Hoje a Comissão Europeia decidiu não propor a suspensão de fundos a Portugal. Foi uma decisão consensual e que eu defendi, pelas mesmas razões que sempre defendi que não deveria ser imposta uma multa a Portugal. Vale a pena recordar porquê.

O pacto de estabilidade e crescimento existe porque estamos integrados numa União Económica e Monetária (UEM). O facto de partilharmos a mesma moeda e a mesma política monetária, e, além disso, estarmos a construir um mercado interno em que pessoas, bens, serviços e capitais se movem livremente, implica regras comuns em matéria orçamental. O comportamento de um Estado tem impacto em todos os outros e o cumprimento das regras para o bem comum é uma forma de solidariedade. Não me canso de afirmar que a chave para o crescimento assenta no triângulo virtuoso composto por investimento, consolidação orçamental e reformas estruturais. Temos que cumprir as regras, não porque estas nos são impostas por “Bruxelas”, mas porque de forma livre e consciente o Estado Português decidiu aderir a um espaço de regras comuns que se aplicam a todos da mesma forma.

Mas as regras não são de aplicação mecânica ou automática. Se é certo que a Comissão é obrigada de apresentar propostas de punição aos países em incumprimento, não é menos verdade que a aplicação das regras deve sempre ser feita atendendo à sua razão de ser, ou ao fim prosseguido. Se queremos fazer uma avaliação justa, não podemos analisar apenas um ano, mas sim todo um percurso: de 2010 em que o défice era superior a 11% a este ano em que estará abaixo dos 3%. As contas públicas têm-se vindo a consolidar consistentemente, e, não o esqueçamos, com grandes sacrifícios para o povo português. Aplicar uma multa, e suspender fundos, precisamente quando um país está prosseguir o fim para o qual as regras foram concebidas – a correção do défice excessivo – seria incompreensível.

Os serviços da Comissão não avaliam estes assuntos com ligeireza. Estudam-nos aprofundadamente e debatem-nos internamente. Consultam os Estados Membros que estão a ser objeto de um processo de défice excessivo. Na questão da suspensão dos fundos a Comissão estava mesmo obrigada a um diálogo com o Parlamento Europeu, que de resto se pronunciou contra a suspensão. Assim se compreende que os processos decisórios da Comissão sejam, por vezes, lentos, sobretudo quando estão em causa questões desta importância. Por outro lado, há que dizê-lo, algumas vezes são também mal explicados, dando azo a um certo ruído na comunicação social que eu sempre me recusei alimentar.

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Hoje, tal como em Julho passado quando a Comissão propôs que não fosse imposta uma multa, as regras não foram aplicadas a Portugal de forma cega. A Comissão não se comportou como um autómato. Foi uma decisão política. Assumidamente política. E eu também tentei fugir à profecia de Agostinho da Silva quando afirmava que há “hoje quem esteja plenamente convencido de que nasceu mais engenheiro do que homem; como se já estivéssemos naquele tempo de pesadelo em que se fabricariam homens-máquinas”.

Sinto uma enorme satisfação em ser membro de uma Comissão Europeia que soube aplicar as regras de forma inteligente e que, acima de tudo, reconheceu o enorme esforço feito pelos portugueses. Sinto ter dado o meu modesto contributo para a decisão hoje tomada que contou sempre com o apoio incondicional do Presidente Juncker.

O Governo português saberá, assim o espero, manter a trajetória de consolidação das finanças públicas a que se comprometeu. A Comissão Europeia continuará também apoiar a dinamização do investimento, nomeadamente através do Plano Juncker, o qual também tem sido aproveitado por Portugal. A Comissão europeia quer ajudar a economia a crescer, tornar o país mais competitivo e contribuir para o bem-estar dos nossos cidadãos – que é, afinal de contas, o propósito último de todo o nosso trabalho.

Membro da Comissão Europeia responsável pela investigação, ciência e inovação