O primeiro-ministro convidou António Costa Silva, Presidente Executivo da Partex, para gizar o plano de recuperação económica do país. Obviamente, Portugal foi apanhado de surpresa. Não por António Costa convidar alguém de fora para tratar, na sombra, de um tema sensível da responsabilidade do Governo, isso já é costume. O que surpreende é esse alguém não ser do seu grupo de amigos, nem familiar de ninguém do PS. O facto de os dois não se conhecerem pessoalmente leva-me a assumir que Costa Silva foi convocado mesmo pela sua competência. O que, convenhamos, é de desconfiar.

As reacções foram imediatas e violentas. Uma deputada do PSD reagiu assim: “Como o Governo não tem noção do que é um Governo, do que é o sentido de Estado, do que é um Governo eleito, acha que tudo vale e qualquer um pode vir anunciar o que quiser, quando quiser, substituir quem quiser. A falta de consciência da importância das regras e de algum formalismo democrático é flagrante na forma de agir, de falar e até na forma de se fazer substituir”.

Outro deputado do PSD disse que a acção de Costa Silva “não cabe e não é aceitável num Estado de Direito [e] passa ao lado de todo e qualquer controlo democrático”. Interrogou-se em seguida “como é que alguém que exerce funções em instituições privadas, que não foi sufragado nem directa nem indirectamente pelos portugueses, pode ficar à frente de um processo (…) que mexe com toda a estrutura económica do país e põe em causa o futuro dos portugueses?”

Estou a brincar! É galhofa! Essas reacções não são do PSD a Costa Silva, nem são de agora. São de deputados do PS a António Borges, em 2012. António Borges, recorde-se, foi consultor do Governo de Passos Coelho para as privatizações. Na altura, o PS considerou um escândalo. Pelos vistos, trazer alguém de fora para fazer dinheiro é reprovável; se for para gastar dinheiro, passa a ser aceitável. O que é estranho, porque o trabalho nem é assim tão diferente, está só a montante: Costa Silva vai ajudar a recuperar empresas públicas que, um dia mais tarde, serão privatizadas.

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Na sua primeira entrevista desde o anúncio, Costa Silva explicou as linhas gerais do seu plano. Tendo em conta os recursos financeiros existentes, pretende apostar na renovação das infraestruturas do país, tais como a rede viária, os portos, a rede eléctrica, os recursos de água; acelerar a transição digital nas Escolas, na Administração Pública e nas PME; reforçar o investimento no SNS; tratar da reconversão industrial e da transição energética.

Ou seja, administrar bem. No fundo, o primeiro-ministro trouxe alguém de fora do Governo para governar. O que significa que António Costa não está a fazer o trabalho para que foi eleito – uma novidade em relação ao primeiro mandato, em que Costa fez o trabalho para que não foi eleito.

É uma espécie de remodelação, só que em vez de trocar os ministros velhos por ministros novos, Costa guarda-os numa arrecadação e substitui-os a todos por um faz-tudo. António Costa Silva é uma espécie de canivete suíço do primeiro-ministro. Se o Conselho de Ministros fosse um restaurante, o que António Costa fez foi o equivalente a olhar para o menu, torcer o nariz e mandar vir qualquer coisa da Glovo. Mais do que paraministro, António Costa Silva é um Uber ministro.

Costa Silva vai delinear o programa de investimentos onde vão ser aplicados os 45 mil milhões de euros da União Europeia. Como qualquer novo rico, o PM tem muito dinheiro, mas não tem bom gosto. Daí ter arranjado um personal shopper para lhe indicar onde é que deve gastá-lo. Podia ter pedido a opinião de algum dos seus Ministros, mas, conhecendo a qualidade média dos membros do seu Governo, percebe-se que António Costa tenha querido retirar-lhes poder nesta altura. Sabe-se lá o que fariam com dinheiro vivo nas mãos. Apropriadamente, o primeiro-ministro optou por uma eminência parda para evitar a iminência parva.