De acordo com uma portaria publicada em outubro de 2009, a exibição de animais nos circos tornou-se cada vez mais complicada, visto que a lei proibiu a aquisição de novos animais, como elefantes, leões, macacos ou tigres, entre outros, e a reprodução dos que já existissem nos circos. Por esta lógica apenas vai haver determinados animais nos circos enquanto os atuais forem vivos.
Cinco anos depois a Lusa foi perguntar aos dois principais circos que, pelo Natal, “desceram à cidade” como se estão a adaptar aos novos tempos. Apenas um deles, Miguel Chen, do circo com o mesmo nome, aceitou falar sobre o assunto. “Já mandei castrar todos os meus animais”, disse.
Mas disse mais. Lembrou que a presença de animais nos circos remonta a 1770, que “o animal faz parte do circo”, e que as pessoas gostam de os ver. E a lei, disse, resultou de “lóbis montados” conta os quais, os circos, os “elos mais fracos”, nada podem. “Não vale a pena fazer guerras com pistolas de água contra quem tem metralhadoras”.
Miguel Chen confessa-se cansado. “De início eram os maus tratos aos animais. Depois de 34 anos que tenho animais nunca ninguém provou nada. Agora já não têm esse argumento. Animais maltratados é mentira. Aprovaram a lei porque os circos são os elos fracos nestas situações, os poderosos juntam-se aos poderosos”, diz à Lusa.
E depois ironiza: “nós gostávamos também de nos juntar aos poderosos. A questão das touradas? Nós somos pró touradas, temos de ser tratados é como são tratadas as touradas. Vivam as touradas, eu gosto de touros”.
É que, explica o responsável, dromedários a ruminar ao lado, a lei foi feita à medida dos circos, para proteger os animais, mas mantiveram-se as touradas, os espetáculos com golfinhos e outros. “Será que os golfinhos não são animais? Ou será que são só animais os do circo?”.
Diz Miguel Chen que “pode contar 40 histórias” e que o final é sempre o mesmo: quem tem dinheiro “vai para a frente, quem não tem fica para trás”. E dá o exemplo recente da Madeira, que proibiu agora no Natal os circos com animais. “Na Madeira, se tiver um número com um gato já não posso entrar”.
É que além da questão dos animais, conta, outro grande problema, maior ainda, é “poder trabalhar em certas autarquias”, que “não facilitam a vida”, que não autorizam o circo e por vezes depois de terem recebido os 225 euros que cobram pelo pedido.
É por isso que está cansado de lutar. Já teve quase meia centena de animais, um rinoceronte e até um bisonte, e tem hoje sete tigres, alguns dromedários e cavalos. Ao todo preenchem sete minutos das duas horas que dura o espetáculo.
E “é pena porque muita gente gosta de animais na pista”, e é pena porque “90 por cento das pessoas pergunta se há animais, e se pergunta é porque gosta”. E acrescenta o empresário: “deixem que as pessoas decidam de sua vontade”.
Miguel Chen não foi tão longe quanto a tradição mas é histórica a embaixada que D. Manuel I enviou ao papa Leão X, em 1514, que continha um cavalo árabe e um elefante. Dizem as crónicas que D. Manuel gostava de passear em Lisboa com elefantes, um rinoceronte, e outros exotismos trazidos pelos navegadores.
Hoje, com os exotismos a ficarem velhos, sem poder substitui-los, o circo continua a encher-se mas, diz Chen, “o negócio está difícil para todos, porque a crise é para todos e o espetáculo recebe os últimos tostões”.
“O circo dá para viver, para enriquecer não dá”. Miguel Chen encolhe os ombros. Fatalista e ao mesmo tempo feliz: “mas também não sabemos fazer outra coisa, não há outra opção, a gente do circo nasceu no circo e quase toda vai morrer no circo”.