Tudo começou o mês passado, quando Goodwill Zweletini decidiu falar e pedir aos estrangeiros que “façam as malas e voltem para onde vieram”. O peso das palavras foi muito e isso deveu-se a uma razão: vieram da voz do rei dos Zulu, a tribo e grupo étnico mais representado na África do Sul, entre as dezenas que existem. E mais pesadas ficaram quando as pilhagens de lojas, os ataques a pessoas, a violência e as mortes começarem a irromper pelas ruas de Durban, cidade costeira de KwaZulu-Natal, província onde se estima que vivem mais de 10 milhões de zulus — algo que já se está a alastrar para outras cidades do país.
A violência tem-se dirigido, sobretudo, a imigrantes negros que residem na África do Sul. Várias lojas geridas por estrangeiros foram destruídas no centro de Durban, onde mais de cinco mil pessoas já tiveram de abandonar as suas casas para se refugiarem em igrejas, mesquitas e espaços públicos. Pelo menos cinco pessoas já foram mortas este mês e estima-se que centenas tenham ficado feridas como resultado dos confrontos.
As vítimas da violência são naturais de países como a Somália, Zimbabwe, Moçambique, Nigéria, Congo ou Tanzânia, escreve o Mahala, um site sul-africano. “Porque estão os Zulus a matar-nos? Somos negros como eles, temos a mesmo cor de pele. Somos todos africanos”, defendeu um dos cerca de 200 manifestantes estrangeiros, citado, mas não identificado pelo mesmo site, que na terça-feira se reuniram no centro de Durban, em protesto contra a violência. “Fugimos do nosso país por causa da guerra, e agora a guerra está a perseguir-nos”, lamentou outro, natural do Congo, enquanto segurava o papel que comprovava o seu estatuto de refugiado na África do Sul.
Depois, na quinta-feira, cerca de dez mil de pessoas, noticiou o Times of South Africa, marcharam pelas ruas do centro de Durban, até chegarem ao edifício da câmara municipal. Aí, as autoridades acabariam por dispersar a multidão com gás lacrimogéneo, após a erupção de vários confrontos entre os manifestantes. A BBC estimou antes em cinco mil as pessoas que se reuniram para protestar nas ruas da cidade contra os ataques xenófobos que têm ocorrido. Tina Ghelli, uma representante das Nações Unidas citada pelo Wall Street Journal, calculou em cinco mil o número de pessoas que fugiram das suas casas devido à recente vaga de violência.
Violência alastrou até Joanesburgo
Os ataques estão a ser condenados pela imprensa do país, que os vê como xenófobos. “Não pode haver desculpa para apoiar ou defender os horrores que temos testemunhado. Ninguém espera que a África do Sul democrática se comporte como o antigo regime do Apartheid, em que a violação de direitos era uma rotina diariamente defendida”, criticou o editorial do Mail & Guardian, publicado esta sexta-feira. E agora há outro problema — os ataques já estão a chegar a outras cidades do país.
Na quinta-feira, no centro de Joanesburgo, na província de Gauteng, a norte de KwaZulu-Natal, dezenas de jovens, munidos com pedras, obrigaram os proprietários de várias lojas a encerrarem os espaços comerciais. Esta cidade, porém, é um caso atípico: a maioria da população ainda vive nos subúrbios de Joanesburgo e desde o final do regime de segregação do Apartheid, em 1994, que o centro é uma das zonas mais críticas da cidade, em termos de pobreza e desemprego, embora, nos últimos anos, tenha acolhido vários investimentos e negócios que têm tentado revitalizar a zona. A taxa de desemprego na África do Sul está hoje nos 24%.
No mesmo dia, Jacob Zuma, presidente da África do Sul e pertencente à tribo Zulu, discursou no parlamento na Cidade do Cabo, culpando a recente onda de violência em criminosos que exploram o descontentamento vivido no país devido ao desemprego e às desigualdades sociais. “Não se deviam permitir que os criminosos aproveitem as preocupações dos cidadãos para provocarem o caos e a destruição. Quaisquer problemas que preocupem os sul-africanos deviam ser resolvidos pacificamente e através do diálogo”, defendeu o político do Congresso Nacional Africano — mesmo partido de Nelson Mandela –, que lidera o país desde 2009.
Após as palavras do presidente, Julius Malema, líder do partido Economic Freedom Fighters, criticou Zuma de não se pronunciar sobre o filho, Edward, que acusou de apoiar os ataques que os zulus têm dirigido contra os imigrantes. “Perdeu o controlo do país porque perdeu o controlo da sua família. O seu próprio filho disse que estas pessoas têm de se ir embora, e você não aborda isso”, argumentou.