São 21h37 e estou a terminar o meu dia de trabalho. Sozinho, que toda a minha equipa está em casa, a dar o litro e a fazer o melhor que sabem e conseguem. Cada um deles trabalha sete a oito horas diárias, já eu estou a trabalhar desde as 8h30, a caminho das 13 horas de trabalho diário (tem sido a norma). Todos dão o litro, dia após dia, para reinventar o que fazemos e ajustarem-se aos novos desafios, mas eu, acima de todos, tenho o dever de dar o exemplo, de manter a cabeça levantada, de fomentar a esperança e de os inspirar a todos a acreditar em dias melhores. Confesso, porém, que hoje vou permiti-me baixar a guarda e verter no “papel” o que me vai na alma. Também eu tenho momentos em que preciso disso.
Temos duas empresas lá em casa. A da minha esposa é uma empresa turística (está tudo dito). A minha trabalha na área do desenvolvimento organizacional, consultoria de RH, coaching e eventos. Sou especialista em pessoas, nas suas emoções e na forma como pensam, e garanto que só isso me tem permitido dormir e aguentar tudo isto. Não considerem este meu desabafo uma sobranceria face ao sofrimento e loucura do que um médico, enfermeiro ou profissional de saúde enfrenta diariamente, mas também eu sofro, de outra forma, e isso é incontornável. Eu, como muitos outros empresários deste país, estamos a semanas de “secar”.
Entre a minha empresa e a da minha esposa, temos nas nossas mãos dez almas e, consequentemente, dez famílias, que dependem destas duas empresas para sobreviver. Desde o primeiro dia desta pandemia que a segurança delas foi a nossa prioridade: foi por isso que, duas semanas antes de o nosso Governo “mandar encerrar o país”, todos fomos para casa. Naquela altura parecia-me óbvio que precisávamos de fazer a nossa parte, de dar o litro e de dar condições ao Estado e aos profissionais de saúde para evitarem o pior. Demos o litro e parámos, com muito esforço e stress financeiro à mistura… mas parámos. A partir daí, tudo ficou num caos.
Caímos no erro de acreditar que o nosso Governo ia pelo menos tentar apoiar as empresas. Mas depressa percebemos que as medidas eram anunciadas, mas não implementadas; que os pagamentos eram prometidos e nunca cumpridos a tempo; que praticamente tudo era crédito (logo, estávamos a empurrar com a barriga); que as “janelas de medição” das medidas pareciam ser escolhidas a dedo para nos impedir o acesso aos apoios, ora porque no mês X até faturámos demais, ora porque no mês Y tivemos demasiadas “devoluções” a clientes, ora porque o período anunciado era um, mas depois era legislado outro… Só para conseguir acompanhar isto foram centenas de euros de consultoria e dezenas de horas perdidas a estudar medidas que, na sua maioria, não deram em nada. Isto, para já não falar de medidas como a linha de apoio à produção, anunciada também para o turismo (afinal era para apenas dois sectores do turismo), com 50% a fundo perdido (que afinal eram 30%), anunciada com estrondo em novembro mas só disponível para a pedirmos em janeiro, com período de validação de candidaturas que sabemos que não vai ser respeitado, como sempre… enfim, areia para os olhos, uma e outra vez, sem pudor nem vergonha.
Caímos também no erro de achar que iam realmente preparar-se para a segunda vaga… afinal, ela era comummente aceite, mais do que esperada. Cometemos o erro de programar os nossos eventos, atividades e marketing com esse cenário em mente, assumindo que as novas medidas, novas abordagens e novos processos de coordenação na saúde iriam ajudar-nos a ter o país minimamente funcional no outono e inverno… mais um erro. Nada do que preparámos e pensámos pôde acontecer, nada! E por isso tivemos que voltar à mesa de trabalho, retraçar planos e preparar novas batalhas, algo dificílimo quando estamos toldados pela frustração de nos termos sacrificado pelo coletivo sem que aqueles a quem pagamos para governar o país se ralassem um pingo que fosse com todos nós. Perdoem-me a crueza do desabafo, mas é o que sinto.
E por fim, cometemos o erro (caramba, como foi que caímos nesta também?!) de achar que, pelo menos para a terceira vaga, os nossos governantes teriam aprendido a lição… NÃO, NÃO APRENDERAM!!! E por isso estamos entregues aos bichos, como o meu sábio avô dizia! Com um confinamento assim-assim, com um Governo a cair de podre, a mentir aos portugueses, a mentir à Comunidade Europeia, a fazer de conta que está tudo bem e a assobiar para o lado, da sua torre de marfim com vista só para a Lua! Com pessoas a morrer, com uma triagem de guerra, com empresas completamente encalhadas, sem respostas e sem soluções, com polícias que não podem fazer nada a sério (todos podemos dizer que vamos à farmácia!)… se os nossos governantes mentem com quantos dentes têm na boca, porque havemos de dizer nós a verdade?
Ventilada a frustração, deixo uma inquietação no ar: quando as empresas falirem (porque assim vão falir, sem dúvida!), vamos gastar milhões com subsídios de desemprego. Se o dinheiro vai ser gasto (e vai!), porque carga de água é que não se ajudam já as nossas empresas? Já, de imediato, sem complicações e subterfúgios, sem processos de candidatura e aprovação draconianos? Porquê?
E já agora, porque é que a TAP recebe praticamente quatro mil milhões de euros, sendo declaradamente um buraco sem fundo, em vez de se ajudarem milhares de empresas com esse dinheiro? Há em Portugal uma maioria silenciosa de empresários que tudo fará para salvar as suas empresas e os postos de trabalho, que “darão a camisola” para salvar as famílias que deles dependem. A continuarmos assim, tudo será em vão. A este ritmo de infeções, assumindo que só em 2022 é que conseguimos estabilizar (pode ser que aprendam para a quarta vaga!…), teremos dado a nossa camisola em vão. Estúpida e evitavelmente em vão!
Estou exausto, cansado de lutar em cima de um tapete que não para de se mover. E não, não é a Covid: é o nosso Governo que nos puxa o tapete a seu belo prazer. Dançarei enquanto aguentar e vou ajudar os meus clientes a dançar, vou fazer tudo o que sei para salvar vidas, salvar famílias. Mas se tudo acabar, bem… se tudo acabar, acabou, e se isso acontecer posso dormir tranquilo, porque terei dado o litro, terei morrido de pé.
Façamos a nossa parte, cada um de nós. E rezemos (muuuuito) para que eles se dignem fazer a deles.