Esta campanha eleitoral que se aproxima do fim, tem sido muito interessante para os analistas políticos e, imagino, para os actores no terreno e respectivos estrategas. Mas, para além da montanha-russa de emoções, jogadas tácticas, primado da opinião não especializada disfarçada de comentário independente e uma, pelo para mim, surpresa pela indefinição até ao final, tem sido igual a tantas outras que tivemos no passado.  Na verdade, e de acordo com a minha expectativa, não se debateram alguns dos temas que estarão em cima da mesa quando houver solução capaz de governar. É talvez uma inevitabilidade nas democracias actuais, com múltiplos veículos de discussão e difusão de opinião e uma opinião pública muito alheada dos temas fundamentais que, espero, sobressaltarão quem sair vitorioso dia 30. Ou não, e daqui a algum tempo enfrentaremos questões ainda mais difíceis de solucionar.

Na área económica, à qual presto atenção acrescida por razões profissionais, a campanha e mesmo as semanas que a precederam tiveram a vantagem de colocar os portugueses mais atentos a duas questões obviamente relevantes, mas que têm andado historicamente arredadas do debate das políticas públicas. Claro que, mesmo assim, discutiu-se mais política que, propriamente, políticas, mas debateu-se a importância do crescimento económico, o relativo mau desempenho do país neste século (apenas à frente de Itália) e a consequência que tal tem tido sobre os salários. Pode parecer pouco relevante, mas pela primeira vez parece ter-se tornado consensual que a melhoria das condições de vida dos portugueses, sobretudo dos que se encontram nos escalões de rendimento mais baixos, não se resolve por decreto ou por simples enunciar de vontades. Quanto menos produtivos formos, menos actividade mantermos e atraímos, mais portugueses qualificados emigram e pior serão as condições de vida dos que restam.  Para já não falar das condições a prazo, seja na segurança social, nos cuidados de saúde ou mesmo na enorme dificuldade que vamos ter colectivamente para prestar cuidados adequados nas idades mais avançadas a uma população cada vez mais sénior.  O crescimento não resolve todos os nossos problemas do presente e do futuro, mas sem ele, não vislumbro solução aceitável. Centrarmo-nos nesta questão e, finalmente, avançar no sentido correcto, é um avanço. Ainda é pouco, mas é um passo no sentido certo.

Se o foco no crescimento económico é um resultado positivo do debate público, há outros temas, igualmente importantes, que não mereceram a devida atenção, mas que não desaparecerão se os ignorarmos.  Em primeiro lugar, a questão europeia e a discussão em curso sobre a proposta da Comissão relativamente à alteração da governança da União e da União Monetária.  Trata-se de um debate essencial para o futuro de uma economia periférica e endividada como a nossa, mas que ninguém decidiu trazer para o debate político ou sequer esclarecer como o vê, que riscos identifica ou que propostas pretende fazer chegar ao Conselho Europeu.  Os portugueses continuam a ver a UE como fonte de financiamento, animam-se com o PRR ou o Portugal 2030 e pouco mais.  Seremos as principais vítimas da nossa omissão neste debate, pelo que poderemos perder e pelo que deixaremos de ganhar.

Também o que fazer em termos de ajustamento orçamental merecia uma análise mais concreta e profunda, agora que os portugueses estão momentaneamente mais atentos: como racionalizar a despesa pública, após seis anos de asfixia do financiamento das operações da Administração Central e do investimento público.  Os estrangulamentos são visíveis em todo o lado, mas especialmente na área pública do sistema de saúde e na educação básica e secundária, duas áreas essenciais no presente e no futuro. Aliás, uma das singularidades desta campanha é a ausência do debate sobre a educação—excepção feita à proposta do cheque educação, um “remake” de algumas discussões de há 30 anos. O que está em causa não é apenas o financiamento, é a autonomia de gestão, o modo como as decisões são tomadas, a sua racionalidade e como integrar as novidades possíveis com a transição digital.

Acresce ainda que pouco se ouviu sobre as consequências actuais da transição energética, algo que já impacta sobre muitas das nossas empresas e não apenas pela alta do preço do gás na Europa. Estando de acordo sobre os objetivos prosseguidos e a sua inevitabilidade e urgência, não tenho dúvidas de que, nomeadamente no plano europeu, os agentes políticos não têm sido suficientemente claros sobre a dimensão dos custos de ajustamento, hoje e no futuro. Por outro lado, é estranho que situação e oposição não evidenciem grande reação aos avisos desesperados de setores como a siderurgia ou a cerâmica e o vidro, onde a conjuntura desfavorável parece ter antecipado alguns erros de cálculo relativos à proximidade temporal e dimensão dos custos de transformação.  O mau planeamento da transição, partindo de uma situação de dependência do gás russo ou de abandono precoce da solução nuclear, como se passa na Alemanha, correm o risco de gerar mais custos em termos de emprego, destruição de capital e disrupção no fornecimento de materiais intermédios, do que os necessários para a realização da transformação da produção energética na Europa. E se estes custos se converterem em descontentamento em escala relevante, podem colocar entraves ainda maiores às mudanças que têm de ser feitas.  Não nos podemos esquecer que se trata de custos no presente para originar benefícios no futuro, e que a adesão popular é essencial.  O próximo governo terá de enfrentar este problema e é pena que não tenhamos discutido em tempo as alternativas.

Finalmente, o elefante na sala. A disrupção dos circuitos logísticos internacionais, a baixa na produção de várias matérias-primas, os estrangulamentos no transporte marítimo e a subida dos preços da energia levaram a uma pressão para o movimento ascendente de muitos preços de bens e serviços finais, com expressão variada nos países desenvolvidos. Persistem ainda dúvidas sobre o caráter temporário ou permanente desta subida de preços, mas a duração da subida vai-se prolongando e neste momento não há fim à vista. A perda de poder de compra que implica tenderá a refletir-se em aumentos salariais e, nessa altura, a possibilidade de um fenómeno temporário e facilmente controlável, reduzir-se-á consideravelmente, como já referi noutro artigo. Independentemente das proclamações actuais do BCE, quando a alteração do regime da política monetária mudar, provavelmente nos próximos 2 anos, algumas variáveis fundamentais em que assentam os programas eleitorais deixarão de ter qualquer aderência à realidade. Percebo, que não se queira tratar agora algo que destrói as “narrativas” em concurso, mas dia 31 o problema não terá desaparecido.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR