As rentrées políticas, sendo interessantes para quem analisa o fenómeno partidário, são acima de tudo bastante aborrecidas. Primeiro, porque surgem como quem anuncia que o regresso à vida normal está para breve. Segundo, porque nunca trazem nada de substancialmente novo. Na verdade, o país a banhos ou fora deles, no resto do ano, passa bem sem a companhia quotidiana de uma vida política que se tornou quase que um espectáculo de variedades e de reality show permanentes, de anúncios inconsequentes, críticas conhecidas, vacuidades e escândalos variados. Talvez fosse mesmo útil que as rentrées partidárias fossem substituídas por uma grande rentrée civil, assim quase como que tirando o país dos banhos e mergulhando-o directamente num outro mar social e cívico.

Há mais de dez anos, e porque toda a gente já teve fases piores que outras, estava eu sentado numa assembleia municipal de um concelho nos subúrbios de Lisboa, na bancada de um partido da oposição à direita, onde comunistas ufanos faziam gala da sua maioria política. Numa das sessões, em fase de período aberto à população, um munícipe agarrou no microfone e exibiu o seu descontentamento, depois de, segundo dizia, já ter alertado o presidente de junta, o presidente de câmara, o vereador. Ali se dirigia, uma vez mais, para apelar aos representantes concelhios do povo para que lhe resolvessem um grave problema. Esse problema era simples: o homem vivia ao lado da casa mortuária e, sempre que havia velórios, na manhã seguinte ficava com o pátio da porta cheio de pontas de cigarro. Nalguns casos sincera, noutros algo dissimulada, observei ao meu redor um generalizado repúdio pelo comportamento dos atiradores de beatas (que partilhei, naturalmente), mas também uma igualmente generalizada solidariedade para com o problema do cidadão. Executivo municipal, vereadores da maioria e da oposição, presidentes de junta, membros da assembleia municipal de todas as cores políticas manifestaram a sua disponibilidade para resolver a questão das beatas em dias de velório à porta do homem.

Se pensar bem, talvez esse dia tenha sido decisivo para compreender que para ter algum sucesso na política era preciso ter algo que eu continuo a não ter: a ideia de que os nossos problemas se resolvem mais pela acção de terceiros e pela força coerciva do Estado do que pela minha conduta privada. Por entre toda aquela onda de compreensão política, na minha cabeça ecoavam só perguntas: por que razão não varria ele as beatas?, por que raio não comprava um cinzeiro grande e ali o colocava com um aviso bem visível?, porque é que não falava com os vizinhos e pensavam juntos numa forma de resolver o problema?

Eu não espero nada dos espectáculos em versão comício de camisas brancas que aí vêm. Programas, alternativas, ideias para o país, é indiferente. A única ideia para o país que me parece razoável e para a qual não nos faz falta coisa alguma é esta: que se varra o patamar da nossa porta. No regresso ao quotidiano, podia ser um grande momento político. Pode ser que esteja a exagerar. Num país onde toda a gente acha que tem direito a tudo e que são os outros quem tem o dever de o proporcionar, talvez esteja a pedir um mar de impossibilidades. E vendo bem, carne assada e retórica sempre servem para abrir telejornais. Continuai, pois, as merecidas férias.

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