Pela primeira vez na sua história, a Turquia elegeu este domingo o seu novo Presidente através de eleições diretas e não através de nomeação parlamentar, como sucedia até aqui. As urnas encerraram às 17h (15h em Lisboa) e Recep Tayyip Erdogan, atual primeiro-ministro, vencey com 52% dos votos. Bastava ter mais de 50% para ser eleito à primeira volta. O principal candidato da oposição, Ekmeleddin, teve 38,5% dos votos.

Aquando da nomeação de Erdogan para disputar as eleições presidenciais, o nome do primeiro-ministro era já dado como o mais do que provável candidato do seu partido, o Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP).

As assembleias de voto abriram às 08h. Um total de 53 milhões de eleitores foi chamado a votar em mais de 165 mil assembleias de voto. A taxa de abstenção foi de 27%. Os dois adversários do conservador islamita Erdogan eram Selahattin Demirtas, de 41 anos e Ekmeleddin Ihsanoglu, de 70 anos. Contam 10% e 38,5% dos votos, respetivamente, de acordo com a CNN Turk.

O ambiente em dia de eleições foi “calmo”, contou ao Observador Tiago Ferreira Lopes, professor universitário na Universidade turca de Kirikkale. “Não se registaram episódios tensos como nas eleições regionais de março”.

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De acordo com o Hurriyet Daily News, antes de se dirigir para a sede do partido AKP, ao início da noite, Erdogan fez uma paragem na mesquita Eyüp Sultan. Uma escolha interessante, já que se trata da mesquita onde historicamente os sultões otomanos e os califas faziam a primeira paragem quando subiam ao poder.

O que acontece quando o primeiro-ministro em funções é eleito presidente da República

Primeiro-ministro desde 2003, Erdogan vai transitar diretamente para o cargo de Presidente da República, depois de ter sido criticado por concorrer à presidência sem abandonar o cargo. Cabe agora ao novo presidente — e tudo indica que seja Erdogan — nomear o primeiro-ministro, de acordo com a Constituição turca.

Ainda não se sabe quem irá substituir Erdogan enquanto primeiro-ministro, mas o nome mais falado é do atual presidente da República, Abdullah Gul. Na prática, os dois políticos trocariam de lugar. Primeiro, Erdoga irá apresentar a demissão do cargo de primeiro-ministro ao presidente cessante.

De regime parlamentarista a regime presidencial

Com a eleição de Erdogan, a presidência da Turquia, que é um país essencialmente parlamentarista, poderá ganhar uma nova importância, a acreditar nas declarações do atual primeiro-ministro ao longo da campanha. Isso tem criado algum receio junto da oposição, que teme que a Turquia se torne excessivamente presidencialista, apontando os analistas para a Rússia de Putin como sendo um caso comparável. Erdogan, de 60 anos, nunca escondeu a ambição de transformar o atual sistema parlamentar num regime semipresidencial, ou presidencial, e assim alterar o sistema político imposto em 1923 por Mustafa Kemal Ataturk, o fundador da Turquia republicana.

A atual lei concede poderes quase exclusivamente protocolares ao chefe de Estado, apesar de lhe permitir o veto de leis aprovadas no parlamento, a convocação de eleições gerais ou de conselhos de ministros extraordinários, com Erdogan a deixar entender durante a campanha que pretende exercer uma influência acrescida sobre os restantes poderes do aparelho de Estado. Caso os cerca de 53 milhões de eleitores turcos escolham Erdogan na primeira volta, para um mandato de cinco anos, o novo chefe de Estado será, numa primeira fase, forçado a “pactuar” com a lei fundamental redigida pelos militares na sequência do golpe de 1980 e ainda em vigor.

O AKP — dirigido por Erdogan e vencedor de todos os escrutínios realizados na Turquia desde as legislativas de 2002 –, propôs uma reforma das instituições para estabelecer um sistema que implique o reforço dos poderes do chefe de Estado, desde agora legitimado pelo sufrágio popular direto ao contrário da tradicional eleição pelo parlamento. A iniciativa, que implicava uma revisão constitucional, acabou por fracassar em 2013 devido à oposição dos restantes partidos num hemiciclo dominado pelo AKP, que nas últimas legislativas, em junho de 2011, ficou perto de uma maioria de dois terços (327 dos 550 lugares).

Nova Turquia, velhas práticas?

A retórica de Erdogan passou muito, durante a campanha, pela mensagem de ser necessária uma “nova Turquia” e, para tal, “aproveitou a vantagem que tinha por ser primeiro-ministro e os meios do Estado”, comenta Serkan Demirtas. Este jornalista do Hurriyet considera que a lei eleitoral, alterada em 2010, carece de transparência, dando assim eco às acusações da oposição, que se queixa de que Erdogan “está a usar uma enorme quantidade de dinheiro”, enquanto “os outros dois candidatos estão a usar os seus próprios limitados recursos”, declarou Kemal Kılıçdaroglu, do Partido Popular Republicano, que apoia o candidato Ekmeleddin İhsanoglu. Ele e Selahattin Demirtas, apoiado pelo Partido Popular Democrático, não deverão alcançar um resultado suficientemente grande que permita evitar a eleição de Erdogan, que, de acordo com as mais recentes sondagens, reúne a preferência de cerca de 50% dos eleitores.

Face ao “novo califa” ou “senhor absoluto” da Turquia, como é designado pejorativamente, os dois principais partidos da “oposição laica” apresentaram um candidato comum, o erudito do Islão Ekmeleddin Ihsanoglu, 70 anos, antigo secretário-geral da Organização de Cooperação Islâmica (OCI) e um defensor do sistema parlamentar e da independência da magistratura. Os curdos, cujo voto poderá ser decisivo para Erdogan — que há dois anos iniciou negociações com a rebelião curda em busca de uma solução política para o prolongado conflito –, também apresentaram o seu candidato, o jovem deputado de 41 anos Selahattin Demirtas. Uma recente sondagem divulgada pela empresa privada Konda colocava Erdogan na frente com 55% de votos, seguido por Ihsanoglu com 38% e Demirtas com 7,5%. Resultados que, a confirmarem-se, evitariam uma segunda volta.

Erdogan, o “patriarca autoritário” para os opositores, sabe que representa essa “nova Turquia” de que fala, um país que nos últimos 12 anos garantiu um crescimento económico contínuo, triplicou o rendimento médio, abriu o sistema de saúde à população mais carenciada, reorganizou os transportes e travou as tradicionais elites laicas associadas à estagnação e à corrupção, apesar das fragilidades estruturais que permanecem.