Morreu a semana passada, objectivamente assassinado por ordem de um órgão de soberania do Estado francês, um homem de 42 anos que, segundo a informação disponível em diversos media, há 11 anos estava em estado vegetativo permanente, depois de sofrer um traumatismo crânio-encefálico num acidente de viação. Ou seja, com critérios médicos verificados para esta situação neurológica, em que o estado de consciência e as capacidades de cognição ficam gravemente lesados, embora o doente mantenha períodos em que está neurologicamente acordado.

Caracterizam esta situação, ainda o facto das funções cognitivas (comunicação, pensamento, movimentos voluntários, etc.) ficarem gravemente afectadas, mas as funções vegetativas principais – digamos assim – se manterem, permitindo ao doente respirar espontaneamente (sem necessidade de “máquinas” que ventilem artificialmente os pulmões); e possibilitando que o coração e a circulação do sangue se mantenham a funcionar sem suportes artificiais; para além de outras funções fisiológicas dependentes dos automatismos naturais do sistema nervoso vegetativo, indispensáveis à vida, como, por exemplo, as respeitantes à ingestão e digestão de alimentos ou as renais e urinárias, hormonais, etc..

Quem pretenda saber um pouco mais sobre esta terrível situação patológica, sugiro ler, por exemplo, o artigo da Wikipedia, intitulado Persistent vegetative state.

Trata-se de uma situação indubitavelmente dramática, de alguém que está indiscutivelmente VIVO, alternando períodos em que pode estar neurologicamente a dormir ou acordado, mas, como referi, gravemente afectado na sua capacidade cognitiva e de consciência, e também de comunicação. Mas, estando indiscutivelmente VIVO e não morto, nem em coma propriamente dito, nem agónico às portas da morte, mantem o direito elementar e absolutamente fundamental que lhe advém da necessidade básica da alimentação, incluindo as necessidades de água.

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Este direito elementar mantém-se, mesmo que a administração da alimentação e da água dependa de meios artificiais, como, por exemplo, a introdução directa no estomago, através de sondas especiais; ou directamente na corrente sanguínea, através de dispositivos – hoje comuns – que as debitam lentamente ao longo do dia.

Tratando-se de um direito/necessidade básico de qualquer ser vivo – e, por maioria de razão de qualquer ser humano, independentemente do seu desenvolvimento ou estado de saúde – o meio ou modo de o fazer são irrelevantes e não devem ser considerados desproporcionados e muito menos configuram aquilo a que se chama encarniçamento terapêutico. A alimentação em si mesma não é, normalmente e como é razoável pensar, uma terapia ou tratamento; é, insisto, uma necessidade natural básica, fundamental e elementar de qualquer ser humano.

É principalmente por esta razão que, já em Agosto de 2008, em carta endereçada ao Conselho Nacional Executivo da Ordem dos Médicos, eu próprio propus que se introduzisse na sua proposta de um novo Código Deontológico a seguinte alteração, entre outras: Artigo 59º (Morte)[…]5. Não se consideram meios extraordinários de manutenção da vida, mesmo que administrados por via artificial, a hidratação e a alimentação; nem a administração por meios simples de pequenos débitos de oxigénio suplementar. (ver: Revista Ordem dos Médicos, Ano 24, No 93, Setembro 2008, pp. 36-42;)

Graças a Deus, é ainda esta, ipsis verbis, a redacção que se mantém no nº 5 do Artigo 67º do Regulamento no 707/2016 que constitui o actual Regulamento de Deontologia Médica da Ordem dos Médicos portuguesa (cf. DR, 2a série – No 139 – 21 de Julho de 2016, pp. 22575-22588).

Assim, mesmo considerando que Vincent Lambert é um cidadão francês, entregue à responsabilidade de uma instituição de saúde localizada em França, é-me legítimo manifestar a minha profunda indignação, antes do mais enquanto seu irmão na humanidade, médico e concidadão europeu – aquém ou para além de quaisquer legítimas considerações de ordem religiosa – por esta morte por inanição, à fome e à sede, conscientemente provocada a um inocente, na sequência imediata de uma ordem condenatória de um tribunal, que só se torna inteligível se na mente dos juízes a alimentação não for considerada um direito natural, fundamental, básico e elementar…

Infelizmente, não é este, o primeiro caso do género, ao nível europeu. Que Estado de Direito é este? Que Direito é este? A observação da Lei Natural terá desaparecido totalmente da mente dos juízes franceses que julgaram este caso?

É com são regozijo que verifico que a Igreja Católica já em 2007, respondia nos seguintes termos, a escrupulosas dúvidas sobre esta mesma matéria, levantadas pelos Bispos dos Estados Unidos da América:

  • «A subministração de alimento e água, mesmo por vias artificiais, é em linha de princípio um meio ordinário e proporcionado de conservação da vida. Torna-se, portanto, obrigatória, na medida em que e até quando ela mostra conseguir a sua finalidade própria, que consiste em assegurar a hidratação e alimentação do doente. Assim, se evitam os sofrimentos e a morte por inanição e desidratação».
  • «Um doente em “estado vegetativo permanente” é uma pessoa, com a sua dignidade humana fundamental, a quem, portanto, são devidos os cuidados ordinários e proporcionados, que compreendem, em linha de princípio, a subministração de água e alimento, mesmo por vias artificiais».

Oh França da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (de 1789), é isto o que permites? E tu, oh Europa, berço da civilização ocidental, para onde estás a caminhar?

Médico e leigo católico
11 de Julho de 2019