Quem é crente entende com bastante facilidade a ideia de que o Ser Humano é deliberadamente um ser pecador, que erra e acerta, que cai e levanta, que mente e fala a verdade e que é capaz de o fazer repetidas vezes ao longo da sua vida com ou sem arrependimento(s).

O que qualquer crente, ou melhor, o que qualquer “gente”, não é capaz de entender é como é que se erra, se procura corrigir o possível e o impossível, até porque muitos erros não têm correção material, e somente se “corrigem” pelo perdão e pela procura incansável da não repetição, e feita a sempre pouca mas possível justiça, se hipoteca numa conferência de imprensa e em meia dúzia de minutos o trabalho de largos meses e as duras dores de tantos que sofreram com os pecados e os crimes de outros, mas também daqueles que se compadecem e querem justiça.

Não se compreende como é que os bispos responsáveis da CEP, pedem a criação de uma Comissão Independente, e bem, fazem com que a Igreja dê o exemplo, o que não seria mais do que a sua obrigação, e que seja um catalisador não só para a sua purificação interna, mas também para outras instituições da sociedade, sim, porque os  abusos de qualquer gênero não são exclusivos da Igreja, e depois, permitam-me a imagética, os mesmos bispos pegam numa G3 e disparam desalmadamente contra si próprios em frente às câmaras e aos microfones da comunicação social.

Infelizmente, a questão não se prende só com falta de bom senso e boa comunicação, é mais sério e grave que isso, daí que brevemente elenque o que considero serem alguns pontos (existem muitos mais eu sei) incompreensíveis em todo este processo e que nos fazem sentir vergonha alheia quando ligamos a televisão:

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1) A começo, a própria eleição de Dom José Ornelas para presidente da CEP. Esta foi um verdadeiro desastre eclesial. Das duas uma: ou foi um erro de casting, e todos votaram naquele que achavam que não ia ser eleito, ou então foi uma tentativa de implementar o PREC (naquilo que de pior ele pode ter) na Igreja Católica Portuguesa. Sim, eu acredito que o atual presidente da CEP é partidário de uma agenda ideológica que gosta de “partir a cabaça” e depois deixar os cacos para os outros colarem. Isso é notório desde a primeira entrevista que deu após a sua eleição, à forma como falou na última conferência de imprensa sobre as medidas após o Relatório.

2)   A CEP tem, desde que me lembro, um enorme problema de comunicação. É impossível que ninguém, entre duas dezenas de bispos, não tenha já percebido a incapacidade do porta-voz da CEP para a função que ocupa. A mediocridade das suas intervenções são assustadoras. Mas sinceramente, depois desta última semana, não me espanta, pois, a mediocridade das intervenções dos prelados responsáveis da CEP é igualmente pavorosa.

Foi anunciada a escolha de alguém para ajudar a CEP na comunicação – ótima notícia – só que pelos vistos não. A escolha recaiu sobre a responsável da comunicação da diocese de Setúbal de onde era “originário” Dom Ornelas, portanto, escolher santos da casa é mesmo estar a pedir para que não hajam milagres.

3) Só não vê quem não quer, que muitos prelados portugueses têm uma enorme falta de visão eclesial, pastoral e mesmo social. Limitam-se a repetir frases do Papa Francisco, a fazer programas pastorais de manutenção e a ter um enorme medo de tomar decisões de rutura, com uma lógica de pensar cimentada nos anos setenta, desprezando tanto as novas gerações e aquilo que de fresco estas poderiam trazer, como as gerações anteriores à sua e a Tradição que delas provém. A Doutrina é mutável e a Igreja é uma espécie de ONG. Resultado: temos uma Igreja em “cuidados paliativos”;

4) Os bispos mais jovens e que poderiam ter sido fator de mudança, já estão integrados no sistema. Não trazem a ideologia dos anos setenta, mas trazem a falta de coragem própria dos dias de hoje;

5) Os “bons”, sim, porque também os há, ou morrem, como recentemente o saudoso Dom Daniel ou o afetuoso e determinado, Dom António Francisco; ou estão idosos e sem forças, como o “clarividente de ideias” – o Auxiliar do Porto – Dom Pio; ou chumbaram na cadeira (inexistente) de comunicação, como o senhor Dom Manuel Clemente ou o senhor Dom Manuel Linda. Sendo estes últimos uns dos em concreto tomam medidas claras nas suas dioceses, contudo, como me parece, o primeiro está desgastado e abatido pelos escândalos, o segundo nunca devia ter criado conta no Twiter. Ambos estão fragilizados na opinião pública, o que é uma pena.

Tanto mais haveria para dizer, mas penso que estes 5 pontos resumem na minha ótica, o problema base, repito, o problema base. Pois a falta de toda e qualquer razoabilidade e bom senso numa das mais dramáticas frentes da Igreja, os Abusos dos mais frágeis, só se explica assim: naquela “casa” ninguém se entende, a formação e as bases evangélicas e eclesiais são medíocres e dificilmente se pode ajudar quem não quer ser ajudado. Muitos dos nossos prelados falam (agora com mais vergonha) do seu alto pedestal, sem terem reparado que estão a colar púlpitos de pedra com cola de papel.

É legitimo que me pergunteis – mas ninguém se “salva” em duas dezenas de bispos? Sim “salvam”, mas para isso o melhor mesmo é construir uma Arca como Noé, pois estes últimos dias são um verdadeiro dilúvio de mediocridade.

Admito que fico triste quando vejo que em duas dezenas de bispos só me ocorrem uns três ou quatro nomes. Sim, fora daquele esquema de (des)governo, e porque, o ser “boa pessoa” não chega, apenas vejo, e é somente a minha visão, homens como Dom Nuno Braz, bispo do Funchal, Dom Francisco Senra Coelho, Arcebispo de Évora, Dom António Augusto, bispo de Vila Real, Dom José Traquina, bispo de Santarém ou Dom Rui Valério, bispo das Forças Armadas, a serem capazes de restaurar a “honra do convento”! Uns audazes, outros prudentes, outros homens de escuta, mas estes são, na minha opinião de “leigo” batizado, aqueles que têm as condições para serem os homens para o momento que vivemos.

Portanto, sobra-nos fazer como no dilúvio e como Noé. Se a hierarquia ainda é, e por vontade de Deus, a nossa Arca, então que tomem parte nela aqueles que justamente podem voltar a dar crédito a um trabalho que merecia muito mais, mas muito, muito mais, da parte da cúpula da CEP.

Dom Ornelas até pode ter tido boa vontade, mas como disse, isso não chega. Como disse a outros propósitos, numa entrevista, o padre Duarte da Cunha – “Nós somos pessoas chamadas a ir ao encontro da realidade, não a manipular a realidade”. Neste momento não tenho dúvidas, a realidade é esta: a mediocridade não serve nem para evangelizar nem para governar e por isso é hora de dar lugar a quem, pelo menos, ainda não deu provas de não saber fazer o contrário.