Não, não é fácil enchermos uma sala para ouvir falar de cancro, para elucidar, para partilhar, para nos expormos – os que pouco ou nada sabem destas coisas e os que têm a experiência na pele e no osso, onde dói de facto. Eram quase nove da noite e a sala continuava cheia e os oradores, a partilharem a sua experiência de vida, mantinham-se serenos, como se o tempo não tivesse importância. E todos eles, ou quase, a terem que trabalhar no dia seguinte. E com a Sandra, que mulher, a dizer que amanhã seria o seu dia de “SPA” – mais uma tarde de 4 horas de quimioterapia. Tardes que a Sandra faz de quinze em quinze dias. E anda nisto há sete anos. Sete anos porque o cancro da Sandra é metastizado. Não se cura, vive-se com ele.
Pois recebemos esta semana seis ilustres pessoas que, desconhecidas do grande público, são ainda assim grandes, enormes. Enormes na experiência em lidar com grandes problemas e enormes na vontade de viver. Enormes também na esperança, no perdão, na amizade, na alegria, na vontade de partilha. Que masterclass tivemos.
Mas deixem-me voltar atrás, ao tempo de partilha. Se eu, moderador, deixasse, duraria a noite toda. O tempo de crescer e construir e agradecer foi fantástico. Nunca vi uma masterclass quase sem desistências pelo meio. Não me lembro de ter visto alguém a teclar num telemóvel ou alguém a olhar para o relógio. E não me lembro de uma plateia sem arredar pé, fossem que horas fossem.
Não vi olhares vazios.
Não vi lágrimas que não fossem de vida.
Não senti neles solidão.
Não me apercebi senão de gente, de muito boa gente, com um grande coração.
Porque o cancro os transformou.
Os moldou.
Os fez e faz agradecer todos os dias.
Os fez e faz doarem-se todos os dias.
Os fez e faz oferecerem o seu tempo para partilhar.
Os fez e faz olhar para hoje mas, também, para a forma como insistem em participar no futuro.
Os fez e faz resistir.
Os fez e faz pessoas mais inteiras.
Com nada para pedir.
Com nada para exigir.
Com nada que não fosse olhar para nós, os que não tivemos (ainda) cancro como se fossemos nós que precisássemos deles. Nós, sim, nós os grandes necessitados da sua proteção.
Porque não sabemos bem o que valorizar.
Porque nos dispersamos por coisas demais.
Porque não sabemos o quanto vale a vida.
Enfim, porque nos perdemos nos meandros do nada.
É por tudo isto, e muito mais, que não tendo eu um cancro só me apeteceu, durante o tempo todo, agradecer-lhes também. E pedir-lhes que me dessem um bocadinho da alegria com que se preparavam para passar o seu Natal.
É preciso saber viver com cancro, sim. Mas é também preciso, e muito, partilhar, elucidar, informar e fazer mais e mais coisas destas. Por isso, diria eu, precisava – não de ter um cancro, bem vistas as coisas – mas de viver o Natal com a alegria da Sofia, da Sandra, do Nuno, da Joana, do Paulo e do Jorge.
Não posso oferecer-lhes grande presente. Mas posso, pelo menos, dedicar-lhes este texto. E dizer-lhes, sublinhando-o, o quanto gostei de os ter na universidade. Foi, sim, uma masterclass com toda a classe de quem sabe viver.
E enquanto escrevia o texto ainda tive o privilégio de receber do meu filho do meio, que também assistiu, um fantástico presente de Natal: “Ia reclamar pelo vento e chuva e pela chatice de, com isto, ter de levar o cão à rua. Porém, pensei na masterclass de ontem e resolvo, antes, agradecer pela chuva e pelo vento e por poder antes estar aqui para ver e sentir e por ter um cão para passear”.
A todos, um Natal ao lado do cancro: muita informação, muita disponibilidade, muita esperança.