No quadro político-partidário atual torna-se necessário contribuir para a desmistificação do Chega, da capacidade que muitos lhe pensam assistir e também da sua real natureza. O desejo utópico de que sucumbisse ou fosse gradualmente reduzindo a sua popularidade na medida da qualidade das suas contribuições ou da inexequibilidade das suas propostas parece estar condenado e, como tal, exige-se que contribuamos para um debate de ideias esclarecedor, sem presunções de superioridade moral, aberto à dimensão crítica que toda a opinião deve ter, mas sobretudo capaz de desconstruir narrativas e argumentos demagógicos.

No plano mediático muitos tentam fazer crer que o Chega é um instrumento de degradação do regime democrático, mas esquecem que o partido é na verdade um sintoma do espetáculo indecoroso a que assistimos nos últimos anos exponenciado por uma insatisfação notória com o funcionamento das instituições e da democracia em Portugal. Mais, o partido de André Ventura crescerá tanto quanto maior for a insatisfação do eleitorado. É sabido que entrou na AR nas eleições de 2019, depois de um governo resultante de um arranjo político pioneiro. Aberta a caixa de Pandora com o braço dado a partidos extremistas eis que na primeira oportunidade chegam outros extremistas à AR. Não importa muito agora perceber se foi este quadro que potenciou o Chega, se a falta de capacidade na oposição direta aos governos do PS ou o descrédito da classe política minada por “casos e casinhos”, processos ou megaoperações. Em qualquer dos cenários, do protesto fez-se a terceira força política e com recurso aos mais ignóbeis instrumentos parece esta cada vez mais consolidar a sua posição. De facto, se é certo que a direita moderada não soube lidar com seu crescimento é igualmente verdade que o “(…) PS seguiu uma estratégia de confronto direto com o Chega ignorando o PSD e, portanto, contribuindo para a visibilidade e força política do Chega, por razões maquiavélicas no sentido de impedir que o PSD tivesse condições políticas (…)” [Intervenção de Sérgio Sousa Pinto] e, assim, o PS fez do Chega um ativo político próprio, mediatizando-o de forma infantil e irresponsável, julgando-se assim estratega e com um trunfo na rutura que decidiu cimentar com a direita moderada.

Como veremos adiante, o problema do Chega é o que ele representa, os perigos que dele brotam e a eventual consagração como um agente de instabilidade política e social. E sim, poderá ser um real perigo à democracia na forma como hoje a conhecemos. Se é facto que é um partido democraticamente eleito, também é real que fez de propostas inconstitucionais a sua bandeira. Se é verdade que lhe devem ser atribuídos os mesmos direitos em plenário, é igualmente real a coleção de episódios de transformação do hemiciclo em taberna com recurso às mais mundanas expressões e comportamentos. Qualquer partido goza do direito de definir a sua estratégia política e com ela se apresentar aos portugueses. O pior do partido de homem único é apresentar pilares estratégicos baseados no desrespeito por normas sociais e realidades humanas numa sociedade globalizada que se quer moderna, justa e aberta ao mundo.

Com engodo e engenho propõem soluções fáceis para problemas complexos e exploram os piores medos da sociedade. Agem de forma grosseira e abrupta com plena consciência do enorme contributo que dão para a polarização da política e da sociedade. Apostam num discurso demagógico e populista que aposta na amálgama, que mistura tudo e viceja na confusão. Evidentemente o fazem porque sabem que o populismo conquista votos à medida que excita paixões e põe em frenesim estonteante eleitores com fixações temáticas. Ao mesmo tempo que não esquece esta sua índole, o partido de André Ventura parece ter entendido a necessidade de captação de votos além do voto de protesto e assim encetou uma estratégia de aparente moderação alicerçada num leilão de propostas e promessas irrealizáveis para as quais não demonstra ter argumentos capazes limitando-se, assim, às típicas observações alarves, desonestas e demagógicas fugindo das questões de fundo e do debate sério, técnico e profissional. Mas se tudo isto não bastasse, fazem política com mentira e com isso vivem alegremente. O problema reside precisamente aqui, quando não é possível confiar no político, rapidamente se deixa de confiar na política. De facto, os demagogos e populistas são-no porque percebem que isso colhe frutos, mas ao contrário de muitos dos seus eleitores sabem que nada do que prometem é possível. Efetivamente, a dedicação a uma demagogia mais histérica é a confissão pública que este partido não tem a menor expectativa de exercer o poder nem mesmo o espírito para tal realidade. Na sua inexperiência e incessante desacato o partido de André Ventura demonstra uma total incapacidade. Seja pela falta de preparação, pela ausência de quadros, pela inexistência clara de uma estratégia de curto e longo prazo ou pela ausência de uma linha ética e moral digna e constante.

Impera que aqueles que lhe pensam atribuir votos e os que se mostram hesitantes reflitam com serenidade e entendam que a atribuição de voto a este partido será um contributo na condução de Portugal a uma realidade de instabilidade política e quase total polarização conforme se assiste noutras geografias. Será de igual modo fomentar a consolidação atual e futura do voto à esquerda num partido único capaz de se coligar a todos os intervenientes dessa área política para aguentar o poder. Em suma, a melhor forma de minar qualquer alternativa política moderada à direita do PS é votar neste partido [Chega]. A alternativa não reside em quem grita mais alto, mas em quem apresente com honestidade aos portugueses programa e propostas alternativas, exequíveis e com ímpeto de mudança.

Diz o povo que “onde a ignorância grita com arrogância, o silêncio ensina com elegância”. Os portugueses farão o seu juízo. Oxalá a democracia perdure eficaz no combate à demagogia, ao populismo e aos radicalismos venham eles de um lado ou de outro.

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