O ano de 2020 chegou ao fim, e com ele completou-se um quinto do século XXI, sendo que neste período, desde o ano 2000, a média da taxa de crescimento real do PIB português foi de 0,3 %.

Trata-se um número passível de ser qualificado como anémico, principalmente quando comparado com os 3,72% dos últimos 25 anos do Século XX (1976-2000).

Numa análise comparada com os países europeus, verifica-se que a economia portuguesa é a que tem crescido mais lentamente. Os portugueses viram o seu nível de vida baixar em termos relativos. Com efeito, o PIB per capita em Paridade de Poder de Compra (PP)C correspondia em 2017 a 54% da média da UE14, cerca de 10 pontos percentuais abaixo do nível atingido em 2000 e abaixo dos 55% observados em 1988. De entre os “países da convergência” das décadas de 1980 e 1990, só a Grécia apresenta pior desempenho (-13 p.p.), enquanto a Espanha está ligeiramente melhor (+1,8 p.p.) e a Irlanda teve um desempenho espectacular (+46 p.p.).

É verdade que os primeiros vinte anos, deste século, são marcados pelos mais diversos acontecimentos económicos, designadamente a queda Lehman Brothers, a crise das dívidas soberanas, a pandemia Covid-19, a guerra na Ucrânia apenas para destacar as mais marcantes.

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No entanto e apesar destes acontecimentos serem de caracter global, também é verdade que as restantes economias mundiais, designadamente as europeias, também foram afectadas, mas em mais nenhum país europeu o crescimento económico foi tão reduzido.

Um outro facto, digno de realce, é prende-se com que neste mesmo período, o saldo das transferências públicas com a União Europeia atingiu um saldo favorável 50,5 mil milhões de euros. Ou seja, Portugal apesar de recebido um valor médio anual de 2,5 mil milhões de euros, a economia manteve-se completamente estagnada.

Motivos e explicações

São muitas as explicações apresentadas, pelos mais prestigiados economistas nacionais, que procuram encontrar os motivos para este fenómeno “fora da caixa”, as quais vão desde a adesão à União Económica e Monetária (UEM), com todas as implicações associadas, a baixa produtividade das empresas portuguesas, a baixa qualificação da mão-de-obra, a falta de competitividade internacional, a pesada dívida pública que condiciona os investimentos, a necessidade de disciplina orçamental e até mesmo, isto só para citar alguns.

No que se refere à adesão à UEM, os professores de economia da Universidade do Minho, Luis Aguiar-Conraria e Fernando Alexandre, refutam claramente esta explicação e argumentando que pelos “…resultados encontrados não se deve concluir que a melhor forma de Portugal recuperar taxas de crescimento mais elevadas e a convergência seja abandonar o euro, nem mesmo que Portugal não devia ter participado na UEM. Apenas se deve concluir que a economia portuguesa teve dificuldades em ajustar-se ao novo regime económico. Essas dificuldades podem ter resultado, em parte, de choques externos – como sejam a concorrência dos países emergentes ou a crescente volatilidade dos preços internacionais de petróleo –, mas também de erros de política económica, como sejam uma política salarial que prejudicou a competitividade da economia e uma política orçamental pró-cíclica. Avaliar se o euro constituiu uma restrição ao crescimento da economia portuguesa é uma condição necessária para identificar as políticas económicas adequadas ao novo regime económico e que permitam promover o crescimento da economia”.

Para além do referido é importante ter em consideração que a adesão à UEM representou uma mudança de regime económico para a economia portuguesa. Os documentos preparados pelo governo português para sustentar a participação nas três fases da construção da UEM demonstravam a existência de expectativas muito favoráveis em relação aos efeitos que a mudança no regime económico iria trazer para o desenvolvimento da economia portuguesa, no sentido de convergir o rendimento per capita para o nível de rendimento dos países mais ricos da UE. No entanto, a adesão ao euro coincidiu com o início de um período de quase estagnação e de divergência, que permaneceu até à actualidade, tal como é referido anteriormente.

Em 2019, os economistas da Universidade do Minho, Francisco Veiga e Fernando Alexandre, apontaram quatro factores como sendo determinantes e de primordial para o crescimento económico:

  1. Qualidade das instituições e governança;
  2. Progresso tecnológico;
  3. Investimento;
  4. Educação e formação.

Outras explicações apontam, como causa para a estagnação da economia portuguesa, como o papel do aumento da concorrência internacional na sequência da integração dos países do Centro e Leste da Europa na União Europeia, no seguimento da queda do muro de Berlim, da desintegração da União Soviética, e da entrada da China na Organização Mundial de Comércio. Outras análises têm destacado as fragilidades estruturais ao nível do capital humano e a rigidez nos mercados de trabalho e no mercado de bens e serviços.

Mas as eventuais explicações não têm apenas origem nos técnicos, também partidos políticos, movimentos civis, sociólogos, entre outros, vão tentando justificando a estagnação económica com a necessidade de reformas na administração pública, do sistema judicial, da educação, a crise demográfica, a corrupção, a inexistência de fortes instituições na sociedade civil, a falta de ambição nacional, ou seja, há explicações de todo o género e feitio, mesmo que muitas vezes se confunda a causa com a com a consequência.

Independentemente das explicações ou da incapacidade dos sucessivos governos em aplicação políticas fiscais e económicas que possam combater esta estagnação, o que parece ser verdade, é que foi lançada uma “maldição” sobre Portugal, e da qual a fuga aparente ser cada vez mais impossível.

Maldição dos Recursos

Uma consulta à história da economia revela a existência de situações que aparentam ter contornos com algumas semelhanças. Em que países com recursos relativamente abundantes também parecem ter caído em armadilhas de desenvolvimento económico.

Diversos historiadores da economia referem a “maldição dos recursos” (também conhecida como o paradoxo da abundância) relativamente ao fracasso de muitos países ricos em recursos em beneficiarem plenamente da sua riqueza e aos governos desses países em responder efectivamente às necessidades de bem-estar público.

Isto significa que de se poder esperar melhores resultados de desenvolvimento, depois que os países descobrirem os recursos naturais, estes países tendem a ter taxas mais altas de conflito e autoritarismo e taxas mais baixas de estabilidade económica e crescimento económico a médio e longo prazo.

Um caso particular, talvez o mais famoso, é o da “doença holandesa” – Dutch Desease no original – que foi definido pela revista The Economist em 1977, quando analisou a crise ocorrida na Holanda após a descoberta de vastos depósitos de gás natural no Mar do Norte em 1959. Neste caso, a riqueza recém-descoberta e as exportações maciças de petróleo fizeram com que o valor do florim holandês a aumentasse acentuadamente, tornando as exportações holandesas de todos os produtos não petrolíferos menos competitivas no mercado mundial. Caso semelhante deu-se no Reino Unido, na década de 1970, em que a “doença holandesa” atingiu a Grã-Bretanha quando o preço do petróleo quadruplicou, tornando economicamente viável a exploração de petróleo no Mar do Norte.

Há quem possa argumentar que esta não seja a melhor explicação para o caso português, visto não existir qualquer género de recurso natural com dimensões semelhantes, mas os professores João Andrade e António Portugal Duarte, da Universidade de Coimbra, num artigo científico publicado em 2013 concluem noutro sentido (The Dutch Disease in the Portuguese Economy).

Por outro lado, um olhar crítico é capaz de verificar alguns padrões dignos de análise na economia portuguesa, designadamente a existência de avultados investimentos de carácter, mais ou menos, públicos ou de interesse público, simultaneamente sem que haja ainda a respectiva geração de receita financeira. Ou seja, o equivalente ao período antes da entrada de produção (os projectos de petrolíferos implicam que o retorno financeiro apenas surja passados alguns anos após o seu início).

Ora isto, afigura-se como algo mais próximo com ocorrido nos últimos vinte anos em Portugal. Anos caracterizados por avultados investimentos públicos ou em grandes projectos de “interesse nacional”, em que a direcção e selecção foi efectuada pelo Estado. Salvo com raras excepções estes massivos projectos caracterizaram-se pelo centralismo de decisão económica, quase numa lógica de economia planeada, e dos quais não resultaram grandes retornos financeiros ao que se associou a existência de custos permanentes de manutenção.

Um dos principais exemplos prende-se com os investimentos em infra-estruturas públicas, de onde se destacam as auto-estradas com utilização limitada, os estádios do Euro 2004, as infra-estruturas municipais (ex. as famigeradas rotundas que são o seu símbolo máximo), investimentos em sectores da economia não reprodutiva (o falhanço parcial da política de clusters), entre muitos outros.

Mas nem tudo pode ser considerado como negativo, há bons exemplos, como são os casos do Alqueva e as apostas em algumas indústrias, de onde se realçam os sectores do calçado e do vestuário, estes últimos, fruto da responsabilidade das empresas e das respectivas associações empresariais.

Futuro e caminhos

Neste momento encontra-se previsto que até ao ano de 2026, o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) de Portugal tenha um valor de execução de 16,6 mil milhões de euros, nos quais 13,9 mil milhões de euros serão em subvenções e 2,7 mil milhões de euros em empréstimos. Igualmente, programa Portugal 2030, que materializa o Acordo de Parceria a estabelecer entre Portugal e a Comissão Europeia, fixando os grandes objectivos estratégicos para aplicação, entre 2021 e 2027, do montante global de 24.182 M€, do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER), do Fundo Social Europeu + (FSE+), do Fundo de Coesão, do Fundo de Transição Justa (FTJ) e do Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos, das Pescas e da Aquicultura (FEAMPA).

Isto significa que até 2027 e em apenas 7 anos, Portugal irá receber quase 41 mil milhões de euros vindos da União Europeia, quase tanto como o montante recebido nos primeiros vinte anos do seculo XXI. Trata-se de um valor estratosférico para uma economia da dimensão da economia portuguesa.

Entretanto, o conflito armado na Ucrânia criou um quadro económico, social e geopolítico de imprevisibilidade na Europa e consequentemente em Portugal e colocando importantes desafios de longo prazo para prolongar à aproximação aos níveis de rendimento europeus, no contexto de transição digital e climática.

A instabilidade geopolítica implica que a magnitude do impacto económico do conflito é incerta, tendo sempre como vector principal a energia, principalmente ao nível do gás natural, envolvendo o risco de materialização de cenários mais adversos. As respostas de política económica nacional e europeia são cruciais na mitigação do impacto macroeconómico do choque e para assegurar a manutenção de um crescimento sustentado. Entretanto as perspectivas para o crescimento da economia portuguesa no período 2022-24 têm sido progressivamente revistas em baixa e a inflação será substancialmente mais elevada.

A execução, dos projectos associados ao PRR, terá um impacto importante nas projecções, pelo que a dimensão do estímulo financeiro e os prazos de execução, deste plano e dos restantes associados, constituem desafios importantes à sua implementação. É, assim, crucial que Portugal revele capacidade para absorver os recursos disponíveis e que estes se materializem num aumento permanente da capacidade produtiva e consequentemente do PIB.

Os desafios de longo prazo, da economia portuguesa, passarão por conseguir aumentar a qualidade das instituições e governança, promovendo o investimento nos sectores económicos passiveis de serem mais competitivos, associados à investigação e desenvolvimento tecnológico, sabendo que as qualificações da mão-de-obra e a produtividade, são fundamentais nesse caminho.

Portugal encontra-se numa encruzilhada que definirá o caminho do país para os próximos 20 anos, sendo de particular importância evitar os erros do passado e impedir que a economia portuguesa se mantenha anémica durante mais um longo período de tempo.

É assim fundamental travar a transformação da economia portuguesa numa economia subsidiada da União Europeia, vivendo consistentemente e constantemente da generosidade dos países mais ricos e produtivos do centro da Europa.

Em relação à questão, se o PRR responde aos desafios e às questões colocadas, talvez valerá apenas referir que a grande maioria do investimento será dirigido e centralizado no Estado, ficando as empresas com uma parte reduzida dos apoios. Isto poderá significar que muito provavelmente se irão repetir os erros do passado. No entanto, a resposta definitiva deixarei à consideração do leitor, sabendo que deverá ser alvo de análise noutro momento.