Na Europa, mas particularmente em Portugal, precisamos de mais empresas inovadoras, capazes de crescer e desenvolver soluções de forma ágil. De acordo com o Gabinete de Estratégia e Estudos do Ministério da Economia, mais de 20% dos trabalhadores em Portugal desempenham um trabalho que requer níveis de escolaridade inferiores àqueles que possuem. Um sintoma crónico de uma economia de baixo valor acrescentado; e um indício claro da dificuldade do mercado de trabalho português em capturar o valor da melhoria do nível da educação da população, em particular os tão esperados aumentos de produtividade e crescimento económico. Esta estatística é ainda mais premente entre os jovens.

É agora que nós, em Portugal, nesta altura de recomeço, temos de fazer perguntas difíceis. É bem sabido que a quantidade de dinheiro disponível num ecossistema de inovação é um dos principais catalisadores do impacto da tecnologia e do desenvolvimento. E a “balança atlântica” do desenvolvimento tecnológico está claramente desequilibrada.

A pergunta que se põe é: como é que, numa realidade onde a disponibilidade de capital é reduzida, se pode inverter essa situação?

Investidores e fundos de capital de risco (i.e. investidores em startups) na Europa começam a mostrar retornos. Aliás, 2020 marca um ano em que a Europa deu retornos melhores que os Estados Unidos. É essencial comunicar isto e dar visibilidade aos retornos, não só financeiros, destes investimentos. É essencial mostrar a todas as partes interessadas que o capital de risco não é arriscar. É, sim, investir num ativo com potencial de retorno significativo. Mesmo investidores mais defensivos irão querer essa performance.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

As empresas inovadoras são parte integrante de um cluster de inovação que tem de ser desenvolvido. Este cluster tem de começar a ser mais e mais reconhecido como um cluster de direito por si só. Um cluster de inovação sustentável precisa de agentes especializados no ecossistema, empreendedores (experientes e inexperientes), business angels (que são, em grande parte, resultado de um historial de investimento e sucesso em desenvolvimento de tecnologia) e, também, de empresas estabelecidas com uma cultura inovadora – alimentando o ecossistema com talento e sendo os principais promotores de projetos piloto. A inovação, enquanto fator diferenciador de uma economia, não pode ser apenas um chavão ou, pior, visto como resultado de uma série de apoios a fundo perdido. Infelizmente, em Portugal, muitos dos agentes são ainda amadores. Muitos dos nossos “especialistas” são apenas teóricos. O cluster da inovação em Portugal tem de se profissionalizar.

A Europa tem evoluído muito ao longo dos últimos anos. Há mais investidores de forma geral e cada vez mais profissionalizados. Aliás, algumas regiões e países europeus já estão numa fase de consolidação com fundos de capital de risco a crescer de dimensão de forma significativa. Em Portugal, porém, estamos longe disso. E se a Europa tem de ter cuidado para não ficar para trás na corrida do desenvolvimento tecnológico, Portugal mais cuidado deve ter para não ser, mais uma vez, a cauda da Europa. Um investidor de capital de risco não é um gestor de conta megalómano da sua agência bancária mais próxima; mas também não é mais um dos “malandros do costume” que vai ficar com o nosso dinheiro. Felizmente, na Europa, já lá vai o tempo em que alguém se tornava investidor de capital de risco por passatempo ou para se reformar. Mais e mais, a indústria do capital de risco é reconhecida como uma indústria especializada e única. Investidores de economias mais robustas na Europa referem que não existem muitos investidores especializados e com experiência em capital de risco em Portugal (salvo raras exceções). E isto deve preocupar-nos! Pior, deve preocupar-nos a utilização de recursos e incentivos previstos para a área de capital de risco de forma incoerente e incongruente, pois põe em causa o valor desta indústria emergente em Portugal. Preocupam-me estes supostos “especialistas” que operam à margem dos poucos, mas extremamente necessários, incentivos, procurando pequenas brechas regulamentares e escondendo-se atrás de pareceres legais e técnicos dos suspeitos do costume. Portugal precisa de uma indústria de capital de risco privada, devidamente incentivada, mas não subsidiada, e com escala adequada. Ou seja, equipas e profissionais especializados, dedicados em exclusividade, com remunerações e incentivos adequados.

Investidores pela Europa fora reportam que o acesso a oportunidades de investimento (startups e tecnologias) internacionais e a parceiros de co-investimento (leia-se, outros investidores) é a maior barreira ao investimento. Por outro lado, e paradoxalmente, empreendedores europeus reportam que a maior barreira a encontrar investimentos para as suas startups e tecnologias é a falta de acesso a investidores. Claro está, portanto, a importância de facilitar a criação de relações entre os diferentes agentes da inovação a nível europeu; sejam eles investidores, empreendedores ou até clientes (individuais e empresariais). Em Portugal temos de promover a criação e desenvolvimento da indústria de capital de risco, com equipas especializadas, adotando boas práticas internacionais. Só uma indústria deste tipo gera retornos e valor social. Uma indústria assim consegue criar relações com investidores internacionais e atraí-los para investir em Portugal.

Temos que dotar o ecossistema europeu de capital de risco com o dinheiro necessário. É de salientar que o Fundo Europeu de Investimento já faz muito e tem desempenhado o papel de piloto do ecossistema europeu de investimento em tecnologia. De acordo com o The Economist, 40% do capital disponível para investir em startups e tecnologia na Europa vem de agências e governos dos Estados-membros. Isto revela a dedicação dos governos europeus a esta área claramente prioritária. Mas é insuficiente. O investimento público, apesar de ter sido a tábua de salvação para o ecossistema Europeu, perpetua barreiras transfronteiriças que, por si só, são também uma especificação europeia não aplicável aos Estados Unidos. No entanto, para a Europa, e, em concreto, Portugal, conseguir estar ao nível dos Estados Unidos e apoiar o desenvolvimento de tecnologia e startups a uma escala verdadeiramente global, é necessário assegurar mais capital.

A dependência do investimento público ou, em alguns casos, do investimento corporativo, pode levar a situações de instabilidade a longo prazo. Precisamos de fundos de capital de risco robustos e independentes que liderem o cluster. É necessário atrair mais capital privado para a indústria do capital de risco. Temos de criar incentivos para que o setor privado invista em intermediários financeiros a investir em startups e tecnologia. Não são precisos os mesmos incentivos e regulamentos de sempre que incentivam o desenvolvimento económico regional com regras incompatíveis com a agilidade necessária ao desenvolvimento tecnológico e investimento em startups. Não são necessárias regras impostas diferentes daquelas que o próprio mercado impõe ou as quais a própria responsabilidade fiduciária, encarada de forma séria e profissional, já obriga. Tem de se promover o investimento direto em investidores profissionalizados. Muitas fontes de capital para esta indústria, de onde se incluem alguns fundos de pensões, estão sujeitas a limitações e nem podem investir nesta classe de ativos. Têm de se eliminar estas barreiras. Uma inversão da situação, em que passamos a promover e incentivar investimentos em intermediários financeiros profissionalizados teria um impacto elevadíssimo.

Sou só mais um jovem sim, mas estou a pensar no futuro. Não só no meu, mas já no dos meus filhos. Estou a pensar no futuro, porque a economia portuguesa parece não conseguir criar e manter vantagens competitivas a nível internacional. Estes produtos, estas tecnologias, de âmbito global, permitem transformar a economia portuguesa. Permitem um melhor salário para os meus filhos sem eles terem de sair de Portugal. Não podemos continuar a deixar passar oportunidades. Nem podemos deixar que aqueles que nos puseram nesta situação continuem a escavar este buraco.

David Cruz e Silva é luso-americano e o fundador da Hack & Hustle, uma empresa focada na criação e desenvolvimento sistemático de novas empresas e em consultoria de inovação. Especializado em ferramentas de inovação, empreendedorismo e capital de risco, o David tem experiência a trabalhar com startups e no desenvolvimento de projetos de inovação para PMEs, multinacionais e governos a nível europeu. O David é um Global Shaper (iniciativa do Fórum Económico Mundial) e foi o representante mais jovem de Portugal na 73ª Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova Iorque (a convite da Organização Mundial de Saúde, para a qual foi consultor).

O Observador associa-se aos Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. O artigo representa, portanto, a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.