Sobre a chamada lei dos “vistos gold” o Partido Socialista apresentou uma proposta de alteração ao Orçamento do Estado. Esta consiste em excluir todo o litoral do país de uma medida para “favorecer o investimento”, expressão decalcada da própria proposta. Atualmente é concedida autorização de residência em Portugal a quem realizar uma de várias atividades de investimentos, entre as quais se inclui a aquisição de bens imóveis. Num país que precisa de investimento privado como de pão para a boca, o PS acaba por reconhecer que os Vistos Gold são um instrumento de atração e captação desse investimento. Tanto que esta proposta procura promover esse investimento no interior do país. Mas em lugar de promover esse investimento em concertação com o litoral, propõe fazê-lo em oposição a essa parte do país.
Com a proposta do PS apenas as regiões do interior, Madeira e Açores podem beneficiar dos “vistos gold” que, repito, os socialistas assumem servir para “favorecer o investimento”.
Infelizmente, as atenções mediáticas no momento desta proposta do PS estavam capturadas por dois partidos: o Livre e o Chega. Classifico de infeliz toda esta atenção mediática, porque as propostas e reações às mesmas navegam entre o frágil e o inútil dentro da discussão do Orçamento de Estado. Quando devíamos estar a discutir decisões fundamentais para a economia da próxima década.
Esta proposta do PS também pode merecer uma classificação infeliz pela fragilidade ou mesmo pela inutilidade da medida.
Não existe qualquer estudo económico que permite aferir qual o efeito real destas medidas (dos “vistos gold”) no litoral do país. Isto significa que não sabemos se o impacto económico é muito ou pouco, positivo ou negativo. Por outro lado, não sabemos qual o eventual impacto económico que se espera no interior do país. É frágil a medida para “favorecer o investimento”, quando não sabe qual o potencial alcance económico que pode ter.
Se a medida tem, eventualmente, o objetivo de reduzir a pressão imobiliária nos centros urbanos do Porto e Lisboa, torna-se totalmente inútil nas regiões do litoral do país onde o mercado imobiliário tem uma dinâmica muito diferente destes centros urbanos.
Num esforço adicional para encontrar fundamento nesta proposta do PS, poderemos analisar a coincidência da proximidade da data desta proposta e das declarações do Bloco de Esquerda que considera os “vistos gold” e as notícias do caso Luanda Leaks a mesma coisa. Ainda que o Ministro Mário Centeno, em resposta ao Bloco de Esquerda, tenha dito que são situações distintas, todos sabemos que está na moda o PS fazer o contrário do que o Ministro das Finanças diz.
Mesmo que se tentasse ensaiar essa “colagem”, “Luanda Leaks” vs “vistos gold”, ela seria contraditória com o facto de várias outras medidas previstas nesta lei manterem-se em vigor em todo o território. Ou seja, um investimento que crie 10 postos de trabalho ou que aplique €350.000 para criar uma empresa no Porto, Lisboa e restante litoral dá acesso à autorização de residência. Esta proposta de alteração exclui o litoral do país continental apenas para a aquisição de imóveis. A restante lei dos “vistos gold” mantém-se.
É estranho que o Primeiro Ministro tenha escolhido a península de Setúbal para anunciar a eliminação de uma medida que, como descreve a proposta, serve para “favorecer o investimento”. Porque é a região do litoral do país com o menor PIB per capita. O local onde a proposta do PS é anunciada é a mesma que pede medidas para “favorecer o investimento” face a Lisboa que, pela sua atratividade como capital do país, “desvia” muito do investimento para si.
Em termos práticos, esta proposta de lei pretende “deportar” o investimento do país, porque nada indica que o investimento do Porto e Lisboa se vai transferir para o interior. É mais provável que vá para outro país que tenha características semelhantes a estas cidades.
A análise a esta proposta do PS não retira a pertinência de rever esta lei, de forma a beneficiar as regiões que mais precisam de investimento e eventualmente a aumentar a exigência para “vistos” em outras, onde a velocidade da economia é maior. Nem esta análise implica qualquer indicação de sentido e voto do PSD, porque a dinâmica parlamentar é gerida pela direção do grupo parlamentar que olha para a discussão do Orçamento de Estado integrando as propostas numa visão global.
Sendo assim, faz sentido aplicar medidas diferenciadoras em função das regiões, mas as regiões do litoral continental não são todas iguais. Neste caso a península de Setúbal pode servir para anúncios, mas merece mais que isso.