Segundo a Wikipedia, Malmo tem batido recordes no que toca a receber, cito, “imigrantes em fuga de conflitos”. Engraçado. Segundo a mesma página da Wikipedia, Malmo também parece bater recordes na recepção de imigrantes em busca de conflitos. Pelo menos foi lá que aconteceram os Motins da Mesquita, em 2008 (que protestavam o fecho de um “centro cultural” muçulmano), os Motins Anti-Israel de 2009 (que protestavam a presença de tenistas israelitas por aquelas bandas), parte dos Motins de 2016 (em que muçulmanos protestavam não se conseguiu apurar bem o quê). Isto sem contar com a subida firme da taxa de criminalidade local nos últimos anos, à semelhança do que sucede no resto da Suécia urbana e em boa parte graças aos tais imigrantes em fuga de conflitos.

Por falar em protestos e crimes, por estes dias Malmo acolhe os Motins Anti-Eurovisão de 2024, simpático certame realizado a pretexto de Malmo acolher em simultâneo o festival da Eurovisão de 2024, e de o festival incluir uma participante israelita. Milhares de pessoas reúnem-se em diversas áreas da cidade para entoar em uníssono belos refrões populares, a pedir a extinção de Israel (“Do rio até ao mar, a Palestina será livre!”), a demonstrar solidariedade com o líder militar do Hamas (“Sinwar, não te deixaremos morrer!”, e sim, é esse o nome do sr. Yahya Sinwar), a exigir que os judeus sejam deportados de volta para a Polónia (“Deportem os judeus de volta para a Polónia”, idealmente para determinados lager, perdão, lugares históricos da Polónia). Nos intervalos, os pândegos entretêm-se com o já usual lançamento de pedras a carros da polícia.

As manifestações de ódio à cantora israelita, Eden Golan, e aos judeus em geral não envolvem apenas imigrantes em fuga de conflitos. Não, senhor. Malmo enche-se de turistas de diversas regiões da Suécia e até do estrangeiro que se juntaram aos festejos. Não sei de grandes celebridades presentes, mas uma celebridade menor fez-se notar: a Pequena Greta, infatigável na defesa dos palestinianos e do ecossistema. Este carácter ecuménico e multicultural confere ainda maior vibração aos festejos, pelo que Eden Golan precisa de avantajada segurança, estilo “beatlemania” com os fãs histéricos substituídos por anti-semitas histéricos.

Por sorte, nenhuma segurança evita as vaias da plateia durante as suas actuações e o farrapinho “keffiyeh” ao pescoço de alguns dos seus concorrentes. Diz a imprensa especializada que a cançonetista portuguesa, de que desconheço nome, imagem e talento, pintou as unhas com o padrão do farrapinho. “Tenho pensado muito na questão do boicote”, afirmou ao “Expresso”. É um alívio perceber que a senhora pensa: desde o passado 7 de Outubro que é público o apreço do Hamas por festivais de música, pelo que a retribuição do carinho é um acto de elementar justiça.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A verdade é que nunca pensei escrever a propósito da Eurovisão, produto que não consumo para aí desde os 11 anos e que, não fora a vitória caseira aqui há tempos e o regabofe “patriótico” alusivo, julgaria ter acabado por volta de 1985. A expensas desta crónica, tive de mexer no tema e descobrir o que tenho andado a perder. Pelos vistos, nas últimas décadas a Eurovisão mudou. Onde antes havia senhoras e cavalheiros convencionais a entoar cantigas convencionais, a tendência actual, se bem entendi, é para haver mutantes a celebrar a “inclusividade”, a “diversidade”, o “satanismo”, a “palhaçada” ou algo de semelhante e virtuoso. Em matéria de virtudes, faltavam unicamente a glorificação do terrorismo e a condenação do “sionismo”. Já não faltam. E assim é que é bonito.

O único problema é que, apesar dos encantadores guinchos pró-Palestina nas ruas de Malmo, consta que existem inúmeros desmancha-prazeres que, no silêncio dos lares e embora não liguem à Eurovisão, ligam à Eurovisão a fim de votar na canção israelita. Ou seja, por causa desses cobardes anónimos há o risco de Israel ganhar aquilo, o que seria inconsequente se não significasse que uma excessiva quantidade de europeus, para cúmulo europeus habitualmente alheios à sofisticação musical do evento, pode subverter o respectivo resultado e, talvez pior, comprometer os esforços de tantos em prol de Gaza e legitimar pelo símbolo a continuação do famoso genocídio.

Recomendo optimismo. Em vários momentos da História, de que os anos 30 e 40 do século passado constituem só um exemplo recente, a Europa tem sabido lidar com os judeus do modo que eles merecem. É pois apressado entrar em desespero. Com jeito, no que depender de nós Israel sairá derrotado nas cantorias e, igualmente importante, no mundo real. Possuímos o “know-how” e os “skills” necessários. Somos detentores de larga experiência em organizar pogroms e perseguições, calúnias e conspirações, êxodos e extermínios. Com a ajuda dos imigrantes em fuga de conflitos, conciliamos a modernidade com a tradição. E se há tradição antiga, por acaso um bocadinho mais antiga que o próprio “Eurofestival”, é essa.