Viu antes, chegou depois, esperou, e, agora sim, venceu. Mas não foi tão rápido quanto a mudança que fez arrumar as malas numa ilha e desfazê-las, logo a seguir, noutro continente. Em outubro de 2012, Pedro Caixinha e o Nacional da Madeira davam o último aperto de mão para terminarem a relação. Um mês depois, o português embarcava num avião e aterrava em Torreón, bem no interior do México, para treinar o Santos Laguna. Para quem já tinha andado pela Arábia Saudita, Grécia e Roménia, como adjunto de José Peseiro, nem foi preciso pensar duas vezes. Antes, porém, “até [lhe] fizeram uma entrevista”, contou ao Observador.

Afinal, não é todos os dias, nem normal, ver um estrangeiro a treinar no México. Nada mesmo. Hoje, Pedro Caixinha é apenas o segundo não-mexicano a dar ordens a uma equipa na primeira liga do país — o outro, já agora, é António Mohamed, argentino do Club América, um dos clubes grande do país. “Pensam um pouco que o estrangeiro não vem para acrescentar, mas para roubar e ganhar dinheiro”, admite o treinador, que vai na terceira época no Santos Laguna e que, na terça-feira, venceu o primeiro troféu na carreira, com a conquista da Copa Apertura, troféu que se disputa duas vezes por ano no país. No ano passado já estivera perto, quando perdeu na final da Liga do Campeões da América do Norte.

Por isso está contente. Muito. E isso notou-se. No México não há salários a chegarem atrasados às contas bancários, como viu acontecer no União de Leiria, em 2010/11. Mas há clubes “com instalações de primeiríssimo nível”, que nada ficam a dever “aos clubes da Premier League”, por exemplo. Isso e ordenados chorudos que são pagos e tornam difícil convencer os mexicanos a emigrarem para a Europa. Algo que “os portugueses desconhecem”. Sobretudo os jogadores.

Conseguiu agarra-se ao primeiro caneco aí no México. Já estava ansioso?

Ao fim de quatro anos de tanto procurar e insistir, finalmente o caneco apareceu. É fruto do trabalho. Já tinha conseguido uma meia-final da Taça de Portugal e, aqui no México, três meias-finais e uma final. Mas esta não deixámos fugir. Sempre fui apoiado pelas pessoas do Santos Laguna e foi uma forma de lhes retribuir.

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Quando ainda estava com o José Peseiro, andou pela Arábia Saudita, Roménia e Grécia. Pensou duas vezes quando apareceu um convite para rumar ao México?

Não. Tinha saído do Nacional da Madeira há cerca de um mês e já antes tinha falado com responsáveis do Santos Laguna. Vi que partilhávamos os mesmos princípios e valores. Também ajudou o facto de o clube estar de certa forma ligado ao Celtic, com o qual tinha uma parceria e uma relação muito próxima, pois eu, na altura, estava entre Portugal e a Escócia a fazer a minha formação de treinador na UEFA. Quando surgiu a oportunidade, convidaram-me para vir cá [ao México] e conhecer as instalações e até me fizeram uma entrevista. Como fizeram a outros candidatos.

E qual foi a reação quando aí chegou?

Vi a realidade de um clube espetacular, completamente distinta daquilo que se possa pensar em Portugal. Mesmo ao nível do que são as competições no México. Aqui, uma equipa que só dispute os torneios nacionais tem, ao fim de uma época, 45 jogos feitos. Enquanto em Portugal, uma equipa que seja eliminada na 1.ª eliminatória da Taça de Portugal e que não passe da pré-eliminatória da Taça da Liga, faz 30 e poucos jogos. É uma intensidade diferente.

Mas o Santos Laguna não é um grande aí do México.

Não, os clubes grandes daqui são o Chivas e o América, e depois vêm o Pumas e o Cruz Azul. Estes são os considerados grandes. O primeiro é de Guadalajara e os outros três estão na capital [Cidade do México]. O Santos Laguna é um clube que tem 30 anos, que com esta Copa Apertura somou o quinto título, dois dos quais nos últimos seis anos. Mas em termos de organização está muito próximo daquilo que são os melhores clubes europeus.

Mesmo assim, quando chegou à final da Liga dos Campeões da América do Norte, pode-se dizer que foi um brilharete, não?

Sim foi. O México é um dos países grandes da CONCACAF [Confederação das Associações de Futebol da América do Norte, Central e das Caraíbas], digamos assim. Está cada vez mais próximo da MLS [Major League Soccer, o campeonato dos EUA]. Com base no conhecimento que não tinha, e agora tenho, os jogadores e as seleções estão-se a aproximar. O jogador mexicano tem imenso potencial, mesmo, e basta ver o exemplo do Herrera, mas…

Falta-lhe a escola?

A escola eles têm. Mas, ao nível de seleção, e vendo as equipas da CONCACAF que têm jogadores a atuarem na Europa, a seleção mexicana é aquela que tem menos futebolistas. E onde quero chegar com isto: a diferença entre o que os clubes pagam aqui, em comparação aos valores que os jogadores têm como ambição para emigrarem e irem à procura de mais, na Europa, não os leva a saírem do México. Aqui pagam-lhes muito, e bem. Nunca me tenho de preocupar com nada em termos salariais. De 15 em 15 dias tenho o dinheiro na conta e pronto. Não há problemas de natureza financeira. Os jogadores são muito bem pagos e têm mesmo de pensar duas vezes antes de saírem do México.

Então como é visto um jogador, como o Herrera, que se vai embora para a Europa e aterra num clube da Liga dos Campeões?

É visto como um grande salto, claro. E é importante que as novas gerações vivam com esse pensamento. Os jogadores que já estão entre os 25 e os 30 anos, por exemplo, ainda têm uma mentalidade formada pela velha escola. As equipas no México estão muito envelhecidas. Como os torneios são curtos [há duas ligas, por exemplo, uma de Abertura e outra de Clausura], são muito poucas as equipas que apostam em jovens jogadores, daí eles aparecerem mais tarde do que o normal, a partir dos 26 ou dos 27 anos. O Omar Peralta, por exemplo, que jogava connosco e foi para o América, só explodiu no futebol mexicano aos 27, 28 anos.

E só foi a um Mundial com 30 anos.

Sim, eles aparecem muito tarde. E depois não vão para a Europa porque, quando surge a oportunidade, já têm juízo e perdem vontade de emigrar.

No meio disto tudo, como é visto um treinador estrangeiro no México?

Não queria dizer que são xenófobos, mas há um misto de curiosidade e aversão ao estrangeiro. Aversão por motivos culturais, porque é um povo que foi conquistado e reprimido, não nos podemos esquecer disto, a quem foram impostas muitas das coisas da sua cultura atual. Uma das expressões que eles têm é que os estrangeiros vêm, tal como veio o Hernán Cortés [conquistador espanhol que, no século XVI, liderou a expedição que derrotou o Império Azteca], para “vender espelhos e levar o ouro”. Ou seja, pensam um pouco que o estrangeiro não vem para acrescentar, mas para roubar e ganhar dinheiro.

São eles que recuam o pé para trás?

Sim, mas se o estrangeiro for bem-sucedido eles vão atrás dele. Se não o for, então ficam-se pelo pensamento que já existe. Mas, ao mesmo tempo, têm uma certa curiosidade em perceber porque somos diferentes e fazemos as coisas de maneira distinta.

Então como viram eles a chegada do Ronaldinho ao Querétaro?

[Risos] Aí vibraram muito. Como é uma superestrela, quase tudo é permitido. Mas depois não há equilíbrio: tanto vibram no momento, na euforia, e pensam que são os melhores, como no momento seguinte, ao virar da esquina, as coisas já não estão tão bem.

Isso reflete-se nos jogadores?

Sim, e a nossa equipa é um exemplo disso. Fica com uma grande ansiedade quando as coisas não correm bem, e quando estamos a ganhar 2-0 acabamos a perder por 2-4. Não há uma noção de equilíbrio e fica difícil conseguir uma regularidade. Quando vamos a Guadalajara as coisas parece que não saem da mesma maneira.

E como é viver em Torreón?

Como atrativo, não tem ninguém [ri-se]. Mas em qualidade de vida tem tudo. A cidade tem 100 anos, é jovem como o clube, que tem 30. Tem uma mentalidade fechada, nota-se um novo elitismo, em que se pensa que, só por se ter dinheiro, se pode ser superior a tudo. É um pouco distinto nesse sentido. Mas permite-nos ter muita mobilidade. Em 10 ou 15 minutos chegamos a qualquer sítio. Passamos praticamente todo o dia nas instalações do clube, que são de primeiríssimo nível, como os grandes em Portugal. Aqui as condições não são inferiores a nenhuma equipa da Premier League. De resto, com o local onde vivo ou onde os meus filhos estudam, estou completamente satisfeito.

Sobra tempo para viajar?

Quando tenho dias livres sim, tento fazê-lo. Há pouco tempo até levei a família a São Francisco [nos EUA] para recarregar as baterias.

Dito isto, está a pensar ficar por aí mais uns anos?

Bem, o futebol é um mundo e está baseado na oportunidade. Tendo em conta os últimos quatro anos, onde passei por União de Leiria, Nacional da Madeira e depois Santos Laguna, provavelmente, quando sair daqui, tenho de subir mais um degrau. Não vivo com essa obsessão, mas todos os dias trabalho para ter uma futura oportunidade. Estou muito bem aqui, tenho uma grande relação com as pessoas do Santos Laguna, que sempre me apoiaram.

Mas o telefone já tocou com alguma chamada de Portugal desde que aí chegou?

Já tocou, mas de Portugal não. Tive oportunidades, sim, e milionárias. Mas disse que não porque não é isso que me atrai. É importante a questão financeira, mas sempre que optei só pelo projeto desportivo acabei por ficar sempre bem financeiramente.

No verão foi buscar o Djaniny ao Nacional da Madeira. Está a pensar em pescar mais jogadores a Portugal?

Sim, um deles até esteve para ser o Daniel Candeias, mas o Benfica antecipou-se. Aqui há um bom mercado para o jogador português, mas há um grande desconhecimento do que é o futebol mexicano. Há uma série de jogadores colombianos, equatorianos e argentinos que saem daqui para ligas europeias. E facilmente, muito facilmente, um jogador ganha aqui quatro ou cinco vezes mais do que o dinheiro que recebe em Portugal. Quem consegue pagar os salários que aqui se praticam são só o Benfica, FC Porto e Sporting. E a cada 15 dias têm de certeza o dinheiro na conta e não precisam de se preocupar.

Os grandes deviam olhar mais para o México, ou fica difícil convencer os mexicanos a cruzarem o Atlântico?

Lá está, depende da idade que tenha. Há muito potencial. Sobretudo em jogadores com menos de 25 anos, que se calhar até nem têm oportunidade de jogarem aqui. O Jiménez, por exemplo, acabou no Atlético de Madrid. O FC Porto, na época passada, foi buscar o Hector Herrera. Sei que o Sporting, por exemplo, andou a contactar jogadores. Tenho total disponibilidade e abertura para falar com as pessoas, se quiserem.