Uma das primeiras coisas que se aprende em Psicologia do Desenvolvimento é que os bebés nascem já com uma preferência bastante clara por tudo o que se assemelha ao rosto humano. Desde os primeiros minutos de vida que os bebés olham mais fixamente para todas as formas que se assemelham a um rosto do que para qualquer outra. Sabemos que, desde as primeiras horas de vida, os bebés procuram reproduzir as expressões faciais dos adultos. Isto demonstra que está gravada nos genes esta importância que os rostos têm para o desenvolvimento e para o relacionamento dos bebés com os cuidadores. E as expressões faciais são fundamentais para que as crianças aprendam a decifrar emoções, para que possam sentir-se seguras com os adultos que cuidam delas.
Nos primeiros dois anos de vida está em desenvolvimento sobretudo o hemisfério direito do cérebro que está mais ligado às emoções. Isto demonstra que nos primeiros anos de vida os bebés fazem uma leitura das emoções que os adultos expressam muito mais do que através das palavras, mas para que essa leitura seja eficaz é fundamental que tenham acesso ao rosto completo das pessoas com quem estão, coisa que deixou de acontecer nas nossas creches desde há dois anos. E não podemos esquecer-nos também de questionar que impacto terá nos bebés que passam os primeiros dias num hospital o facto de nunca terem acesso a um rosto completo e como é que isto poderá interferir no seu instinto de vinculação.
Neste momento os professores e educadores são unâmimes ao afirmar que as crianças têm mais atrasos na linguagem, mais dificuldades de aprendizagem e mais problemas de comportamento e dificuldades de relacionamento. Dispararam os casos de ansiedade, depressão e automutilação nas crianças e jovens. A culpa não será só das máscaras mas de todas as medidas e do clima social que se criou nos últimos dois anos. Acontece que as máscaras são ainda a lembrança de toda essa pressão e violência que foi exercida sobre as crianças e jovens e as máscaras nas escolas continuam a transmitir a mensagem de que elas não são lugares seguros e de que eles podem pôr em risco os mais velhos, invertendo completamente tudo aquilo que uma sociedade saudável deveria fazer e representar: a protecção dos mais novos. Porque já sabemos há muito tempo que este vírus nunca representou um perigo para eles.
Por esta altura com certeza que já todos tivemos a experiência de nos relacionarmos com pessoas que nunca vimos sem máscara. Quando isto acontece vamos imaginando (de forma nem sempre consciente) as expresssões que a pessoa poderá estar a fazer por trás da máscara e as formas da sua cara. E quando temos possibilidade de a ver de rosto destapado há uma sensação de estranheza porque aquela pessoa afinal não corresponde bem ao que imaginámos e quase sempre ficamos desiludidos, porque a nossa imaginação consegue ser bem melhor do que a realidade. Acontece que, como adultos, temos mais facilidade em imaginar as partes que a máscara nos impede de ver porque já temos muita experiência de ver rostos destapados. Mas não podemos presumir que as crianças tenham a mesma facilidade e já existem estudos que demonstram que quanto menor for a idade mais difícil é fazer a leitura das emoções de rostos mascarados.
Mesmo para os adultos há uma base sólida de estudos que sustentam que é mais difícil fazer a leitura das emoções quando as pessoas usam máscara. Também temos alguns que dizem que usar máscara não dificulta muito mais a leitura das emoções do que usar óculos de sol e alguma imprensa aproveita-os para afirmar que afinal as máscaras não são um obstáculo assim tão grande. Parece que se esquecem de que nunca ninguém foi obrigado a usar óculos de sol e que nunca nos incutiram a ideia de que algo terrível aconteceria se os tirássemos quando falamos com alguém. Além de que um dos estudos que chegou a esta conclusão analisou apenas quatro emoções em que por acaso (ou não) os olhos têm um papel muito importante.
Neste momento até já existem estudos que demonstram que usar máscara nas escolas não fez nenhuma diferença nas taxas de contágio e temos vários países que nunca obrigaram as crianças a usarem-nas, sendo que, numa boa parte dos que impuseram máscaras nas escolas, estas eram usadas apenas para circular nos corredores e não o dia inteiro. O próprio CDC reconheceu que as máscaras de pano podem até fazer mais mal do que bem.
Também foi divulgado na imprensa um estudo do CDC que concluía que as máscaras ffp2 eram eficazes a prevenir o contágio. Faltou dizer que o efeito era relativamente modesto, que esta protecção era apenas para o próprio e que a forma como foram obtidos os sujeitos da amostra foi bastante questionável e pode ter levado a um enviesamento dos resultados.
Apesar disso este estudo levantou uma questão importante: as máscaras ffp2 protegiam quem as usava e não as outras pessoas. Isto é importante porque durante estes dois anos nos levaram a acreditar que usávamos máscara para proteger os outros. Ora se eu tenho o direito de escolher que riscos quero correr, naturalmente não terei o direito de por os outros em risco e por isso este argumento é tão perverso, porque na verdade não existem bases científicas sólidas que sustentem que usar máscara protege as outras pessoas do nosso contágio. No entanto criou-se durante estes dois anos uma ideia de que quem não as usa não está preocupado em proteger os outros. E com a moralização deste e de todos os rituais que fomos criando em torno deste vírus criou-se um clima que impede o questionamento desta e de outras medidas absurdas ao mesmo tempo que se diz que devemos seguir a ciência, como se esta fosse a nova fé inquestionável e indiscutível. E em matérias de fé, ao contrário daquilo que deveria acontecer na ciência, realmente não adianta questionar nem tentar racionalizar. Assim, mesmo que a ciência nos mostre que o uso de máscaras pela comunidade parece ter muito pouco impacto nas taxas de contágio ao mesmo tempo que tem um impacto grande na saúde mental de quem as usa, nada disto parece ser tido em conta na altura de tomar decisões.
Considero que o exemplo mais absurdo desta falta de racionalidade em que mergulhámos nos últimos anos é o zelo com que se besuntam as crianças à entrada das escolas e, em muitos casos, várias vezes por dia, com uma substância que não faz grande coisa em relação ao vírus que se espalha pelo ar, mas que lhes destrói a flora bacteriana das mãos e leva à absorção de álcool pelo organismo o que, quando pensamos em crianças, terá certamente alguns efeitos lesivos.
A DGS tem tratado as escolas como qualquer outro espaço público e isto demonstra um enorme desrespeito e também desconhecimento daquilo de que uma criança precisa. Uma criança a usar máscara na escola o dia inteiro não pode ser encarada da mesma forma que um adulto a usar máscara num transporte público, nem sequer que um adulto a usar máscara o dia inteiro no trabalho. Porque o impacto de uma máscara num adulto é diferente do impacto nas crianças ou jovens e isso parece esquecido desde que estas normas começaram. Nunca foi realmente avaliado o custo emocional das medidas aplicadas às crianças e jovens e agora até já temos os especialistas que as defenderam na altura a reconhecer que provocaram imensos estragos.
A directora da DGS afirmou que as crianças já estão habituadas às máscaras. E infelizmente isto é uma realidade, as crianças e os adolescentes estão habituados às máscaras da mesma maneira que, em muitos casos, também estão habituados a passar os dias em frente a ecrãs, a comer coisas que lhes fazem mal, a não fazer exercício e, infelizmente, em casos mais drásticos, também temos crianças que estão habituadas até a ser maltratadas ou a passar necessidades. Isto quer dizer que não vale a pena mudar essas condições?
Temos ouvido dizer mais do que nunca que as crianças se adaptam. E isso também é verdade. As crianças adaptam-se mais depressa que os adultos sim, o problema é que isto nem sempre é uma vantagem. As crianças adaptam-se mais depressa porque ainda estão a tentar perceber o mundo, a si próprias e às relações, ainda estão em desenvolvimento e o seu cérebro ainda é muito moldável. Mas isto também pode funcionar contra elas, porque nessa adaptação ficam gravadas muitas coisas que nem sempre são desejáveis. As crianças podem adaptar-se a um mundo sem rostos completos, a um mundo sem sorrisos. Mas não podemos é esquecer que esta adaptação tem um preço. E esse preço pode ser muito elevado em alguns casos. Muito do sofrimento que vivemos enquanto adultos vem justamente das adaptações que precisámos de fazer em crianças para conseguir sobreviver.
Mas como um outro estudo também demonstrou, houve uma moralização da resposta a este vírus que fez com que se tornasse muito mais fácil suportar os prejuízos causados pelas medidas do que aqueles que o vírus pode causar. De repente deixámos de nos importar com o desenvolvimento das crianças, com a saúde mental da população em geral e com os danos económicos que estas políticas claramente trouxeram (que por sua vez trazem mais doença, porque a pobreza gera doença e limita a nossa capacidade de a combater) desde que não morra ninguém por covid. Até quando é que vamos deixar que o número de pessoas que morrem com ou de covid limite as nossas vidas e prejudique o desenvolvimento dos nossos filhos? Nunca o fizemos com nenhum outro vírus. Quando é que vamos perceber que a covid não vai desaparecer e que tudo o que fizemos para tentar travá-la tem criado mais danos que benefícios?
Já que a DGS e o governo parecem não ter a mínima preocupação com a saúde mental das nossas crianças e jovens parece que resta aos pais tomarem uma posição. A verdade é que já vejo muitos adultos em locais onde a máscara ainda é obrigatória sem a usarem ou a terem-na apenas abaixo do queixo, isto acontece todos os dias nas escolas, nos transportes e até nos hospitais com médicos, enfermeiros e auxiliares e já ninguém parece importar-se muito. A diferença aqui é que estas pessoas são adultas e têm mais poder de decisão do que uma criança. Por isso pergunto: o que aconteceria se todos os alunos resolvessem aparecer na escola sem máscara? E de que é que estamos à espera para lhes permitir isso mesmo sem autorização do governo? Afinal de contas são os pais os principais responsáveis pela saúde mental dos seus filhos, não o estado.