Entras de baixa prolongada, por exemplo, três meses. Chega a altura de receberes o subsídio de Natal e o recebido do teu vencimento marca apenas 3/4 do valor que deverias receber. É referido que o restante valor é processado pela Segurança Social (SS). Entra o valor da Segurança Social. Metade do que deverias receber. Ligas para a SS. Respondem que foi um “engano” no processamento. A colega de trabalho ao lado, esteve cinco meses de baixa, aconteceu situação semelhante. Responderam que houve “engano no processamento”. O valor foi restituído… mas só depois da reclamação. Certamente, não se iriam lembrar que tinham dinheiro que não é “deles” na SS.
Felizmente vivo num Estado de direito.
Entretanto para ir trabalhar preciso do comboio. Quando há. Na verdade, já se deixou de o usar. Alternativa? Não há. Toda aquela vila é movimentada por aquela estação. Nos dias em que os comboios prestam o serviço, ninguém lá está. Poucos são os que agora confiam no serviço. Contam-se pelos dedos de uma mão os que agora esperam pelo comboio atrasado, que provavelmente não chegará.
Sim, vivo num Estado de direito.
Decido ir de carro. Autocarros não existem por cá. Aliás nem sei onde é a paragem mais próxima. O caminho não poderia ser pior. As estradas são sintomáticas da falta de investimento deste país. Buracos a cada 10 metros de estrada. Tracejados que já não existem. Sinais de trânsito apagados. Tudo parece uma anedota neste caminho que sou obrigado a fazer.
Parece mentira, mas vivo num Estado de direito.
Ainda penso em recorrer ao tribunal por estas faltas de condições da estrada e dos transportes públicos. Das autarquias e dos serviços públicos já nada vale. Limitam-se a não responder, ou, quando respondem, preferem as respostas vazias e do “tomamos conhecimento”. Não vale a pena ir para tribunal. Não há dinheiro para os custos dos processos e honorários. Além disso somos tratados como animais de criação. Os juízes acham-se donos da autoridade e da verdade. Antes de chegar lá há que ter a capacidade financeiro e o tempo para avançar com o processo. Esqueçam isso, não é para a minha carteira, nem estou para aguardar anos pelos resultados. A justiça não é para pessoas da minha classe social.
Parece mentira, mas vivo mesmo num Estado de direito e democrático.
Entretanto amigos meus desalistam-se dos bombeiros. Salários paupérrimos. Turnos peculiares. Demasiadas horas seguidas de trabalho. Obrigação de dias de “voluntariado”. Condições de trabalho de “terceiro mundo”. Imagino que os das forças de segurança seja idêntico. Locais de trabalho degradados. Quem nunca viu um edifício da PSP quase a cair? Temos números de que somos um país relativamente seguro. Até quando? O desinvestimento está a ser bem feito!
Acreditem no que vos digo, eu vivo num Estado de direito e democrático.
Felizmente ainda sou novo e não tenho de me alistar nas filas de espera dos hospitais ou de um médico de família. Certamente que se tiver algum tipo de problema já estarei preparado para o serviço que não me será prestado quando necessitar. Ou então, quando tiver que colocar uma criança nas creches cheias, ou nas escolas sem professores.
Estou a dizer a verdade, eu vivo num Estado de direito e democrático.
Não se preocupem, quando chegar a velho terei certamente uma bela reforma da Segurança Social, uma saúde invejável que os serviços me garantem. E ainda gozarei de uma habitação própria que certamente vou conseguir adquirir fruto dos meus rendimentos de trabalho.
Enchem-nos os políticos de expressões como: “estado de direito e democrático” ou “direitos, liberdades e garantias”. Aos 26 anos cansei-me de acreditar em algo melhor. Políticos que não conhecem a vida real. Farto de governantes sonsos e cínicos que nos enchem de palavras vazias e sem conteúdo.
O Estado democrático deixou de acontecer no exato momento em que deixei de acreditar que vou viver melhor. Sem esperança. Sem liberdade porque não tenho dinheiro. A única garantia é a de que vou ser maltratado pelo Estado.