Ao arribar aos arrabaldes de Lisboa, como quem vem da A1, o condutor e acompanhantes são assoberbados por dezenas e dezenas de placards de publicidade. Cada um mais elevado que o anterior, estas torres de babel lutam efusiva, mas petreamente, pela atenção momentânea do condutor distraído. Contemplam o trânsito e dia após dia, repetindo a sua missão silenciosa de recordar aos condutores que o consumo é a única forma e caminho mesuráveis, para demonstrar o verdadeiro valor do cidadão. Eu valho aquilo que consumo.
Há décadas que a cidade se polvilhou de publicidade de rua, pelos passeios, pelos escaparates, pelos topos e fachadas de prédios infindáveis. Regularmente assinam-se contratos milionários, cujo produto da distração do cidadão vai parar diretamente aos cofres da Câmara Municipal.
Mas indo ao assunto que nos traz aqui hoje: a paz dos lisboetas.
Lisboa está submersa numa quantidade infindável de cartazes publicitários luminosos, colocados em grandes artérias da cidade. Por pouco, os olhos dos nossos concidadãos da capital estariam sobrecarregados de nova informação (leia-se distração). Como se por intervenção divina, uma providência cautelar veio parcialmente proteger-vos os sentidos, mas ainda há muito a fazer. Vocês, amigos lisboetas, ainda estão sob o jugo de montras digitais, em luminosidade perpétua que vos farão sentir mais cansados, mais enervados, mais ansiosos, mais tristes. À poluição sonora, uma praga na capital, às micropartículas regurgitadas pelos cruzeiros, à degradação urbanística e à sobre utilização das infraestruturas, sobe para tom gritante outro tipo de poluição: a poluição visual.
A cidade transforma-se, e, em breve, mesmo com providências cautelares, para onde quer que olhem, estará lá um ecrã a publicitar um sem número de coisas que vocês tanto dispensam. Mais um ecrã para vos distrair, para vos fazer pensar em imensas coisas sem valor acrescentado e no meio desta cacofonia, será mais e mais difícil parar, pensar e arrumar a cabeça.
Distopicamente, parece que a única saída deste tipo de exposição é mesmo cerrar os olhos! Pelo menos, enquanto podemos, enquanto não se cria uma tecnologia visual que passa por baixo das pálpebras. Neste momento, a tecnologia permite saber se um, cem ou mil olham para o reclamo a, b ou c, a que horas e com que expressão. As vossas caras anónimas, medidas biometricamente, são indicadores de sucesso das marcas e das campanhas publicitárias. Os algoritmos sabem, em tempo real, se olhámos ou desviámos a cara, prestámos atenção ou decidimos ignorar. E assim, pode-se comunicar para o alvo certo, à hora certa, no lugar certo. E, invariavelmente, se sentirão distraídos, puxados pelo doce canto da sereia da publicidade constate.
Falamos de crises e mais crises, uma das quais energética, que é bem real. No entanto, damos passos atrás na maneira que consumimos energia, com coisas supérfluas, aparentemente rentáveis no curto prazo. Poderíamos, talvez, afunilar investimentos em questões e problemas urbanos para melhorar a vida de todos. Priorizar sinais luminosos que têm resultados manifestamente nefastos para as cidades e para os seus cidadãos, aumentando gastos de energia, é, sem dúvida, uma péssima estratégia.
Sobre este ruído visual que entra dentro das nossas cabeças inusitadamente, cabe-vos a vocês, lisboetas, dizer basta. Recordando e adaptando António Silva, grande lisboeta, devem fazer saber a quem de direito que ecrãs há muitos, seus palermas! Todos os dias, a toda a hora, em qualquer lugar, lá está um ecrã: o telemóvel, o computador, a televisão, o ecrã nas bombas de gasolina, no supermercado, no centro comercial. E por ser quase impossível de desligar, espero que vos deixem as ruas, pelo menos.
Lamento, pelos nossos irmãos lisboetas – de origem ou adotados – pelo constate invadir dos vossos sentidos, por produtos e marcas e cores e compras e serviços, e coisas e mais coisas que ninguém realmente precisa. Por vós, faço um minuto de silêncio, para que possam ter um minuto de silêncio.