O Governo colocou, como uma das grandes prioridades da sua governação, as alterações laborais num pacote legislativo no âmbito da “Agenda de Trabalho Digno”.

Este foi um processo que o Governo iniciou, desenvolveu e finalizou de forma solitária, sem conseguir consensos na concertação social nem na Assembleia da República.

O Governo não é obrigado a conseguir produzir a melhor legislação laboral sozinho. Mas foi assim que decidiu fazer, sem os parceiros na concertação social e contributos dos partidos na Assembleia da República. O resultado deste processo termina com o Governo a reclamar para si todo o mérito das alterações legislativas, e o resto do país a criticar o Governo pelas alterações que preconiza.

No caso de alterações à legislação laboral o Governo não se pode “dar ao luxo” de fazer profundas mudanças de forma isolada. É errado um Governo diminuir o papel da concertação social e utilizar a maioria absoluta para impor a sua vontade. Especialmente porque a concertação social é um local de permanente diálogo tripartido entre o Governo, confederações sindicais e patronais.

Quando o Governo propõe as alterações à legislação laboral sem acordo na concertação social, esvazia o diálogo entre as confederações patronais e sindicais. Esse diálogo é essencial para “aliviar” as tensões que possam surgir entre os parceiros sociais. E nenhuma maioria absoluta tem a capacidade de se substituir ao diálogo na concertação social.

Aliás, estas alterações à legislação laboral serviram inclusive para o Governo alterar o Acordo de Médio Prazo de Melhoria dos Rendimentos, Salários e Competitividade obtido na concertação social.

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Mesmo com o “mundo em mudança” devido ao aumento do custo de vida, transição energética, interrupção das cadeias logísticas e novas formas de trabalho, o Governo assume ter todas as certezas nas alterações que “atira” para a legislação laboral.

Mas, convenhamos, com a economia mundial a viver a dupla ameaça dos efeitos da pandemia e guerra na Ucrânia, só quem está desatento ao que se passa no mundo é que pode ter certezas. É o caso do Governo. Sente-se seguro em fazer alterações à legislação laboral porque está desatento ao que se passa no mundo.

Recorrendo aos relatórios da “Economist Intelligence Unit” o Fundo Monetário Internacional revelou que o Índice de Incerteza no ano de 2022 ultrapassa os registados em 2019 e 2021. Portanto, as incertezas em que a economia mundial está “enredada” estão em níveis mais elevados do que aos que pudemos assistir nos tempos da pandemia.

Por isso, seria fundamental que o Governo preparasse alterações que ajudassem os trabalhadores e empregadores a robustecer o país para as incertezas económicas. Porque uma das funções da legislação laboral é determinar a forma como os empregadores e trabalhadores partilham os riscos económicos. Se a legislação não cumprir essa função, podem ser provocados desequilíbrios quer para os trabalhadores, quer para os empregadores.

Contudo, o resultado das mais de 150 votações realizadas na Assembleia da República, em sede de especialidade, revelam que o Governo preparou uma profunda alteração ao Código do Trabalho independentemente das incertezas que a economia mundial nos poderá trazer.

Esta legislação ignora as soluções que podiam fortalecer Portugal. Não aborda a realidade de um país onde os trabalhadores têm rendimentos baixos fruto, principalmente, da baixa produtividade do trabalho por hora trabalhada. Porque o valor do trabalho é “esmagado” com burocracia dos custos de contexto na justiça, licenciamentos e fiscalidade.

Se o Governo não tivesse feito nada nunca teríamos percebido que não tem uma visão para o país ultrapassar as ameaças geradas pelas condições económicas e responder às novas formas de trabalho. Até podia haver dúvidas sobre a capacidade de o Partido Socialista conseguir dar a resposta necessária. Mas as alterações legislativas que o Governo propõe só esclarecem que essa capacidade não existe.