“…abrir caminho para uma sociedade socialista, no respeito da vontade do povo português, tendo em vista a construção de um país mais livre, mais justo e mais fraterno.”
Esta frase consta da Constituição da República Portuguesa, no seu Preâmbulo, que estoicamente resistiu a muitas alterações da Lei Fundamental. A Lei é de 1976, conta com sete revisões posteriores, e, não obstante o seu Preâmbulo incline o país para a construção de uma “sociedade socialista”, num “poema” atribuído a Manuel Alegre, o seu articulado já nos encaminha para uma sociedade bem diferente, em que a livre iniciativa económica e de mercado, bem como a defesa da propriedade privada estão bem presentes e garantidos. Presentemente está em curso uma nova revisão do texto constitucional.
A nossa Lei Fundamental é pragmática e abrangente quanto baste, nos seus 296 artigos, mas – e sobretudo – é programática, muito programática diga-se; e ao longo do seu articulado vai desfiando os temas que interessam ao cidadão e à sociedade com uma energia glamorosa, dando a todos, tudo o que eles anseiam para uma sociedade quase perfeita.
Tratando-se da Lei Fundamental, todos os demais diplomas legais dela derivam e a concretizam, sendo inconstitucionais as normas legais que contundirem com as normas constitucionais. É assim a primeira das fontes de direito no nosso ordenamento, lado a lado com as derivadas de tratados internacionais a que Portugal se tenha vinculado e os princípios internacionais por ela ressalvados (art.º 8.º, n.º 1 e art.º 16.º, n.º 2 da CRP). É a base do ordenamento jurídico e dela brotam as normas que estabelecem os alicerces do Estado de Direito.
Por variadas vezes o Tribunal Constitucional – garante da constitucionalidade das normas legais – foi chamado a pronunciar-se em defesa dos princípios que resultam do normativo constitucional. Institutos como a tutela da confiança, a salvaguarda dos direitos adquiridos, a justiça e a solidariedade entre gerações e a proteção da confiança no Estado de Direito, foram no passado, e sê-lo-ão no futuro, estamos cientes disso, as bitolas do julgamento pela inconstitucionalidade ou não das normas que vierem a ser apreciadas.
Mas também cabe a este Tribunal o poder de examinar os casos de inconstitucionalidade por omissão, ou seja, quando o ordenamento jurídico subsequente não concretiza os desígnios constitucionais por omissão das medidas legislativas necessárias para tornar exequíveis as normas da Constituição (artigo 283º da CRP).
Para que possamos apreender qual o caminho apontado pelos preceitos constitucionais, e que deveriam nortear – desde logo – o desenho das políticas públicas, deixo aos leitores um quadro das intenções programáticas da nossa lei maior, sendo certo que os 47 anos que a Constituição leva já de vigência permitem olhar para as previsões normativas, em matéria de direitos constitucionais, e para o resultado em cada uma das mais significantes funções do Estado em matéria de bem-estar social e qualidade de vida:
Constituição da República Portuguesa
Educação, Ensino e Cultura – Art.º 73.º e 74.º
Todos têm direito à educação e à cultura.
Todos têm direito ao ensino com garantia do direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar.
O estado assegura o ensino básico universal, obrigatório e gratuito e estabelecerá progressivamente a gratuitidade de todos os graus de ensino.
Saúde Art.º – 64.º
Todos têm direito à proteção da saúde e o dever de a defender e promover, através de um serviço nacional de saúde universal e geral e, tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos, tendencialmente gratuito.
Segurança Social Art.º – 63.º
Todos têm direito à segurança social.
Incumbe ao Estado organizar, coordenar e subsidiar um sistema de segurança social unificado e descentralizado.
O sistema de segurança social protege os cidadãos na doença, velhice, invalidez, viuvez e orfandade, bem como no desemprego e em todas as outras situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho.
Trabalho Art.º – 58.º
Todos têm direito ao trabalho.
Incumbe ao Estado promover a execução de políticas de pleno emprego e a igualdade de oportunidades na escolha da profissão ou género de trabalho.
Habitação Art.º – 65.º
Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar.
Incumbe ao Estado:
Programar e executar uma política de habitação inserida em planos de ordenamento geral do território e apoiada em planos de urbanização que garantam a existência de uma rede adequada de transportes e de equipamento social;
Promover, em colaboração com as regiões autónomas e com as autarquias locais, a construção de habitações económicas e sociais; Estimular a construção privada, com subordinação ao interesse geral, e o acesso à habitação própria ou arrendada.
O Estado adotará uma política tendente a estabelecer um sistema de renda compatível com o rendimento familiar e de acesso à habitação própria.
autarquias locais, a construção de habitações económicas e sociais; Estimular a construção privada, com subordinação ao interesse geral, e o acesso à habitação própria ou arrendada.
O Estado adotará uma política tendente a estabelecer um sistema de renda compatível com o rendimento familiar e de acesso à habitação própria.
Bem-Estar e Justiça Social – Art.º 81.º
É prioridade do Estado:
Promover o aumento do bem-estar social e económico e da qualidade de vida das pessoas, em especial das mais desfavorecidas, no quadro de uma estratégia de desenvolvimento sustentável;
Promover a justiça social, assegurar a igualdade de oportunidades e operar as necessárias correções das desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento, nomeadamente através da política fiscal.
Família Art.º – 67.º
Incumbe ao Estado:
Promover a independência social e económica dos agregados familiares;
Promover a criação e garantir o acesso a uma rede nacional de creches e de outros equipamentos sociais de apoio à família, bem como uma política de terceira idade.
Juventude Art.º – 70.º
Os jovens gozam de proteção especial para efetivação dos seus direitos económicos, sociais e culturais, nomeadamente:
No ensino, na formação profissional e na cultura;
No acesso ao primeiro emprego, no trabalho e na segurança social;
No acesso à habitação;
Na educação física e no desporto;
No aproveitamento dos tempos livres.
Fiscalidade – Art.º 103.º e 104.º
O sistema fiscal visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza.
O imposto sobre o rendimento pessoal visa a diminuição das desigualdades e será único e progressivo, tendo em conta as necessidades e os rendimentos do agregado familiar.
Os rendimentos serão progressivamente tributados de modo a que se possa efetivar uma redistribuição dos rendimentos pelos cidadãos, promovendo assim maior coesão social.
Consumidores – Art.º 60.º
Os consumidores têm direito à qualidade dos bens e serviços consumidos, à formação e à informação, à proteção da saúde, da segurança e dos seus interesses económicos, bem como à reparação de danos.
Atentas as normas legais que emanam da CRP, verificamos que há um longo caminho a percorrer para não defraudarmos os constituintes que a aprovaram e o povo que legitimou a Revolução de Abril. Até lá, parece podermos inferir que a Constituição da República Portuguesa é um lindo e extenso poema.