Um meliante da pior espécie, emboscou-se nas proximidades do prédio onde morava a sua jovem namorada, em Castelo Branco, e deixou-se ali ficar, à espera, depois, no momento que ela regressava a casa o meliante, de faca de cozinha em punho saltou do esconderijo e lançou-se sobre a jovem mulher, esfaqueando-a até à morte com vários golpes profundos, que não deixaram quaisquer dúvidas aos olhos experimentados dos investigadores sobre a dimensão do ódio incontido com que foram desferidos. A prova provada de que se estava em presença de um assassino frio, calculista, sem alma. Viria mais tarde a ser condenado, por homicídio qualificado, à pena de prisão de dezasseis anos, mas, mal cumpriu dez desses dezasseis anos, foi o perigoso criminoso sem alma mandado em paz para casa, em regime de liberdade condicional.

Logo que restituído à liberdade, não tardou a arranjar nova namorada com quem passou a viver, e, como era de esperar, não foi preciso muito tempo para que os instintos malvados do animal sem alma viessem ao de cima e, de um dia para o outro, começou a implicar por tudo e por nada com a nova companheira, a tratá-la mal, controlando-a, não lhe dando espaço nem liberdade de movimentos, ameaçando-a e agredindo-a psicologicamente, fazendo-lhe a vida num autêntico inferno.

Pelos cabelos com a violência e agressividade do animal, não aguentando suportar mais aquela sistemática e permanente vigilância sobre o que fazia e o que não fazia, que não lhe permitiam ser senhora de si mesma e, pior que isso, temendo que os ciúmes doentios do namorado, “Serás sempre minha”, pudessem vir a terminar da pior maneira, “Se não fores minha não serás de mais ninguém”, a jovem mulher decidiu-se a apresentar queixa por violência doméstica contra o agressor numa esquadra da polícia.

E não se pense que terá sido apenas uma vez que a mulher se queixou às autoridades da violência doméstica de que andava a ser vítima, não, foram várias as vezes que se deslocou à esquadra da polícia e apresentou queixa contra ele, humilhando-se, expondo-se, porque só quem não mora em meios pequenos, onde praticamente toda a gente se conhece, não sabe o que isso é.

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Entretanto, para bem da sua saúde física e mental, a jovem mulher achou que seria melhor por um ponto final naquela relação tóxica, facto que nunca foi bem aceite pelo indivíduo, que continuou a persegui-la e a enviar-lhe mensagens, tanto amorosas como ameaçadoras.

Sucedeu que, entretanto, a jovem mulher viria a conhecer um outro rapaz, por quem acabaria de se apaixonar e com quem já estava de casamento aprazado.

Este facto novo, veio exacerbar mais ainda a raiva do meliante que, roído de ciúmes, a partir daí não mais parou de enviar-lhe emails e mensagens, ternurentas umas, outras explicitamente ameaçadoras e para levar muito a sério, “Não és minha não serás de mais ninguém”, recusando-se a aceitar o fim da relação.

O certo é que todas as queixas da vítima às autoridades ao fim e ao cabo não deram em nada, caíram em saco roto. E num destes dias de Junho – como era por demais previsível aos olhos de qualquer leigo na matéria, menos aos da Justiça, que pudesse vir a acontecer – acabou por acontecer mesmo, o incorrigível criminoso sem alma voltou a matar, e fê-lo, desta vez, ainda com instintos de maior crueldade e selvajaria do que fizera em relação ao homicídio da primeira mulher.

Escondido no carro à porta do trabalho da ex-companheira, com o ódio incontido dos ciúmes a fervilharem-lhe na cabeça, esperava, nervoso, que ela saísse, sem desviar os olhos da porta, plenamente ciente da repulsividade do acto criminoso que se preparava para perpetrar, e logo que a vítima transpôs a porta, seguiu-a, em marcha lenta, os ciúmes a fazer-lhe o sangue latejar na cabeça, desvairado, “Não és minha não és de mais ninguém”. Então, quando achou o momento azado, acelerou de repente e atirou a viatura para cima da vítima, atropelando-a mortalmente. E, como se isso não fosse suficiente, para que não restassem dúvidas de que estava morta e bem morta, por três vezes, e com instintos de grande malvadez, lhe passou com o carro por cima da cabeça, desfazendo-lha, pondo-se de seguida em fuga, como é apanágio dos cobardes.

Para que não fique na cabeça de alguém a ideia errada de que estas duas jovens mulheres brutalmente assassinadas às mãos deste perigoso facínora seriam, talvez, umas dessas parvinhas que facilmente se deixam levar pelos jogos de sedução de qualquer sedutor de meia tijela, ou, sei lá, umas parvinhas tontas, ou de baixa escolaridade e estrato social, deve ser dito que ambas eram escolarizadas, com cursos superiores. A primeira delas, Carla, assassinada em 2009 com vinte e três facadas à porta de casa, na presença do pai, que acabaria também por ficar ferido ao tentar socorrer a filha, era licenciada em biologia, com mestrado. A segunda, a Daniela, de 36 anos, que o cadastrado matou com o carro, esmigalhando-lhe o crânio, era engenheira/doutoranda, sendo o próprio assassino licenciado em biologia.

Quanto à Daniela, não deixa de ser estranho – mais do que isso, bizarro até – que apenas lhe tenha sido atribuído o trivial ‘botão de pânico’ precisamente no dia em que foi brutalmente assassinada. A justiça, afinal de contas, tinha chegado tarde e a más horas, como infelizmente sucede vezes de mais. Uma morte anunciada. Mais uma de tantas. Um assassínio que deveria ter sido evitado.

Foram estes apenas mais dois, dos cada vez mais casos de homicídio praticados no contexto de violência doméstica em Portugal. Um e outro destes casos, que vieram a público, bem que poderiam ter sido evitados se outro fosse o sentido da nossa justiça, se outra fosse a vontade dos nossos políticos, se outro fosse o código penal que deveria castigar os criminosos e proteger o direito das vítimas, se outros fossem os magistrados a quem compete a aplicação da lei.

Tivessem estes crimes sido cometidos noutro país, como por exemplo na América, onde as leis foram feitas com o sentido primeiro de protegerem a sociedade dos criminosos, a vida da Daniela às mãos deste criminoso teria sido poupada. São casos como estes, e tantas outras situações de clamorosa injustiça, que a bem dizer todos os dias se sucedem neste nosso país, que de ‘brandos costumes’ nada tem, em que se faz tábua-rasa da justiça que é devida às vítimas em detrimento dos direitos dos criminosos e delinquentes, que levam as pessoas, em geral, e as vítimas e suas famílias, em especial, a indignar-se contra este estado de coisas e a queixar-se amargamente da falência da justiça.