Nas suas lições, Teixeira Ribeiro, notável catedrático da Faculdade de Direito de Coimbra, definiu um bem público como um bem produzido pelo Estado com a finalidade de satisfazer determinada necessidade coletiva, podendo, simultaneamente, satisfazer necessidades individuais. Ao Estado cabe a sua produção por se considerar mais conveniente para a satisfação das necessidades em relevo, sendo impossível ou pouco eficiente a sua concretização através dos operadores privados.

A perceção do que é uma necessidade coletiva suscetível de ser satisfeita pela produção Estatal de um bem público tem sido mutável e carece de decisões essencialmente políticas. Se para uma visão liberal clássica o Estado deve restringir-se, por um lado, a satisfazer a necessidade coletiva de defesa contra os avanços das nações hostis e, por outro, a erguer um sistema de justiça que possibilite a cada cidadão proteger-se das ofensivas de um seu semelhante, hoje, com força constitucional, compreende-se uma função ampliada da atuação Estatal, que deve assegurar sistemas de saúde e de educação básica universais, bem como um sistema de ensino superior de acesso igualitário e progressivamente gratuito. O ensino superior é, então, considerado um objetivo constitucional que proporciona um crescente aumento da instrução e da ciência em Portugal e que se assume como um ascensor social essencial para um país que mantém percentagens aberrantes de desigualdade. Estes efeitos satisfazem, portanto, a necessidade coletiva de ter cidadãos cada vez mais instruídos e capazes para contribuir para o avanço coletivo e para uma sociedade mais igualitária e justa.

No entanto, do plano constitucional à realidade vivida no seio das Instituições de Ensino Superior portuguesas encontra-se um evidente hiato entre o prometido e o encontrado, não sendo assegurado a igualdade de oportunidades de acesso ao sistema. Basta relembrar os últimos dados sobre a população universitária portuguesa para afirmar que a clivagem social entre os candidatos pesa, e pesa muito, na entrada e no curso em que se entra. Assim, apesar das melhorias alcançadas com as alterações recentes nas propinas e no reforço da ação social que, depois de vários anos de um desprezo ensurdecedor, possibilitaram sonhar com um modelo verdadeiramente igualitário e capaz de cumprir os preceitos constitucionais, é notório que o sistema não tem a capacidade de satisfazer as necessidades coletivas a que se propunha. O fosso mantém-se imponente, com o ensino superior a ser suportado pelas prestações pecuniárias dos estudantes e dos seus agregados familiares, conservando-se, desta forma, como um bem de aquisição difícil ou impossível para quem tenha parcos rendimentos.

E é aqui que hoje soa uma campainha de alarme particularmente vigorosa. A pandemia e os seus efeitos económicos afetaram com mais intensidade os trabalhadores de rendimentos mais baixos. Milhares de cidadãos viram os seus rendimentos diminuídos, como efeito direto do layoff, ou até extintos, como efeito da vaga de desemprego. Outros milhares terão o mesmo destino nos próximos meses. Se o cenário económico é desolador em várias frentes, não será, excecionalmente, animador no ensino superior, onde milhares já asfixiavam com o peso dos custos das propinas, habitação, alimentação ou material escolar. Sem uma resposta animadora por parte do Estado, que garanta um reforço substancial suplementar da ação social escolar e a suspensão temporária do pagamento das propinas, a entrada ou permanência no ensino superior no próximo ano letivo é hoje, para incontáveis jovens e suas famílias, uma completa incógnita, ou mesmo a antecipação inevitável da morte de um sonho incapaz de rivalizar com a realidade de um sistema desigual.

Os efeitos económicos da pandemia adensaram as barreiras já existentes ao acesso e permanência no ensino superior na proporcional medida das quebras de rendimento dos agregados familiares, afetando violentamente os mais pobres, obrigados a redefinir a utilização dos seus salários emagrecidos. Caso não seja dado a devida relevância à instabilidade económica que os estudantes passam atualmente, o abandono escolar será, uma vez mais, um flagelo no ensino superior português, com óbvias repercussões negativas para os jovens obrigados a cambiar as suas prioridades e para o país que desperdiça as consequências positivas que o ensino superior possibilita à sociedade. É, por isso mesmo, fundamental não tolerar, particularmente neste período extremamente difícil para todos, o definhamento do prometido sistema igualitário e progressivamente gratuito, sob pena de sofrermos com esta sensação de necessidade coletiva eternamente insatisfeita. E que mal que isso fará a todos.

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