Numa sociedade que glorifica a juventude, há a tendência para se esconder a velhice. Como se fosse uma doença inevitável a que estão sujeitos aqueles que passaram o teste do tempo. Como se, chegados a idosos, devessemos morrer em silêncio e sem incomodar o mundo que continuará a girar sem nós. Há sociedades mais evoluídas, que não têm esta tendência para nos separar em grupos e muito menos etários. Mas, em Portugal, os idosos são abandonados nos hospitais pelos parentes, morrendo esquecidos num canto qualquer e sem um pingo de humanidade. Trabalharam uma vida inteira e sozinhos pagaram impostos que sustentariam o fim de vida num Hotel de cinco estrelas, com meia-dúzia de médicos e vinte enfermeiras em cuidados ininterruptos. Mas o Estado atual não quer saber, não se importa. Prefere construir narrativas onde os culpados são os privados, a falta de meios, a injustiça burguesa, as alterações climáticas – todos são culpados, menos o próprio Estado e quem trabalha nestas instituições. Apesar de ser uma catástrofe invisível e todos se desembaraçarem com um encolher de ombros, é o maior sinal de decadência da nossa civilização.

O envelhecimento da sociedade portuguesa está a ser rápido e implacável. Muito se tem falado da substituição populacional, mas todos se esquecem da questão do bem-estar da população envelhecida. A não ser pequenas medidas avulsas e modestas organizações, não há programas de ocupação e modelos públicos capazes de satisfazer as necessidades da população idosa. Perante uma inconcebível falta de lares de idosos, pululam os lares sem regulamentação, onde há relatos de tortura que são absolutamente indescritíveis. Se é certo que a justiça tem perseguido e fechado algumas destas casas, há um problema inquietante que tende a aumentar e ficar impune: em IPSS e algumas instituições que recebem dinheiros estatais e camarários. Enquanto os diretores recebem salários principescos com o nosso dinheiro (dos contribuintes), há realidades em que os idosos vivem situações que resultam na humilhação e até na morte. Um caso conhecido é o do Lar do Comércio em Matosinhos, onde os idosos nacionais foram tratados pior do que animais. Segundo a imprensa, os diretores e a IPSS foram acusados de 67 crimes de maus-tratos, sendo que 17 agravados pelo resultado morte. Por alguma razão, no final o Ministério Público deixou cair 49 crimes e incluindo os mortais. Nas alegações finais falou-se de “idosos amarrados a cadeiras, falta de limpeza, pessoal médico e auxiliares, alimentação inadequada, falta de cuidados básicos de higiene, os utentes eram transportados ao hospital sem qualquer acompanhamento, estando em vários dos casos relatados, desorientados e dependentes.” Resultado? Pena suspensa, claro, pelo Tribunal da Relação. A IPSS ficou de pagar 500 mil euros, mas conseguiu baixar para os 90 mil. E como sabemos como funciona a justiça dos ricos neste país, jamais seriam presos até recorrerem indefinidamente ou prescreverem.

Há soluções habitacionais e modelos de gestão públicos que funcionam em outros países. Mas não em Portugal, onde tudo é complicado e custa demasiado, principalmente se não for para o bolso das pessoas certas. Vivemos num país de instintos básicos e animalescos, onde falta racionalidade e a compaixão. O maior problema é que está provado que os cuidados de longa duração estão assentes em modelos que já resultaram em outros países. Houve um ministro que falou em mudar o paradigma das IPSS, mas é evidente que as soluções simples e eficazes não podem acontecer em Portugal. Quando se fala nisto, há muita gente que fica logo com medo de perder o emprego. Sim, é nojento. De nada serve dizer que se trataria de requalificação profissional e melhoria das carreiras, muito menos apelar ao mais básico sentido de humanidade. Há uma corrente cada vez mais visível de portugueses que está muito preocupada com a substituição populacional. Mas são os mesmos que não se preocupam que sejamos cada vez mais egoístas e pouco solidários com os nossos.

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