“Conformar-se é submeter-se e vencer é conformar-se, ser vencido. Por isso toda a vitória é uma grosseria. Os vencedores perdem sempre todas as qualidades de desalento com o presente que os levaram à luta que lhes deu a vitória. Ficam satisfeitos, e satisfeito só pode estar aquele que se conforma, que não tem a mentalidade do vencedor. Vence só quem nunca consegue. Só é forte quem desanima sempre(…)”. Assim desconstruiu a vitória Fernando Pessoa, no Livro do Desassossego. O saudoso Almirante Vieira Matias apelidava de “Teimosos do Mar” aqueles, nos quais se incluía, que se têm dedicado a demonstrar a importância do mar para Portugal, ao longo das últimas décadas. Este feliz epíteto aliado à tese de que vence só quem nunca consegue, inspiram-me a manter a esperança na economia do mar, não obstante a constatação frequente de dissonância entre os objetivos proclamados e os esforços edificados.

Desde o final do século passado, que estes “Teimosos do Mar” envidam esforços que permitiram  incluir o tema na agenda política nacional, alertando para os desafios colocados pelo incremento do interesse dos Estados na exploração de recursos dos oceanos e o potencial do Atlântico, enquanto vetor de desenvolvimento do país através da exploração das oportunidades ao nível político, económico, social e ambiental. No virar do século, conseguimos mostrar-nos crescentemente atentos aos desenvolvimentos dos modelos de governação do mar, sobretudo ao nível europeu, onde temos procurado acautelar os direitos e oportunidades que a nossa geografia nos confere, bem como cativar fontes de financiamento.

A ratificação portuguesa da Convenção das Nações Unidas para o Direito do Mar (CNUDM), em 1997, que estabelece um conjunto de deveres e direitos dos Estados costeiros, conferiu a possibilidade de extensão do território marítimo nacional. Caso a proposta portuguesa de extensão da plataforma continental para além das 200 milhas marítimas, submetida em 2009 e ainda em análise pela ONU, seja deferida, conferirá direitos soberanos sobre cerca de quatro milhões de quilómetros quadrados de mar, equivalente a 90 por cento da dimensão do território terrestre da UE – 40 vezes a área terrestre de Portugal.

A reaproximação de Portugal ao mar no século XXI tem sido uma epopeia amplamente criticada, sobretudo ao nível da governação, por vezes considerado mero sebastianismo marcado por uma elevada dissonância entre os objetivos enunciados e os esforços edificados pelo Estado.

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Motivados pela grave crise financeira que se abateu pelo país, as metas de governação estabelecidas e a atribuição de fundos até 2020, foi aprovada, pela Resolução do Conselho de Ministros nº12/2014, a Estratégia Nacional para o Mar (ENM) 2013-2020, um instrumento político, que adotou o paradigma de crescimento azul para espelhar um plano de fomento e monitorização da evolução da economia do mar nacional, o Plano Mar-Portugal, que define objetivos e resultados esperados no quadro do apoio financeiro europeu para o horizonte temporal 2014-2020.

Chegados a 2020, vislumbra-se a meta da ENM 2013-20. O que sabemos do valor do nosso mar?

No site da Direção-geral da Política do Mar (DGPM) podemos consultar os números da Economia do Mar em Portugal que permitem constatar um crescimento assinalável  ao longo da última década. Têm sido publicados relatórios anuais, que têm sido sucessivamente melhorados, no sentido de espelhar o contributo do mar para a economia nacional. “Entre os anos de 2010 e 2017, o sector empresarial da Economia do Mar teve uma performance superior à média da Economia Nacional. Enquanto que em termos médios, as empresas em Portugal registaram uma taxa de crescimento médio anual de 1,2% no número de empresas, 0,6% no pessoal ao serviço, 0,9% no volume de negócios e 1,3% no Valor Acrescentado Bruto (VAB), as empresas da Economia do Mar tiveram crescimentos bastante mais significativos, com um crescimento médio anual de 11,9% no número de empresas, 4,9% no pessoal ao serviço, 6,2% no volume de negócios e 9% no VAB.”

No Relatório Técnico “Economia do Mar em Portugal|2018”, podemos encontrar diversos indicadores de desempenho dos diversos setores da Economia do Mar, sendo assumida a lacuna de dados referentes à monitorização dos resultados na Educação, Formação, Cultura e Literacia do Oceano, áreas cuja informação disponível é ainda muito escassa. Espera-se, até ao final do ano, a promulgação da ENM 2021-2030, que certamente procurará mitigar esta lacuna, bem como manter os objetivos internos alinhados com os compromissos assumidos perante as Nações Unidas e a União Europeia.

Atualmente, Portugal está vinculado aos compromissos assumidos na Agenda 2030 das Nações Unidas para o desenvolvimento sustentável, plano constituído por 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e 169 metas abrangentes que visam erradicar a fome, a pobreza e a desigualdade e desenvolver as sociedades humanas, respeitando a sustentabilidade do planeta. Um dos ODS, o ODS 14, é dedicado à conservação e uso sustentável do oceano, mas não esgota a presença do oceano na Agenda 2030, cujos objetivos e metas têm múltiplas relações entre si.

A implementação da Agenda 2030 exige a integração da lógica da sustentabilidade nas várias políticas e projetos, a coordenação das várias entidades e iniciativas e o acompanhamento próximo de todos os atores. Um exemplo são as campanhas para promoção do consumo responsável de peixe, que respondem a metas do ODS 14, mas também dos ODS 2 (erradicar a fome), 3 (saúde de qualidade), 12 (produção e consumo sustentáveis) e 17 (parcerias para a implementação dos objetivos).

Portugal assumiu um papel de destaque na organização da Conferência das Nações Unidas para apoio à implementação do ODS 14, denominada “The Ocean Conference”, que estava prevista para o início de junho, mas que acabou por ter que ser adiada, que visa preparar e assinalar o início da Década das Nações Unidas das Ciências do Oceano para o Desenvolvimento Sustentável (2021-2030).

A ambição nacional no cumprimento do ODS 14 foi manifestada em 19 compromissos voluntários assumidos pelo Governo português, entre 2017 e 2018, publicamente em conferências internacionais de alto nível dedicadas ao oceano. Estes compromissos abrangem áreas tão distintas como a redução do lixo marinho através de plataformas e ferramentas tecnológicas para promover a reciclagem de resíduos produzidos a bordo de navios e embarcações, a classificação de, pelo menos, 14 por cento das áreas marinhas e costeiras, ou o aumento do financiamento em projetos de conservação da biodiversidade marinha, de Literacia dos Oceanos, de investigação e inovação no âmbito das Ciências do Mar, com diversos prazos entre 2020 e 2030.

Em 2017, tive oportunidade de escrever um artigo, no âmbito desta rubrica dos Global Shapers ,a realçar a importância de investir, em formar e atrair conhecimento para o desenvolvimento de tecnologia que exponencia o potencial de crescimento azul, começando por investir na Literacia do Oceano como campanha de sensibilização desde o ensino básico. Três anos volvidos, uma análise descuidada e fatalista levar-me-ia a afirmar que pouco mudou, contudo basta fazer uma pesquisa no Google por “Literacia no Oceano”, e certamente se surpreenderá com a panóplia de campanhas executadas desde então, em particular, pelo sem número de ações de limpeza de praias conduzidas pelas mais diversas entidades. Além destas pistas animadoras, considero, ainda, particularmente positiva a organização da informação disponibilizada no site da Direção-Geral de Política do Mar (DGPM) para o investimento no mar, a possibilidade de escrutinar os projetos apoiados, acompanhar a agenda internacional e a ligação a projetos de Literacia do Oceano.

Há, indubitavelmente, imensa margem de progressão de crescimento no mar, processos a melhorar e a desburocratizar, entre uma miríade de desafios a superar. Estou convicto que o sucesso desta epopeia dependerá da nossa capacidade coletiva de teiMAR!

Rui Esteves tem 31 anos e é formado em Ciências Militares Navais. Juntou-se aos Global Shapers Lisbon Hub em 2014.

O Observador associa-se ao Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial, para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa.  O artigo representa a opinião pessoal do autor, enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.