Em 31 de Março de 2022, o Presidente dos Estados Unidos da América assinou uma lei especial, designada por Defense Production Act (DPA) Title III, com o objectivo de fortalecer a base industrial dos EUA. Com esta acção, o Presidente deu, ao Departamento de Defesa, autoridade para incentivar a produção nacional de minerais críticos usados no fabrico de baterias estacionárias de grande capacidade e em veículos eléctricos.

Esta lei especial, já foi usada por várias vezes, sempre relacionada com situações de crise nacional, tendo sido adoptada pelo Congresso em 1950 e assinada pelo Presidente Harry S. Truman durante a Guerra da Coreia. À data, deu ao Presidente o poder de “moldar os programas nacionais de preparação para a defesa e tomar as medidas apropriadas para manter e melhorar a base industrial doméstica”. Anteriormente, os War Power Acts, adoptados em 1941 e 1942, deram ao Presidente Franklin D. Roosevelt autoridade para ordenar bens e negócios durante o envolvimento do país na Segunda Guerra Mundial.

O Presidente Joe Biden usou como argumento, para a emissão desta lei, o facto dos “Estados Unidos dependerem de fontes estrangeiras não confiáveis para muitos dos materiais estratégicos e críticos necessários na transição para a energia limpa, como lítio, níquel, cobalto, grafite e manganês usados em baterias de grande capacidade. A procura por tais materiais deverá aumentar exponencialmente à medida que o mundo transita para uma economia de energia limpa”.

A execução deste acto legislativo autoriza o Pentágono a usar os fundos da Lei de Produção de Defesa e injectar capital numa série de actividades comerciais na indústria mineira. Essas actividades incluem o pagamento de estudos de viabilidade para determinar a viabilidade económica de uma mina proposta, ou para financiar “produção de co-produtos e subprodutos”, um termo usado para descrever o processo de extracção de materiais valiosos de uma mina que normalmente produz outros minerais. Por exemplo, uma mina de cobre que também poderia produzir níquel.

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Numa primeira análise, poderá pensar-se que a decisão, agora tomada, pudesse estar relacionada com a guerra que ocorre na Ucrânia e com o embargo existente às matérias-primas provenientes da Federação Russa. No entanto, o alcance desta medida é muito superior, designadamente em termos temporárias e estratégicos.

Dos metais incluídos na lista, apenas o níquel, com origem na Federação Russa e parcialmente a grafite, apresentam relevância nos mercados mundiais, sendo as alternativas de abastecimento bastantes alargadas, podendo a curto prazo serem facilmente substituídas.

Por outro lado, as acções que se encontram enquadradas, pelo acto legislativo, apenas se poderão fazer sentir num horizonte temporal nunca inferior a 5 a 10 anos, visto apoiarem sobretudo a prospecção mineira e anteriores à produção.

O horizonte temporal e geopolítico alargado é subjacente no próprio articulado, apontando sobretudo matérias-primas, cuja principal origem se encontra em zonas de conflito continuado, como é exemplo o caso do cobalto na República Democrática do Congo, ou em que a extracção, tratamento e comercialização se encontram centradas na República Popular da China.

O foco encontra-se nas baterias e nos veículos eléctricos, e, por conseguinte, em metais como o cobre, lítio, níquel, cobalto, grafite e elementos de terras raras, nos quais a China é o principal produtor de todos, sendo que processa mais da metade do lítio e do cobalto mundialmente e mais de 80% dos elementos de terras-raras.

A dimensão do acto, agora efectuado, não só demonstra a forma como a administração Biden antevê o futuro, e no qual a China terá um papel determinante nas tecnologias usadas na transição energética, bem como pela gravidade com que analisam o actual status quo.

É possível afirmar que os Estados Unidos não pretendem futuramente ser colocados na mesma posição que a Europa actualmente se encontra, na qual a atitude belicista da Federação Russa é coadjuvada pelo cutelo da dependência energética e especialmente do gás natural.

A dependência da Europa, nomeadamente da Alemanha e no que se refere a matérias-primas energéticas, tem um longo padrão histórico, o qual foi acelerado em 8 de Setembro de 2005, quando os governos alemão e russo assinaram uma declaração que formalizava a construção do gasoduto Nord Stream, o qual ligaria os dois países através do mar Báltico. A inauguração deu-se em 8 de Novembro de 2011 pela Chanceler alemã Angela Merkel e o Presidente russo, Dmitri Medvedev, selando, por um longo período, a dependência em gás natural da Alemanha em relação à Federação Russa.

Já após a anexação da Crimeia, a Alemanha deu mais um passo, ao acordar a construção de gasoduto Nord Stream 2, que permitiria duplicar a capacidade de importação de gás natural para a Alemanha e tendo sido tecnicamente concluído em 2021. Somente com o início da guerra da Ucrânia é que o Governo alemão, através o novo Chanceler Olaf Scholz e debaixo de uma barragem de críticas de alguns países europeus e sobretudo dos próprios cidadãos alemães, anunciou o fim do Nord Stream 2.

Em Janeiro de 1962, no discurso do Estado da União, John F. Kennedy, presidente dos Estados Unidos, afirmou que “a altura de reparar o telhado é quando o sol brilha”. Em Portugal existe o ditado no qual “prevenir é o melhor remédio”, no entanto, por cá, mantem-se a inacção deixando para amanhã o que se pode fazer hoje.