Nas últimas semanas o país ficou a perceber que as generalidade das barragens, de norte a sul, se encontravam se encontram com a capacidade de armazenamento a um nível anormalmente baixo.
A explicação mais imediata, mas eventualmente não a mais correcta, seria que tudo se ficaria a dever à falta de chuva. Naturalmente que após a uma consulta dos dados históricos da meteorologia facilmente se fica a perceber que, apesar de um nível de pluviosidade ser inferior ao normal, esta redução não é particularmente significativa e se revela como incapaz de explicar a falta de água nas barragens.
Uma análise dos dados fornecidos pela REN e relativos ao balanço energético do Sistema Eléctrico Nacional, permite encontrar a principal explicação para este fenómeno e que se relaciona com a relativamente elevada produção de energia hídrica, nos últimos quatro meses de 2021. Esta apresenta sempre uma contribuição mensal que oscila 10,8%, para o mês de Setembro, e 16,9%, no mês de Dezembro.
Uma análise, mais detalhada e alongada no tempo, permite igualmente compreender que com a ausência da produção de energia vinda das antigas centrais a carvão do Pêgo e de Sines, o sistema ficou claramente deficitário, sendo necessário recorrer à quase totalidade da potência disponível das centrais de ciclo combinado a gás natural, à importação de electricidade e finalmente à disponibilidade hídrica (água das barragens). Fica assim absolutamente perceptível o motivo pelo qual o nível de água nas barragens é bastante abaixo do normal. Há necessidade de produzir electricidade.
É de igual destaque o saldo importador de energia eléctrica, em que após longos anos de neutralidade se transformou deficitariamente com a importação de electricidade de espanhola, cuja incorporação variou, no período anteriormente referido, entre 8,3% e 21,9% da totalidade do consumo.
Trata-se de uma situação para a qual diversos especialistas já tinham alertado, pois o encerramento precipitado das centrais a carvão (aproximadamente 2 GW) poderia tornar Portugal num país deficitário em termos de energia eléctrica. O ano de 2024 foi sendo sempre apontado como o ano a partir do qual faria sentido abdicar da incorporação do carvão, uma vez que nessa data o conjunto das três barragens do Tâmega (cerca de 1GW), pertencentes à Iberdrola, entraria em produção máxima, e ao que ainda se iriam somar as muitas centrais solares, ainda em construção. Tudo isto permitiria colmatar a ausência do carvão e realmente permitiria concretizar uma transição energética justa e sustentada.
Talvez o aspecto mais irónico, nesta completa ausência de percepção estratégica, relaciona-se com o facto de Espanha, apesar de ter centrais a carvão de eficiência muito inferior às portuguesas, ainda não as ter encerrado, servindo agora o sistema eléctrico português, que assim se encontra altamente dependente do carvão espanhol. Aliás esta situação foi alvo de um artigo do jornal espanhol ABC em 9 de Janeiro de 2022.
Neste momento Portugal vive uma dependência energética, ao nível de electricidade, como já não ocorria há décadas, um dependência que com a ausência das comentadas interligações de electricidade com França e Marrocos deixa Portugal numa situação estratégica de vulnerabilidade.
Mas a gravidade da situação não se limita à dependência estratégica externa, revela-se de um modo ainda mais severo quando se transforma a importação de electricidade espanhola em unidades monetárias. Pelo que multiplicando a energia importada pelo valor médio mensal de transacção no mercado grossista, ficamos a perceber que só nos últimos quatro meses de 2021 o saldo importador implicou que Portugal importasse, de Espanha, mais de 500 milhões de euros em electricidade, situação que claramente poderia ter sido evitada.
Pode-se dizer que a economia portuguesa apenas está a atirar dinheiro pela janela. Mas este hábito nacional, de atirar coisas pela janela, não é recente. Já Fernão Lopes, na crónica de D. João I, expõe como, em 1383, o Conde Andeiro é morto e o Bispo de Lisboa é atirado da torre da Sé abaixo. Situação semelhante ocorreu em 1 de Dezembro de 1640, quando o primeiro-ministro de então, Miguel de Vasconcelos, que governava em nome de Filipe III, é morto e o corpo arremessado da janela do Paço Real de Lisboa para o Terreiro do Paço.
Felizmente já não se atiram traidores ao reino pela janela, mas esta moda, do século XXI, de atirar dinheiro pela janela, também não será a mais desejável.