, uma minoria zangada vai crescendo e usa André Ventura como um martelo pneumático de frustração e revolta contra isto – e isto é todo um estado de coisas, em várias áreas e em diversos graus, de que as pessoas vão estando fartas, sem que se perceba ao certo o que se pretende fazer de diferente, porque, na verdade, Ventura não pretende mudar coisa nenhuma. A ideia, na verdade, não é, mais uma vez, alterar nada de substancial e verdadeiramente estrutural no país. Ventura parece-se cada vez mais com a chamada Oposição Democrática na última década e meia de ditadura: a garantia da perpetuação do situacionismo por outros meios.

As eleições de 10 de Março trazem a partidos como PSD, Iniciativa Liberal ou o CDS (este ainda com mais dificuldades, porque parte do subsolo eleitoral) um desafio mais complicado do que talvez pensem. Como é que podem defender um programa de reformas num país que não as quer e, ainda assim, ganhar eleições? E como é que, ganhando eleições, pensam mudar alguma coisa no país sem dar corpo a uma verdadeira alternativa ao imobilismo do PS? Neste momento, estamos a correr o risco de que tudo mude para que tudo fique na mesma, e talvez os portugueses percebam isso com mais facilidade do que se pensa, e por isso mesmo acabem por dar nova vitória ao PS.

Muitos têm alertado para os riscos da mexicanização do país. Os alertas são justos. Só que o país já está mexicanizado, refém não apenas de uma democracia de partido único, mas de um país de ideia única. Não podendo vingar uma alternativa, o situacionismo não durará para sempre, como é evidente; lamentavelmente, terminará com nova ruptura. Os próximos três meses não serão fundamentais, mas apenas mais um passo no sentido desejado pela maioria. Será um longo e penoso Inverno.