Foi notícia a agressão por parte de oito alunos, entre os 13 e os 16 anos, de um colega de 11, dentro de um escola de Vimioso, que terá ocorrido diante da presença de outras 20 crianças e de uma funcionária da escola que, tal como elas, alegadamente, nada fez. Ao que consta, esta criança de 11 anos terá sido sodomizada com um pau de vassoura. Havendo quem se pergunte se aquilo que sucedeu terá sido uma “brincadeira estúpida” ou uma “agressão sexual”.

Há uma diferença enorme entre as “piadas parvas”, as picardias, os atritos, as fúrias e as bulhas e o bullying e a violência declarada. Aprender a sentir a ira e a manifestá-la com lealdade e com maneiras faz parte do crescimento indispensável de um adolescente. Mesmo que, como acontece entre os irmãos, isso se faça com episódios, alguns deles, bem feios.

A agressividade é um património da Humanidade. E quanto mais um adolescente aprende a linha que separa a ira sem regras da urbanidade mais cresce saudável. Porque percebe que o jogo usa a agressividade dentro dos limites da lealdade. Porque proteger inclui, também, nalgumas circunstâncias, um quanto baste de agressividade. Tal como competir. Ambicionar. Reagir à dor. Etc. Portanto, um mundo de crianças atiladas e certinhas não é, seguramente, um mundo de crianças seguras, na medida em que usar a agressividade dentro do que é sensato e equilibrado nos ajuda a defender, a afrontar a surpresa ou o imprevisto. A rivalizar. A vencer o medo. Ou a desbravar caminhos.

Mas agressividade e violência não são a mesma coisa. E agressividade com lealdade e com maneiras, muito menos. A violência, seja ela física, psicológica ou sexual é uma manifestação de doença psicológica. Manifeste-se ela pela violência declarada, pela humilhação, pelo ultraje ou pela intimidação recorrente. Seja uma violência que se traduza em actos solitários ou arrastada por um grupo. Seja ela protagonizada por um adolescente ou traduza-se por omissões de auxílio.

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Se a violência representa um traço doente da personalidade (a que não se chega de forma aleatória) isso não quer dizer que se confunda a compreensão do modo como ela se desencadeia com a condescendência que essa compreensão traga consigo.

Porque a escola deve ser um local onde se educa e ensina, e porque representa um bem precioso e insubstituível, qualquer manifestação de violência em contexto escolar é uma renúncia à humanidade e um ataque à própria escola. Logo, deve merecer sanções exemplares.

Voltando a Vimioso, se o episódio se deu exactamente como ele chegou aos jornais, não há como confundir uma agressão sexual com uma brincadeira estúpida. Se o aluno foi, de facto, sodomizado, estaremos diante dum caso de polícia. Que merece uma leitura ponderada de um procurador. E as medidas judiciais equilibradas que daí decorram. Sendo que os 13 e os 16 anos carecem de leituras e intervenções distintas.

Por outro lado, se o bullying, que já está nos primeiros degraus da violência, obriga a escola a ser célere e atenta e, mais importante, a agir protegendo as vítimas, as medidas que uma escola entenda promover no sentido de castigar um acto como a violência sexual, não deixam de a obrigar a denunciá-lo junto de instâncias judiciais, de forma a que com esse contraditório se chegue para mais perto da justiça.

Seja como for, questiona-se se fará sentido que, depois da suspensão dos alunos agressores, como terá acontecido, vítima e quem vitimiza continuem a conviver na mesma escola. E a resposta será: não! O que será tanto mais delicado quando um dos agressores, para além de conviver com ela na própria escola, coabita com a vítima e é seu irmão.

Todavia, diante de circunstâncias graves assim, os pais de quem violenta devem, eles próprios, ser objecto de avaliação prudente, de forma a que se conclua até que ponto poderão ter sido negligentes no modo como terão contribuído para a que a violência de quem violentou se tenha declarado com tamanha brutalidade. E, se assim se entender, dentro do que for considerado justo, serem co-responsabilizados por aquilo que sucedeu.

Também quem omitiu o auxílio tem de merecer medidas sancionatórias. Mais graves, ainda, como se é funcionário de uma escola e se terá negado o auxilio.

Por último, também a escola em questão merece uma reflexão profunda em relação ao modo como tudo se deu. Para que, com humildade, se perscrutem as omissões que, porventura, poderão ter existido que, de forma lateral, possam ter contribuído para um acto como este.

Mas surgiram, entretanto, outras notícias relativamente ao episódio de Vimioso. Afirmando que talvez o episódio tivesse sido “só” uma “brincadeira estúpida”. Em que esta criança de 11 anos terá sido “só” despida, num corredor da escola, diante dos mesmo 20 adolescentes e da mesma funcionária, lhe terão baixado as calças e terão “só” simulado um exame da próstata. O “só”, como compreendem, é uma forma ácida de pôr as coisas. Se o episódio tiver sido “só” assim – o que carece, todavia, de clarificação – não deixa de ser muito grave. Porque humilhar e ultrajar, em público, diante da presença de 20 colegas e de uma funcionária (!), no espaço escolar (!) não é “só” uma “brincadeira estúpida”. Uma “brincadeira estúpida” desta dimensão merece medidas de protecção da vítima que sejam inequívocas. E sanções claras. E a mesma atitude de avaliação das famílias. E consequências claras para quem omitiu o auxílio. Porque tudo isto não deixa de ser violência. Grave! E em contexto escolar. Que exige que a própria escola assuma as suas responsabilidades. Mesmo quando se afirma que a vítima terá dito que o episódio se tinha tratado “só” de uma brincadeira.

Depois de uma violência pública destas, protagonizada pelos mesmos 8 colegas, que voltarão à escola depois dos dias de suspensão que terão tido, grupo que inclui o próprio irmão, quando o alarme público dispara e a própria escola está em cheque, e diante da inquirição acerca do ocorrido feita por elementos da própria escola, como é que se espera que uma criança de 11 anos, maltratada, e avaliada (ao que consta) só uma semana depois de tudo ter acontecido, poderá ter autonomia e coragem para assumir outra coisa sem que tema represálias, comentários ultrajantes e insultuosos e outras brincadeiras “só” estúpidas?

Sodomia ou “brincadeira estúpida” estamos diante de um abuso grave em contexto escolar. Que carece de urgente e minuciosa averiguação. Até porque uma criança não pode ser maltratada, sem consequências, em contexto escolar. Porque não deixa de ter direito à sua integridade. À sua privacidade. Ao seu bom nome. E à sua imagem. Até para que, de tudo isto, se retirem as consequências indispensáveis quer para episódios de bullying, para “brincadeiras estúpidas” ou para violência sexual ocorridas noutras escolas.

Os adolescentes não são, hoje, mais violentos. Mas a sua violência, quando existe, não pode deixar de nos levar a perguntar até onde as nossas omissões contribuem para ela. E não pode deixar de questionar o nosso papel nisto tudo, que nos coloca, muitas vezes, como cúmplices por omissão da violência em meio escolar. E isso mau! E é bem pior que uma brincadeira “só” estúpida.