O episódio da reintegração ou não de Jorge Silva Carvalho nos quadros do Estado e o pagamento de salários já dura há ano e meio. Há duas semanas, Pedro Passos Coelho e Maria Luís Albuquerque jogaram a última carta para não pagarem os salários reivindicados pelo ex-espião e apresentaram dois recursos ao plenário do Supremo Tribunal Administrativo (STA). O último possível.
Jorge Silva Carvalho, ex-diretor do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa (SIED), pediu, a 7 de Dezembro de 2012, para ser reintegrado nos serviços, tutelados pela Presidência do Conselho de Ministros (PCM). Silva Carvalho queria, também, que lhe fossem pagos os salários desde Janeiro de 2012, altura em que diz que passou a estar desempregado, e que esse tempo contasse como tempo de serviço.
No pedido oficial, o ex-espião pedia para “desistir” da licença sem remuneração de longa duração que tinha requerido em 2010, quando foi trabalhar para a empresa Ongoing. E é neste ponto que, tanto o recurso apresentado por Passos Coelho e pela PCM, quer pelo Ministério das Finanças, se baseiam.
Os recursos, a que o Observador teve acesso, são muito semelhantes na argumentação. No documento entregue em conjunto pelo primeiro-ministro e pela PCM, é dito que “não existe fundamento legal para o pagamento ao recorrido [Silva Carvalho] de remunerações anteriores à manifestação de tal desinteresse [pedido para reintegrar os serviços feito em Dezembro de 2012] e, concomitantemente, para a contagem de tempo de serviço desde Janeiro de 2012”. Ou seja, defendem que não é possível pagar os salários e contar o tempo de serviço anterior ao pedido de reintegração, feito a 7 Dezembro.
No recurso, Passos Coelho e a PCM alegam ainda uma contradição: “Não se pode desistir de um pedido de licença com efeitos ad futurum e peticionar pagamento de remunerações retroativas, correspondentes ao período da licença”. Isto porque, no mesmo pedido, Silva Carvalho pede para ser reintegrado assim que seja possível e pede os salários com data anterior, a Janeiro.
No texto, são feitas várias considerações às ações do ex-espião. É escrito que Silva Carvalho terá “alegadamente” trabalhado no privado, sem que disso haja prova, para mais tarde se referir que, a partir de 1 de Dezembro de 2010, Silva Carvalho manteve uma actividade profissional “seja ela qual for”.
Finanças recusam envolvimento
No recurso apresentado pelo Ministério das Finanças, liderado por Maria Luís Albuquerque, é argumentado que a entidade nada tem a ver com o caso, uma vez que não tutela os serviços a que pertencia Silva Carvalho (SIED), responsabilidade da Secretaria-Geral da PCM. Diz o recurso que a responsabilidade das Finanças era a de autorizar a criação de um lugar para a reintegração do ex-espião – o que foi feito – mas que o trabalho acaba aí.
Contudo, no longo recurso de 24 páginas, as Finanças alinham na argumentação do recurso do primeiro-ministro e dizem que a decisão do Supremo Tribunal Administrativo foi “um erro”. “Se o autor apenas manifestou disponibilidade para voltar a prestar serviço ao Estado em 7 de Dezembro de 2012 não pode, por isso, aceitar-se a conclusão do acórdão recorrido no sentido de que lhe é devido o pagamento das remunerações e a contagem do tempo de serviço desde 1 de Janeiro de 2012”.
Ano e meio de recursos
O Governo foi condenado, em março, a reintegrar Jorge Silva Carvalho nos quadros da Presidência do Conselho de Ministros com um salário bruto de 3.500 euros mensais e pagamento de retroactivos.
Tudo começou em 2010 quando Silva Carvalho saiu do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa (SIED) com uma licença sem vencimento para trabalhar na Ongoing. Anos depois, já com o caso das secretas a ser investigado, o ex-espião pediu para regressar ao serviço, mas foi-lhe recusada a integração. Silva Carvalho escreveu a Passos Coelho a pedir para voltar, citando a lei e exigindo receber os retroactivos e a contagem do tempo de serviço. Em março de 2013, foi criado um lugar no quadro da PCM para Silva Carvalho, por despacho assinado quer pelo primeiro-ministro, quer pela ministra das Finanças.
Jorge Silva Carvalho, o presidente da Ongoing, Nuno Vasconcellos, um agente do Serviço de Informações de Segurança (SIS), Nuno Dias, e um funcionário do SIED, João Luís, são arguidos no processo do “caso das Secretas”, que decorre na justiça. Em causa está a violação do segredo de Estado, corrupção e abuso de poder, e o processo foi foi originado em suspeitas de acesso ilegal à faturação detalhada do telefone do jornalista Nuno Simas, quando integrava a redação do diário Público.