O ajustamento das contas pública tem vindo a ser cada vez menor, o processo de reformas está a abrandar e nalguns casos o Governo está mesmo a reverter os ganhos anteriores, e até mostra problemas a dar a informação pedida à troika. A primeira avaliação após o final do programa de resgate deixou muito a desejar à Comissão Europeia.
“Apesar das discussões aberta e construtivas que aconteceram durante a primeira missão de monitorização pós-programa, a preparação da missão enfrentou algumas dificuldades devido ao atraso na entrega da informação e dos dados pedidos às autoridades, que em muitos casos chegaram já quando se realizavam as reuniões”, escreve a Comissão Europeia na análise publicada esta segunda-feira à primeira missão após o final do programa.
Esta é apenas a primeira de muitas críticas de Bruxelas ao percurso de Portugal desde que terminou o programa, e que, em geral, dizem que Portugal está a voltar aos hábitos antigos.
A Comissão Europeia desta que o ajustamento do défice estrutural fica muito aquém do exigido no Procedimentos dos Défices Excessivos, o que reflete “o desaparecimento do esforço de consolidação” orçamental que se tem feito sentir de forma consistente.
Bruxelas lembra a reversão de importantes medidas de controlo de despesa no orçamento para o próximo ano, como é o caso da reposição parcial dos salários na função pública, e diz que o Governo se tinha comprometido a compensar estas medidas, que sempre foram temporárias, com outras medidas de corte de despesa permanentes. Isso não aconteceu.
Outro problema para a troika é o programa de reformas estruturais. Para Bruxelas, o ímpeto do reformista está a abrandar consideravelmente e mal, porque a economia portuguesa precisa de continuar o seu ajustamento na visão de Bruxelas, e, em alguns casos, estarão mesmo a ser revertidos os resultados de algumas das reformas colocadas em curso.
“A vontade de fazer reformas ousadas parece ter desaparecido nos últimos meses, e um consenso para uma estratégia de crescimento de médio-prazo não está à vista. Como tal, a missão insta as autoridades a implementar as reformas com que se comprometeram durante a 12.ª revisão do programa”, escreve a Comissão.
Défice deste ano ainda pode chegar aos 7,7%
Não é uma preocupação nova, nem exclusiva da troika. O défice previsto pelo Governo ainda é de 4%, mas este valor exclui efeitos extraordinários. Sem estes, a troika diz que até iria aos 3,9%, mas estes efeitos também entram nas contas.
Para já, estão previstos custos com o financiamento das empresas públicas de transporte e registo de imparidades com a venda do BPN Crédito que chegam a 1% do PIB e colocariam o défice nos 4,9%, longe dos 4% previstos. Mas há ainda o risco de reclassificação do empréstimo feito pelo Estado ao fundo de resolução para a capitalização do Novo Banco.
Caso o Eurostat decida que esse valor tem de ser contabilizado no défice deste ano, o défice pode subir para 7,7% do PIB. Mas ainda fora destas contas está a avaliação que o Eurostat está a fazer à contabilização dos ativos por impostos diferidos dos bancos nas contas do Estado. Mais uma vez, vai depender do gabinete de estatísticas europeias (que está a decidir a forma aplicada por Espanha) o resultado final.
Estratégia de consolidação está cada vez pior
Diz a Comissão que o esforço de consolidação tem sido progressivamente reduzido, e que os planos são agora de pior qualidade que os planos iniciais. As razões, diz, são que a estratégia está cada vez menos baseada em medidas permanentes de redução de despesa e mais dependente do crescimento de receita que possa acontecer com o eventual crescimento da economia.
Bruxelas diz que o aumento das receitas do Estado está a ser usado, não para poupar ou compensar despesa pública que já existe, mas sim para pagar mais despesa pública, em vez de reduzir o défice ou a dívida e que esta estratégia está longe daquilo com que o Governo se comprometeu com a troika no final do programa.
Porque espera Bruxelas um défice maior que o Governo em 2015?
A Comissão espera que o défice atinja os 3,3% do PIB no próximo ano, quando o Governo espera que se fique pelos 2,7%. A meta do Governo já é maior que a que se tinha comprometido com o Conselho Europeu e com a troika, mas Bruxelas está ainda mais pessimista. E explica porquê.
Na visão dos técnicos, as medidas que o Governo colou no Orçamento do Estado para 2015 não chegam para atingir a meta a que se propõe. Primeiro, porque o ponto de partida de 2014 é pior que o esperado no orçamento, depois porque muitas das medidas têm grandes riscos de não produzirem os efeitos esperados ou de não conseguirem ser aplicadas, pelo menos na totalidade. A troika dá exemplos de algumas destas que já falharam no passado, como a venda de algumas concessões, a requalificação ou os limites às prestações sociais.
Por outro lado, a troika não acredita que as previsões do Governo para a receita sejam credíveis, como é o caso das receitas fiscais provenientes do combate à fraude e evasão, onde Bruxelas acha que o Governo está a ser excessivamente otimista.
Mudanças na lei do arrendamento podem por em causa a própria lei
A troika faz um alerta para a falta de ímpeto reformista do Governo, mas também para alterações que estão a ser feitas que estão a por em causa alguns dos progressos alcançados com parte das reformas que têm vindo a ser implementadas.
Esse é o caso da lei do arrendamento urbano. Segundo a troika, as alterações feitas recentemente pelo Governo neste regime “correm o risco de minar a solidez e a eficácia” do quadro geral.
Bruxelas critica o alargamento das empresas que entram no chamado período de transição, que inclui agora as micro empresas e as sem fins lucrativos com áreas de interesse nacional. A Comissão considera que a lei já tinha períodos de transição relativamente grandes, para ser ainda mais estendido, como foi o caso, e outras alterações que não ajudam a eliminar os direitos por legado, que a troika considera essenciais para o bom funcionamento do mercado de arrendamento.
“As autoridades não têm feito esforços para desenvolver uma forma mais compreensiva e fiável de monitorizar os procedimentos, o que é essencial para ultrapassar a falta de dados e de análise sistemática do impacto das reformas recentes no mercado de arrendamento, assim com a sua tendência”, escrevem os técnicos da Comissão.
Outra das falhas apontadas pela Comissão está na inexistência de uma análise ao mercado de arrendamento ilegal. O Governo comprometeu-se, no programa de ajustamento, a fazer um estudo abrangente sobre o arrendamento ilegal mas nunca o chegou a fazer.