No país desta história a legislação obrigava ao cumprimento de variadíssimas regras, com o propósito de proteger os direitos de todos os atores envolvidos, incluindo a concorrência, como ainda evitar desvios de dinheiros públicos, a corrupção e o compadrio entre pessoas e grupos.

Nesse país havia autoridades que fiscalizavam, pesquisavam e mesmo julgavam aqueles que fossem infratores, e, pelo menos em teoria, eram o garante da legalidade e da transparência, devendo estar atentos aos fenómenos de corrupção.

Essas autoridades eram pouco eficazes e ou deixavam fugir, nomeadamente os mais poderosos, ao seu escrutino ou eram de uma lentidão olímpica tal que na maioria dos casos os processos prescreviam e os infratores passavam impunes.

Alguma comunicação social tentava, através do seu bom relacionamento com as autoridades policiais, chamar a atenção para alguns casos com manchetes em alguns jornais e em outros meios da comunicação social, o que era para os visados muito desagradável. De repente, vendo-se confrontados com notícias de ilegalidades e irregularidades cometidas antes, logo reclamavam a sua inocência ou a sua falta de memória.

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Mas como a memória era muito curta e a justiça era muitíssimo lenta, os casos sucediam-se uns aos outros e os últimos acabavam por abafar os anteriores, vivendo os infratores sem problemas de maior.

O Chefe do Governo, perante dezenas de casos que estavam a ferir a imagem e credibilidade do Governo, chega a impor que os potenciais candidatos a cargos de alta responsabilidade, e que naturalmente mexiam com dinheiros e ou interesses públicos, se obrigassem eles próprios a submeter a rigoroso inquérito sobre se no passado teriam cometido algumas irregularidades, que à luz da perceção atual pudesse ser considerada ilegal ou pouco ética

Estariam fora deste escrutínio o próprio Chefe e todos os seus colaboradores próximos, no Governo ou fora dele, colocando-se acima de qualquer suspeita relativa ao seu passado, pois assumia-se que estes eram cidadãos exemplares e tinham toda a confiança do seu insuspeito Chefe.

Nesse país, como em qualquer outro de âmbito democrático, havia Ministros, Secretários de Estado, altos responsáveis da Administração, bem como Presidentes e Vereadores das muitas câmaras que o compunham, assim como Presidentes de Freguesia e Deputados Nacionais, Concelhios e de Assembleia de Freguesia.

Todos, como os restantes cidadãos, estariam sob controle das autoridades, convenhamos, mais os cidadãos que a chamada classe política. Alguns caiam nas malhas da justiça mas excecionalmente eram acusados.

O cumprir regras de transparência e rigor era uma situação um bocado complicada, pois demorava-se muito tempo, teria que se expor a várias camadas do poder a análise das propostas e muitas vezes perdia-se aquela oportunidade de fazer figura, nomeadamente próximo de eleições, ou, mais grave, poderia algum órgão superior dizer não e tudo voltava atrás.

Acontecia mesmo aqueles que se sentiam preteridos nos seus interesses e afastados nos concursos públicos reclamarem e era horrível ter que ouvir as suas queixas, dúvidas, ou ameaças de recorrer aos tribunais e acabar por ter de repetir todo o procedimento

Alguém teve então um rasgo de luminosa inteligência e descobriu a solução.

No mais importante município daquele país, o responsável máximo, com o seu encarregado financeiro, depois de consultar algumas pessoas muito próximas diz EURECA, eis a solução:

“Criamos uma associação privada, sem fins lucrativos dedicada a uma tarefa sem mácula, por isso, longe de qualquer fiscalização, do Estado Central e dos órgãos do dito município, o mais importante daquele país.

Para se ter o seu completo controle e evitarmos problemas com outros interesses da dita associação, a câmara assume por direito estatutário a presidência da associação, através do Presidente da Câmara, transformando-se no seu chairman e ceo.”

Entretanto o diretor geral da Associação, antes um dos vereadores do município afeto politicamente e pessoalmente à maioria dessa Câmara, já tinha sido nomeado como Diretor Geral Vitalício e sua esposa Sub Diretora-Geral.

Com todo este puzzle passavam a não estarem sujeitos a controle e a governar sem problemas. E se pensaram, melhor o fizeram e durante catorze anos foi possível àqueles responsáveis, com mais alguns fiéis, levar acabo tudo o que quiseram sem nenhum controle de autoridade administrativa ou autárquica com a quase ausência de registo nas contas.

Qual Código da Contratação Pública, quais concursos públicos internacionais ou apenas nacionais, ou visto prévio do Tribunal de Contas. Tudo passou a ser fácil; apenas ajustes diretíssimos e o dinheiro circulava sem qualquer entrave ou obstáculo, as obras faziam-se e todos ficavam felizes.

Mas, segundo reza a lenda, isto não era segredo para ninguém com poderes para pôr cobro a este engenhoso processo, nem o Tribunal de Contas, Ministério Público, Polícia de Investigação Criminal desse país, nem do próprio Presidente da República.

Nesses catorze anos, transferiram da câmara a que presidiam, para o controle da associação de que eram presidentes executivos, mais de mil milhões de euros em património municipal, que passou a ser gerido pela sua associação.

Porque era urgente fazer obra sem aquelas maçadas da transparência, dos procedimentos administrativos e políticos, fiscalização prévia ou fiscalização posterior.

Transferia-se o dinheiro para a associação e esta, completamente fora do seu “core business”, responsabilizava-se por múltiplas obras naquela capital em valor muito superior a muitas centenas de milhões de euros.

Os dois que sucederam um ao outro na presidência da dita capital do tal país existente algures ou só na minha doentia imaginação, com arte e engenho chegaram ao topo da sua nação, onde, segundo as últimas informações, ainda continuam.