Não é que não saibamos o que está em causa e o que provoca muitos dos problemas em Portugal: “A capacitação dos dirigentes em gestão e liderança, a capacidade de atrair e reter talento, o desenvolvimento de competências para o futuro nos trabalhadores públicos e o desenvolvimento de uma cultura de inovação, constituem os principais desafios a superar.” (Estratégia Portugal 2030– Ministério do Planeamento).

Pensar em desafios é pensar o futuro. No entanto, ‘Futuro’ e ‘Administração Pública’ ou ‘Futuro’ e ‘Governação’ parecem ser problemáticas muito pouco queridas em Portugal. Em todo o repositório aberto científico português, com tais palavras nos títulos, há apenas quatro documentos sobre a primeira relação, incluindo-se uma única dissertação de mestrado, e três sobre a segunda.

Como podemos construir uma melhor administração pública e uma melhor governação se as universidades e as demais instituições públicas se recusam a pensar o futuro? Considerar o futuro como objeto científico nos cursos e nos nossos centros de investigação é crucial para colocar o ‘futuro’ na agenda das diversas instituições públicas. A escuta de futuros vários a partir de baixo pode bem ser a melhor opção para a activação do futuro, ou seja, o comprometimento com uma agenda de mudança transformativa, nos diversos setores públicos. Centrarmo-nos no futuro significa uma mudança dos problemas e suas causas para uma lógica de desafios e soluções, o que é, sem dúvida, uma visão mais positiva da administração e governação. Tal implica uma exploração em redes, parcerias, colaborações, co-produção e outras formas não tradicionais de ouvir-e-falar sobre o futuro, ou seja, pensar o futuro para atingir objectivos públicos e criar estrategicamente valor público numa lógica de ganhos para todos.

Quando o nosso tempo era histórico, baseado no livro, na linguagem escrita e na narrativa estruturada pelo princípio, meio e fim, o passado tinha uma densidade que organizava o presente. Os comportamentos e atitudes das pessoas e das instituições eram suportadas por esse crivo do tempo longo, o qual também implicava uma ética. Num tempo a-histórico das redes sociais, dos posts, twits, likes e outros processos quasi-instantâneos do aqui-e-agora áudio-scripto-visual que substituem qualquer narrativa estruturada, o que hoje se diz sem pensar, amanhã desdiz-se com a mesma facilidade. E com a mesma certeza. Esse paradoxal relativismo autoritário enquanto ética põe em causa as nossas instituições.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Aqueles que (nascidos entre os anos 60 e 70 – geração X) foram educados no tempo histórico, e influenciados pela educação-enquanto-história, continuam a considerar, as mais das vezes, que é possível continuar a pensar o presente a partir do passado. No entanto, para as novas gerações (nascidos depois dos 80 – millenials ou Y – e nascidos depois de 2000 – Z ou pós-millenials), é muito mais apelativo e eficaz pensar o presente a partir do futuro. É óbvio que a educação actual, centrada no passado, é suportada como um fardo pela maioria dos jovens. Por outro lado, as consequências sociais e políticas do tempo a-histórico requerem uma atitude proativa rápida. Pensar o futuro pode ser, porventura, o único remédio para o tempo de curto prazo como causa-resultado de agendas mediáticas propiciadores de polarizações e de relativizações anti-sistema que envolvem numa bolha mediática políticos, comentadores e opinião pública.

É claro que pode ainda apresentar-se contra-argumentos: o passado é muito mais certo que o futuro; esquecer o passado ou colocá-lo num segundo nível é o que levará a cometer erros que poderíamos aprender com a história. Não é que estes argumentos não tenham sentido mas a centralidade na evidência científica na gestão das nossas instituições (quando aconteceu) também não resultou completamente: a política-baseada-na-evidência acabou por entrar em competição com a evidência-baseada-na-política, ou seja, haver uma evidência capaz de justificar o que quer que fosse. Por outro lado, a um nível mais geral, uma política de identidades, de base ‘woke’, ‘me too’ e por aí, desencadeou uma reescrita da história em que todo o passado se tornou passível sempre de ser conscientemente reescrito em função do presente e, portanto, uma arena de conflitos tão grande e aberta como qualquer futuro.

A centralidade no futuro na análise de instituições públicas possibilita fazer falar a expectativa da ultrapassagem, num sentido positivo, de desigualdades, injustiças e opressões no presente que não poderão de todo vir ao de cima se a conversa for sobre o passado. Assim, coloca-se na agenda a chamada “Administração Pública Positiva”, ou seja, pensar a administração pública como capaz de uma mudança pela positiva. E, ao mesmo tempo, uma administração pública capaz de ser mais plural, intercultural e, ao mesmo tempo, centrada no valor dado à ética e conhecimento construídos pelos próprios, capazes de responder aos desafios globais que são desafios do futuro: mudança climática, movimentos migratórios, aumentos das desigualdades, geopolíticas variáveis e emergência dos populismos.

Por outro lado, num tempo de transformação tecnológica do ensino e de inteligência artificial, o passado é muito mais fácil para as máquinas do que o futuro. Mesmo que a IA possa, e bem, apresentar vários cenários, é preciso primeiro saber apresentar os parâmetros dos mesmos às máquinas e, depois, só a discussão dos mesmo por pessoas reais, localmente determinadas pode implicar o espírito crítico e o envolvimento emocional que resulta em aprendizagens. E, para além disso, em relação ao futuro, não se trata de ‘acertar’ ou ‘errar’ e ser por isso sancionado pelos professores. Trata-se, antes, de discutir e argumentar acerca do melhor futuro, apresentando as razões que cada um considera as melhores. Trata-se, por isso, de efetivamente aprender a pensar e aprender a pensar colaborativamente. Por outro lado, esta metodologia é transversal, colocando no mesmo patamar o ensino e as instituições de trabalho e invalidando a tão repetida questão entre teoria e prática, considerando-se que a escola é apenas lugar de teoria, sendo a prática completamente diferente. Por fim, só o comprometimento organizacional com determinado cenário ou cenários por pessoas reais é que poderá de facto activá-los como um futurível, ou seja, um futuro que de facto se concretiza. Pensar o futuro colectiva e colaborativamente a partir de baixo possibilita um exercício entre utopia e prática que é crítico, positivo e activador de comportamentos e atitudes efetivamente transformadores. E é isso que precisamos no presente.

Elaborar visões de futuro de forma partilhada é criar comunidades de práticas de aprendizagem da transformação: ou seja, inovação em cascata. São estas comunidades que desenvolvem o interesse pela monitorização da transformação, percebendo em cada momento se estão mais perto ou mais longe dos futuros desejados e fazendo, por isso, os ajustes necessários e possíveis para tal aproximação.

Os portugueses parecem perdidos, reféns de um tempo curto típico de subalternidade: estamos condenados a jornaleiros da vida. O único tempo longo, as mais das vezes, é o de pagar a casa, conseguir educar os filhos e chegar à reforma. A autocomiseração em relação a esta tragédia das nossas vidas é possibilitada diariamente pela televisão, em todos os canais (Alerta CM; Goucha; Hernâni Carvalho; Claúdio Ramos; Júlia, etc.), na tragédia de outros que estão sempre pior que nós. A primeira das formas de mudarmos tudo isto é possibilitarmos aos cidadãos a capabilidade de moldar o tempo colectivamente e, por isso, de gerir um horizonte de expectativas mais alargado nas suas vidas familiares e de trabalho. Precisamos com urgência de activar Planos Transformacionais!