A semana que está a terminar ficou marcada, felizmente para os europeístas convictos, como é o meu caso, pelo esclarecimento da estratégia a adotar na União Europeia (UE) para os próximos cinco anos.

Este esclarecimento, aconteceu, após aturadas e até difíceis negociações entre os principais grupos políticos europeus [Partido Popular Europeu (PPE), Socialistas & Democratas (S&D), Liberais (Renew Europe) e Verdes (The Greens/ EFA), de entre outros eurodeputados não inscritos].

O que ressalta logo desta primeira semana foram os resultados expressivos que a Presidente do Parlamento Europeu, Roberta Metsola, e a Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, receberam nas respetivas reeleições. Destaco a maioria sólida de von der Leyen que viu sufragadas as suas orientações estratégicas para os próximos 5 anos de mandato à frente da Comissão. Para os mais céticos, até para os que colocavam mesmo em risco a sua reeleição, a vitória expressiva da alemã dissipou as dúvidas, com uma excelente aceitação entre os moderados, de esquerda, centro e direita, europeus.

Mais uma vez, a Europa mostra ao mundo que os moderados e o bom senso ganham frente aos extremismos de esquerda e de direita. Extremismos estes que se tocam nas votações e que pretendem, tão somente, destruir a UE.

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Os extremistas de direita querem regressar à Europa das Nações autónomas, retirando poder e protagonismo à UE. Os extremistas de esquerda, ao serviço de ideários e interesses terceiros, preconizam desde sempre o fim da UE, mas, acima de tudo, desejariam que o controlo político deste espaço pudesse estar nas mãos dos seus “amigos” e mentores. A bem do projeto europeu, iniciado há 75 anos por Robert Schuman e Jean Monnet, nem uns nem outros triunfaram.

Como sabemos e sentimos no dia-a-dia, a UE enfrenta vários e graves problemas que têm de ser rapidamente resolvidos. Von der Leyen assumiu que os vai enfrentar e, num brilhante discurso de apresentação das suas orientações políticas para a Comissão Europeia, apontou as possíveis soluções para os mitigar e resolver.

Em primeiro lugar, salientou a questão da Paz, que se alia à necessidade de uma verdadeira União Europeia da Defesa. Nesta área, assumiu que a defesa da UE será uma das grandes prioridades, estabelecendo um Pilar Europeu da Defesa, dentro do quadro global da NATO, onde estamos inseridos. Desde logo pela indicação de um Comissário, em exclusivo, para as questões da Defesa, passando pela criação de um mercado único para equipamentos de defesa, o desenvolvimento de novas capacidades militares intramuros da UE, assim como a criação de um “escudo” aéreo europeu, que nos proteja das diferentes ameaças externas, foram algumas das respostas que a presidente reeleita apresentou, às quais se acrescentam novas capacidades em cyberdefesa, cada vez mais cruciais no mundo de hoje e do futuro. Estas são algumas das respostas que me parecem mais adequadas e passíveis de serem executadas. No entanto, o compromisso assumido foi mais além, incluindo questões de segurança interna, como o combate às drogas e ao terrorismo, assim como a cybersegurança, bem como o controlo de fronteiras, propondo, como primeiras medidas, triplicar o número de guardas costeiros e de fronteira. Neste capítulo, foi assumida também uma atenção especial ao Mediterrâneo, que justifica a indicação de um comissário, em exclusivo, com esta pasta, que terá por missão desenhar e implementar uma nova estratégia, o denominado “Pacto para o Mediterrâneo”, que abordará essencialmente os fenómenos migratórios. Nesta temática, foi igualmente assumida a implementação total do Pacto para as Migrações e Asilo, aprovado recentemente, mas que carece de ser aprofundado nos próximos cinco anos.

Em segundo lugar, a presidente da Comissão elencou a necessidade de assegurar a prosperidade económica e a competitividade do tecido económico no espaço da UE. A perda de competitividade da UE, face aos dois outros grandes blocos económicos (EUA e China), tem de ser recuperada nos próximos cinco anos. Para isso, foi assumido que deverá ser reduzida a burocracia e aumentado o apoio para as Pequenas e Médias Empresas (PME), consideradas como o motor de crescimento da UE, o que motivou a entrega desta importante tarefa, em exclusivo, a um vice-presidente. Será, igualmente, criado um Fundo Europeu para a Competitividade, para investir e apoiar tecnologias consideradas estratégicas, bem como apoiar projetos de interesse comum. Ainda neste capítulo, foi assumido que a UE deve rever as suas diretivas de contratação pública e de mercados abertos, em face da concorrência “desleal” que muitas vezes sofre em relação aos restantes mercados mundiais, de forma a proteger as empresas e os consumidores europeus.

Em terceiro lugar, a Europa não abrandará face aos importantes passos já dados e às metas estabelecidas no que diz respeito à neutralidade carbónica e à transição energética. Devemos acelerar o processo, de forma a que as metas sejam, se possível, antecipadas. Para tal, deverá ser estabelecido um Pacto para fomentar as novas industrias limpas, sustentado numa ambiciosa politica climática, bem como na inovação e na neutralidade tecnológica. A implementação de uma verdadeira União Energética deve ser uma realidade, face aos ensinamentos colhidos após a invasão da Ucrânia, de modo a serem reduzidos os preços da energia, atualmente, praticados, quer para os cidadãos, quer para as empresas. A UE deve ser autónoma e “verde” em termos energéticos. Conjuntamente, no que diz respeito à economia circular, serão dados passos mais rápidos e seguros, em função da procura do mercado. Ainda neste capitulo, a introdução da Biotecnologia e da Inteligência Artificial serão motivo para uma atenção e tratamento especial, através da criação de órgãos próprios de aproveitamento sinérgico de recursos europeus, concentrando investigação, desenvolvimento e implementação.

Em quarto lugar, foi apontada a preservação do modo de vida europeu, de modo a garantir que ninguém fique para trás, não existindo discriminação entre os europeus que vivem numa região rural e os que vivem num território urbano. Neste capítulo, a atenção que será dada à agricultura, ao mundo rural, às pescas e à alimentação. O objetivo é que nos primeiros 100 dias seja emitida uma nova estratégia, de modo a que a competitividade do setor seja mantida e, se possível, ampliada em toda a cadeia de valor do setor da alimentação. Porque o mar, os oceanos e as pescas representam uma prioridade para este mandato será atribuída esta tarefa, também em exclusivo, a um comissário. Na área da saúde, será dado corpo à União Europeia da Saúde, que contempla o acesso a medicamentos críticos, o combate ao cancro e as questões de saúde mental, entre outros. Do mesmo modo, as questões da habitação, ainda que não sejam responsabilidade direta da UE, vão ser alvo de resposta durante este mandato, com destaque para o recurso a fundos do Banco Europeu de Investimento, de modo a que todos os cidadãos da UE tenham acesso a uma habitação condigna. Por fim, os problemas que assolam as nossas crianças e jovens relativos ao cyberbulling, o combate ao antissemitismo e os direitos humanos, em especial os direitos das mulheres, serão igualmente prioridade.

Em quinto e último lugar, a UE é apresentada por Ursula von der Leyen como um farol no mundo, no que diz respeito à defesa do Estado de Direito, à democracia, à tolerância e à integração de minorias. Será indicado um comissário, em exclusivo, para as questões do alargamento, que deverão ser prioridade deste novo mandato. Do igual modo, o apoio à Ucrânia deverá ser mantido no topo das nossas atenções. Os acordos de comércio livre devem acontecer, mas em equilíbrio para as partes, estando as prioridades da União focadas no estabelecimento de novos acordos, para novos produtos, em especial com África, América Latina e Índia. É ainda realçado que o respeito pelas regras e tratados da UE devem ser, cada vez mais, um pré-requisito para usufruir dos fundos e do estatuto pleno de Estado-membro.

Em suma, os problemas estão identificados, as respostas dadas, as prioridades estabelecidas, os atores eleitos e o “tiro de partida” já foi dado esta semana. Porém, para que estes objetivos sejam atingidos, será necessária uma estreita articulação entre o Parlamento Europeu, a Comissão Europeia e o Conselho Europeu.

As duas presidentes que esta semana foram eleitas – Metsola e von der Leyen – terão, à partida e em virtude das suas reeleições, condições de apoio político para implementarem as suas estratégias, nos seus respetivos órgãos.

O Presidente eleito do Conselho Europeu, António Costa, pelo conhecimento que possuo sobre as suas qualidades políticas e técnicas para liderar processos difíceis em situações adversas – como será o caso – levam-me a dizer que será a pessoa certa no lugar certo, dado que a situação política atual exigirá dele capacidades extraordinárias para levar a “bom porto” negociações, entre os 27 Chefes de Estado e de Governo, alinhadas com as orientações políticas que von der Leyen definiu e que o Parlamento aprovou por ampla maioria. Costa já demostrou que é um exímio negociador e, por isso, acredito e desejo que consiga ultrapassar também este grande desafio.

Para concluir, deixo aqui uma preocupação, em jeito de questão, que será acima de tudo um grande desafio para todos: Parlamento, Comissão e Conselho. Refiro-me à “arquitetura” dos próximos orçamentos da UE, que serão o motor da implementação destas novas linhas orientadoras. Ainda ninguém falou deste importante ponto.

O engenho e arte política dos próximos anos será fazer diferente, com idênticos recursos financeiros, reinventando o orçamento, encontrando novos recursos próprios e alterando as prioridades de investimento que existiram até aqui, ou, por outro lado, manter parte do existente e aditar as novas prioridades e, nesse caso, estarão os cidadãos e os governos dos Estados-membros disponíveis para contribuir um pouco mais para recuperar a nossa UE?

Fica a questão, que terá de ter resposta em breve!