Na semana passada o Observador publicou um artigo sobre o Ensino Superior e mais propriamente um artigo que critica, com alguma razão diria eu, a proposta de diploma do atual governo que propõe a “exigência obrigatória de dois exames de acesso” considerando que essa exigência, retirando autonomia às instituições de ensino superior (IES), irá contra “a visão política para o ensino superior dos governos de António Costa, que, mantendo o nível de exigência, defendem o aumento do número de estudantes e de diplomados, aumentando inclusive a base de acesso ao ensino superior”.
Para chegar a esta conclusão refere-se uma quantidade imensa, como aliás é usual, de críticas ao governo de PSD/CDS, dando a entender que esse governo destruiu o ensino superior (ou não se interessou por ele), enquanto que com os governos de António Costa tudo tem sido um” mar de rosas”, e refere-se a esse propósito que, “em 2011, quando o ensino superior foi desvalorizado, a escola pública atacada, as escolas superiores de educação desprezadas, a profissão de Professor absolutamente ignorada. Ou seja, foi passada a ideia de que existia ensino superior a mais, financiamento a mais e estudantes a mais” , e tudo isso mudou com os governos de António Costa.
Nada disto é verdade, a desertificação do interior a quebra de estudantes e de pessoas tem a ver com a falta de políticas de coesão que TODOS os governos têm apostado em ignorar, tem a ver, por exemplo, com a lei eleitoral que faz com que estes “territórios” pouco ou nada contribuam para vitórias eleitorais – para dar um exemplo, o Alentejo TODO elege 7 deputados – , mas não tem a ver com as políticas para as IES do governo PSD/CDS (antes tivesse).
Nunca se passou a ideia de que havia ensino superior a mais, nem financiamento a mais, nem estudantes a mais, pelo contrário, a realidade era que um país na bancarrota tinha estudantes a emigrar (agora ainda tem e até mais), um orçamento globalmente restritivo (não havia dinheiro) mas, e apesar disso, manteve todas as IES a funcionar.
Passa-se a ideia de que tudo mudou. É falso, houve realmente aumentos absolutos consideráveis nos orçamentos distribuídos, mas esses aumentos absolutos não cobriram, de forma alguma, a reposição salarial (justa), a diminuição dos horário de trabalho para 35 h (justa), nem o desbloqueamento de carreiras (justíssima) nem, mais recentemente, a inflação ou todos os custos com a pandemia (nada ocorreu!).
Os orçamentos disponíveis diminuíram.
Portanto nenhum dos pressupostos é realista.
Por outro lado, as consequências referidas – “aumento do número de estudantes (nacionais e internacionais) no ensino superior e do orçamento das instituições; valorização das carreiras e das várias formações do ensino superior; maior participação em projetos europeus de investigação e inovação; financiamento específico para formação, investigação e inovação; participação e liderança em universidades europeias.” – são fruto do esforço das universidades, dos seus docentes e dos seus investigadores que insistem em se afirmar contra tudo e contra todos. E, acreditem, tem sido CONTRA TUDO E CONTRA TODOS.
E TODOS são os diferentes governos que consideram as IES como uma despesa e não como um investimento.
Quanto a este assunto, penso que estaremos esclarecidos.
Algumas políticas, em todos os governos, são positivas, nenhuma resolve o problema do crónico subfinanciamento e nenhum governo ousou, sequer, olhar para o sistema “vendo” a sua diversidade e todos têm insistido em tratar por igual o que é diferente!
Posto isto, vamos então ao cerne da questão: Nova proposta do diploma de acesso.
É verdade o que se escreve na crónica já referida: “Hoje, cada IES tem a liberdade para definir como critério de acesso às suas licenciaturas uma ou duas provas específicas, após aprovação da Direção Geral do Ensino Superior (DGES)”, e a alteração do elenco de provas de ingresso só pode ter impacto (desde que mais exigente) após 3 anos, para “não defraudar as expectativas dos estudantes”.
No entanto, tal como é referido, “atualmente 75% dos cursos exigem apenas uma prova de acesso e cerca de 6 mil estudantes (em 2019) tiveram positiva em apenas um exame nacional”.
É, portanto, quase indiscutível afirmar que esta alteração vai diminuir, bastante, o número de candidatos e, consequentemente, é óbvio que esta diminuição irá afetar as IES mais frágeis (as do interior), podendo colocá-las, mais uma vez, numa situação de extrema fragilidade que, não podemos acreditar (ou não queremos), que alguém queira.
Mas a questão não pode ser vista apenas deste modo, a questão é perceber porquê? Qual a justificação para esta alteração? O objetivo parece ser aumentar a exigência, por se considerar que os estudantes, atualmente, “entram” na Universidade “mal preparados”.
Poderá ser verdade (!?), mas resolve-se o quê com esta alteração?
Se realmente se considerar que estão mal preparados, seria, eventualmente, útil que os dois ministérios, da Educação e do Ensino Superior, conversassem, e que quaisquer decisões fossem coordenadas. Só por si, a alteração proposta não irá melhorar a formação dos estudantes do secundário, é dúbio que torne o acesso mais exigente, mas é seguro que diminuirá o número de candidatos.
Então estamos a fazer o quê? “Tapar o sol com a peneira” (com a consequência de fragilizar, e muito, Instituições já frágeis e imprescindíveis ao País)?
Porque a realidade é esta, argumentar que os custos de ensinar, investigar e produzir ciência no Interior são demasiados elevados, como escreveu o Presidente do Politécnico da Guarda (em artigo no Observador), é necessário abrir horizontes e não olhar para o Orçamento do Ensino Superior isoladamente, mas sim no contexto do País (os ministérios não são herméticos) e fazer as contas certas: “O ponto não é somar o que custa ter ensino superior em Vila Real, Bragança, Guarda, Castelo Branco, Portalegre, Évora, Beja etc…: o ponto é comparar o que custará ao país, como um todo, deixar de ter, todos os anos, jovens – portugueses e estrangeiros, nomeadamente da CPLP – nestas cidades e regiões!“
É incalculável!
ACORDEM! Há mais País para além do que se acotovela no Litoral e se atropela em Lisboa e Porto.