Discute-se a “Nova PAC”, mas sem antes se ter feito um exame completo ao mecanismo. A Política Agrícola Comum consiste num mecanismo de apoio europeu à agricultura pensado e criado em 1957, mas tendo apenas entrado em vigor em 1962. São já, portanto, sessenta e dois anos de PAC. Ao fim de seis décadas, o que dela podemos retirar? A PAC é, talvez, principal política da União Europeia, e tem como principais objectivos incrementar a produtividade agrícola, assegurar um nível de vida equitativo à população agrícola, estabilizar os mercados, garantir a segurança dos abastecimentos e assegurar preços razoáveis nos fornecimentos aos consumidores. Estes objectivos encontram-se estipulados, precisamente, no art. 39º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (doravante “TFUE”). Os artigos do TFUE que se dedicam a esta matéria são bastante esclarecedores e demonstram a ideia geral da PAC — esta consiste num conjunto de leis adoptadas pela União Europeia e que visam determinar uma política unificada para o sector agrícola nos países Estados-membro da União Europeia. Desde já, como se fosse possível adoptar uma política unificada com a profundidade pretendida, a um conjunto de países tão diferentes no que toca ao cultivo e à capacidade agrícola. A meu ver, a PAC foi o cavalo de tróia para um objectivo mais obscuro — o federalismo. E o cepticismo que me absorve relativamente a este mecanismo prende-se justamente com demonstrações de fracassos constantes que têm contribuído para prejudicar a agricultura em Portugal e os agricultores portugueses.
Não me recordo, pela natureza das coisas, desse período, mas bem sei que adesão de Portugal à União Europeia significou ao longo dos tempos uma cedência de independência em troca de uns quantos tostões. E eram justamente estes “tostões”, designados por fundos europeus, as palavras de ordem à época. Podemos, até, destacar três fundos: o Fundo Social Europeu (FSE), que visava apoiar a política social e de emprego; o Fundo Europeu de Orientação e Garantia Agrícola (FEOGA), destinada, fundamentalmente, a apoiar a agricultura; e, por último, o Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER), cuja finalidade era apoiar o desenvolvimento de regiões mais pobres do espaço europeu. Segundo dados estatísticos disponibilizados pela Agência para o Desenvolvimento e Coesão, Portugal recebeu no âmbito do FEOGA, desde 1989, mais de 16 mil milhões de euros, sob o pretexto de garantir a proclamada convergência real com a Europa. À medida que entrava dinheiro, aumentava-se a dependência externa, perdia-se paulatinamente soberania, a ausência de fiscalização dos fundos amplificava-se, e Portugal tornava-se num subsídio-dependente da União Europeia.
Podemos, segundo dados fornecidos pela Agência para o Desenvolvimento e Coesão, organizar os apoios recebidos em cinco momentos: Quadro Comunitário de Apoio I, entre 1989–1993; Quadro Comunitário de Apoio II, de 1994 a 1999; Quadro Comunitário de Apoio III, entre 2000–2006. Quadro de referência de estratégia nacional, de 2007 a 2013; e, o Acordo de Pareceria, entre 2014–2020. No primeiro QCA (Quadro Comunitário de Apoio), um dos objectivos era a promoção da competitividade da agricultura e desenvolvimento rural, todavia, no âmbito desse quadro, vários foram os investimentos realizados, desde a criação de autoestradas à construção hospitais, da construção de estabelecimentos de ensino à abertura de bolsas de formação avançada, só não foram, infelizmente, feitos investimentos significativos no sector da agricultura. No segundo QCA, a agricultura já teria caído em esquecimento. No âmbito deste QCA, construíram-se infraestruturas desportivas e museus, aeroportos e rodovias, só não se investiu na agricultura. No terceiro QCA, voltaria o sector agrícola a manter-se fora dos objectivos primordiais. Foi mais importante, aos olhos dos governantes, adquirir computadores, expandir aeroportos, criar centros de novas oportunidades e construir mais troços rodoviários, ao invés de darem ênfase à produção agrícola. Nos últimos dois quadros de apoio, a história repete-se. Dos fundos europeus disponibilizados a Portugal desde a sua adesão na União Europeia, nunca mais de 3% foi concedido ao sector agrícola.
Sempre existiu uma tentativa clara de centralizar o poder em três ou quatro países, centralizar as produções agrícolas, e compensar pecuniariamente os outros para não se desenvolverem. Portugal, desde 1989 que recebe para não produzir. Querem que importemos aos países que a União Europeia decidir, em troca de dinheiro para compensar a ausência de produção. Isso não é ter como objectivo a convergência real com a União Europeia, isso é tornar os países menos soberanos a cada dia que passa, aumentando a dívida externa dos mesmos, até que nada mais haja a fazer do que a instituição União Europeia passar de uma organização de cooperação para uma organização de integração. Os resultados dessa falta de visão política revelaram-se fulcrais para a perda de soberania alimentar. E hoje, além de uma enorme dívida externa e dependência preocupante da União Europeia, onde se observa o desenvolvimento agrícola?
A PAC tem como princípios fundamentais a unicidade do mercado e a preferência comunitária. Acontece, contudo, que a União Europeia não conseguiu, com este mecanismo, ser mais competitiva relativamente ao resto do Mundo, aliás, as condições eram de tal modo mais atractivas no resto do Mundo, que “a Europa deixaria de produzir muitos produtos, dado que o custo das primeiras unidades (as unidades com custo marginal mais baixo) seria já superior aos preços dos bens importados.” Isto é, a Europa produzia acima do preço mundial, o que, nas palavras do professor José Manuel Carlos Lopes, “em mercado livre, nada seria produzido na Comunidade”. Mais: o princípio da unicidade do mercado visa que exista um único mercado para os produtos agrícolas, ou seja, estes podem circular nos demais países como no próprio país sem estarem sujeitos a discriminações, como sanções administrativas ou sanitárias. Por sua vez, o princípio da preferência comunitária visa dar preferência aos produtos domésticos em caso de disputa de bens importáveis, tributando de tal modo os bens importados ao ponto de desmotivar a própria importação. Assim, a importação de um produto por um preço inferior ao europeu estará sujeita a uma tributação que ‘anula’ a diferença dos preços. Isto não é ser um mercado livre e competitivo, é antes recusar que o projecto falhou.
Para uma organização que defende acerrimamente o mercado livre e a competitividade, parece ter nestas entrelinhas medidas excessivamente proteccionistas e castradoras do mercado livre. O princípio da preferência comunitária, como se diz na gíria, “tem pano para mangas”. Este princípio define que, em caso de disputa de bens importáveis com bens domésticos, dá-se preferência a estes últimos, enquanto se tributa excessivamente os produtos importados fazendo com que o consumidor não tenha escolha senão optar pelos produtos domésticos. Este princípio demonstra um claro falhanço da PAC ainda numa fase embrionária. Dá a entender, parece, que já se previa que a União Europeia seria incapaz de ser competitiva com o resto do Mundo utilizando este mecanismo tal e qual como está formulado, e para isso tinha de ser engendrado um qualquer princípio que permitisse ocultar essa ausência de competitividade.
No fim do dia, a Política Agrícola Comum precisa de mais do que um simples “exame médico”, como foi feito na reforma de 2008, por exemplo, mas sim, precisa de um “check-up” total, que faça um “raio-x” à eficiência das medidas tomadas até hoje e do seu impacto nos países Estado-membro, percebendo quais foram mais prejudicados e os que foram mais beneficiados, tendo em conta a diferenciação essencial entre os países mais ricos e os países mais pobres, e uma “ressonância magnética” aos princípios e valores da União Europeia, de modo a verificar como a Política Agrícola Comum causa lesões à mesma e conflitua com as leis fundamentais dos mais diversos países Estado-membro.
Em suma, que haja sensatez e coragem suficientes para pôr termo a um mecanismo decrépito, ineficaz e prejudicial para Portugal. Que olhemos para a nossa realidade, para as nossas condições e para os nossos agricultores, e que não tenhamos medo de fazer frente a uma instituição que tem destruído paulatinamente o sector agrícola português.