O Governo “não tem feito outra coisa que não seja corrigir assimetrias” no Serviço Nacional de Saúde (SNS), mas nesta legislatura será difícil fazer muito mais do que aquilo que já é conhecido, como a colocação dos 237 novos médicos de medicina geral e familiar e a entrada em vigor dos incentivos para fixar médicos nas zonas mais carenciadas. Em entrevista ao Observador, o secretário de Estado adjunto do ministro da Saúde, Fernando Leal da Costa, fixa um prazo para que sejam corrigidos os principais problemas no setor:
“As principais assimetrias [que ainda existem] vão demorar dois, três anos a poderem corrigir-se”, antecipou o governante.
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A verdade é que há “muitas desigualdades no país”, desde logo por motivos relacionados com o nível socio-económico das populações, mas também por causa das “desigualdades geográficas” que resultam em grande parte “de uma péssima distribuição dos recursos humanos” e de uma “falta muito grande de algumas especialidades”.
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Mas esse quadro já era pintado pelos governantes anteriores. Quatro anos de Governo não foram suficientes para emendar este problema?
“Quatro anos de Governo foram suficientes para começarmos a aproveitar o aumento do números de alunos na área médica e não só, foram suficientes para abrirmos mais vagas em múltiplas especialidades, mas se considerarmos que o processo de formação de especialidade demora quatro a seis anos é facilmente perceptível que estes quatro anos não teriam sido suficientes para responder a tudo”, argumentou Leal da Costa.
Mais 28 Unidades de Saúde Familiares até ao final do ano
As assimetrias no SNS não se esgotam na questão anterior. Também ao nível dos cuidados de saúde primários (centros de saúde) há desigualdades que precisam de ser resolvidas, recomendam, por um lado, os peritos da OCDE, e concorda, por outro, o secretário de Estado.
“Há uma injustiça que vamos ter de resolver, que é a de ainda haver um movimento a duas velocidades”, admitiu Leal da Costa, referindo-se à diferença entre as Unidades de Saúde Familiares (USF) e aos tradicionais centros de saúde (Unidades de Cuidados de Saúde Personalizados).
“As UCSP até podem ter porventura maior carga de trabalho e são pior remuneradas do que as USF. Vamos ter de resolver essa assimetria”, precisou.
Defensores dos cuidados de saúde de proximidade, ou seja, dos cuidados de saúde primários, os peritos da OCDE, no relatório sobre a qualidade dos cuidados de saúde em Portugal, que será, esta quarta-feira, apresentado em Lisboa, não perderam a oportunidade de elogiar o modelo das Unidades de Saúde Familiar (USF) e de recomendar que se atenuem as diferenças de qualidade entre o desempenho destas e das Unidades de Cuidados de Saúde Personalizados (tradicionais centros e saúde), de forma a que todos os cidadãos tenham acesso a iguais cuidados de qualidade.
Em relação a este tema, Leal da Costa frisa que é necessário o esquema “ser revisto para que se possa atingir o objetivo de substituição de todo os sistema de prestação de cuidados de saúde primários por um outro tipo de sistema em que haja uma relação direta entre o desempenho e a remuneração”.
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Leal da Costa recusou a ideia de que o Governo esteja a abandonar a aposta na criação de USF, apesar dos dados mais recentes mostrarem que até 1 de maio deste ano tinha entrado em funcionamento apenas uma USF quando havia 50 elegíveis e garantiu que “até ao fim do ano haverá condições para abrir mais 28 USF, que será mais do que em 2014”.
“As USF são, de facto, um processo fundamental e imparável da reforma, mas como todas as reformas necessita de se reformar a si própria”, resumiu Leal da Costa, sublinhando que as USF “são demasiado onerosas”.
Hospitais vão poder ser comparados em termos de qualidade
Outro dos pontos positivos destacados pelos peritos da OCDE, no relatório “OCDE Review of health care quality”, prende-se com a quantidade e a qualidade da informação que existe sobre os sistemas de saúde e Leal da Costa sublinha que, nos últimos anos, houve um investimento grande nesta área, uma vez que só com informação e critérios iguais para todos se podem comparar as unidades em termos de desempenho e “introduzir melhorias”.
Atualmente a Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) publica, com regularidade trimestral, informação sobre a produção dos vários hospitais, mas, a partir de julho, avança Leal da Costa, vai ser também possível comparar as unidades hospitalares de acordo com 33 critérios de qualidade como, por exemplo, taxa de recém-nascidos de baixo peso, taxa de internamento por hipertensão arterial, sépsis pós-operatória, entre outros.
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“É através desses sistemas de informação que conseguimos criar ferramentas de controlo de qualidade e é a partir daqui que podemos melhorar ainda mais a qualidade”, apontou o secretário de Estado adjunto do ministro da Saúde.
Mas de que serve comparar unidades se, depois, não há responsabilização pelos resultados? Leal da Costa defende que é “importante haver um sistema de prémio e penalização dos gestores (…) de forma a haver melhorias gerais da qualidade para as quais as pessoas se sintam mais motivadas”. Uma velha ideia que ainda não saiu do papel.
“Nesta legislatura será difícil, considerando que vai terminar em julho, mas vamos deixar, ainda nesta legislatura, todas as ferramentas necessárias para que na legislatura seguinte possamos dar um salto em termos de processo remuneratório que nunca foi dado”, rematou o governante.
“Mais do que criticar as PPP, temos é que aprender com elas”
A verdade é que um dos objetivos do Governo deve passar por uniformizar e ampliar a qualidade, uma vez que qualidade varia de serviço para serviço, deixando os doentes em pé de desigualdade no que toca ao tipo de cuidados que recebe. E porquê, se há cada vez mais normas de orientação clínica e recomendações de qualidade?
“O passo mais difícil quando se estabelecem normas, mais do que criá-las e do que testá-las, afiná-las, publicitá-las, é garantir que elas são cumpridas”, afirmou Leal da Costa, assumindo que “uma parte significativa das normas que temos feito não são cumpridas, são ignoradas, ou eventualmente aligeiradas por parte dos interventores principais”.
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E como se corrige esta situação? Introduzindo uma nova cultura e criando mecanismos como, aliás, já existem nas parcerias público-privadas (PPP).
“Mais do que criticar as PPP nós temos é que aprender com o modelo de contratualização que temos com elas. O Estado precisa de ser mais exigente consigo próprio. Aliás, esse é o grande desafio do momento e do futuro”, acrescentou o secretário de Estado adjunto do ministro da Saúde.
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Leal da Costa não está seguro que não tenha havido falha em nenhuma das mortes nas urgências
O relatório que os peritos da OCDE elaboraram sobre a qualidade dos cuidados de saúde em Portugal traça um cenário bastante positivo sobre a qualidade do atendimento no SNS, o que contrasta com a opinião de muitos portugueses e com imagens como aquelas que uma reportagem da TVI mostrou de 15 hospitais, onde se podiam ver, no início do ano, doentes deitados em macas pelos corredores dos hospitais.
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Leal da Costa — que, na altura, reagiu dizendo que o que se via eram “pessoas bem instaladas” e que foi criticado pelas suas palavras — explicou ao Observador que o que queria dizer com aquela observação era que “apesar da sobrelotação, das condições de trabalho àquela hora serem díficeis, apesar disso, os profissionais tiveram o cuidado de seguir a recomendação da Direção-Geral de Saúde e as recomendações internacionais fazendo o que estava ao seu alcance para prevenir quedas”, referindo-se às barreiras de proteção visíveis nas macas e camas.
Em relação à sobrelotação dos serviços de urgência hospitalares, Leal da Costa frisou que houve, “este ano, um número de casos pontuais menor do que em anos anteriores”, até porque foram tomadas medidas por antecipação, garante.
“Desta vez a grande preocupação é que havia doentes à espera em macas. Lembrar-se-á que em anos passados o problema é que não havia macas para deitar esses doentes. É pouco, mas foi um avanço significativo”, concluiu.
Mas houve oito mortes nas urgências em final de dezembro, início de janeiro, que estão a ser investigadas pelas autoridades.
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“Grande parte das mortes que acabaram por ter alguma visibilidade pública não se devem necessariamente a falhas quer do sistema de triagem, quer do atendimento”, avançou o governante, acrescentando que, de acordo com algumas conclusões preliminares, “não terá havido falha sistémica”. Porém, “não estou seguro que isso tenha de ter sido assim em todas, teremos de aguardar”, finalizou.
Ficha Técnica
Edição de imagem: Miguel Soares