Setenta anos depois, a II Guerra Mundial ainda rende histórias de heróis anónimos. É o caso de Sir Nicholas Winton, um britânico responsável por salvar 669 crianças judias de serem enviadas para um campo de concentração nazi na Checoslováquia, antigo território onde se encontram agora a República Checa e a Eslováquia. Nesta quarta-feira, o Rotary Club da cidade de Maidenhead anunciou o seu falecimento aos 106 anos e quis a história que esta também fosse a data na qual se assinalam os 76 anos desde que partiu de Praga para o Reino Unido, sob os seus cuidados, o comboio com o maior número de crianças resgatadas — 241.
“O mundo perdeu um grande homem. Nunca devemos esquecer a humanidade de Sir Nicholas Winton ao salvar tantas crianças do Holocausto”, escreveu David Cameron, primeiro-ministro do Reino Unido, na sua conta do Twitter.
The world has lost a great man. We must never forget Sir Nicholas Winton's humanity in saving so many children from the Holocaust.
— David Cameron (@David_Cameron) July 1, 2015
“É possível dizer pelo seu rosto, que facilmente levava um sorriso, que ele era um cavalheiro muito gentil. Sempre pensei que era incrível que uma única pessoa pudesse salvar 669 crianças e ninguém sabia disso”, conta Lia Lesser, uma das crianças resgatadas por Winton, à BBC News.
Lesser tem 84 anos, vive em Birmingham e conta como a mãe a entregou aos cuidados do inglês alguns meses antes da invasão nazi da Checoslováquia: “Acho que eles [os pais das crianças resgatadas] deviam saber que havia uma grande probabilidade de não nos verem mais e foram corajosos em nos deixar partir. (…) A única coisa que tinha [quando partiu] era um pingente com uma imagem de Moisés de um lado e os Dez Mandamentos do outro e essa era a única peça de joalharia judia que trouxe comigo”, explica.
Ao chegar no Reino Unido, Lesser foi viver com uma mulher na Ilha de Anglesey e conseguiu comunicar com os seus pais durante um tempo. “No início conseguia trocar cartas com os meus pais através da Cruz Vermelha, mas as cartas pararam. Acho que foi quando foram para Auschwitz”, conta à BBC.
A história de Lesser, no entanto, não é a mesma de outros jovens resgatados por Winton. Estima-se que 370 crianças das que salvou nunca foram identificadas e não conhecem a sua história, avalia a cadeia televisiva.
A história e o legado de Winton
Winton tinha 29 anos e era corretor na cidade de Hampstead quando leu sobre a invasão da Alemanha nazi, cujas tropas entravam pela região montanhosa na fronteira entre a República Checa, Polónia e a Alemanha. As imagens dos refugiados checos expulsos de suas casas motivaram-no a ir a Praga para tentar ajudar as pessoas de alguma maneira, sobretudo as crianças. Ao chegar à cidade, ajudou o seu amigo Martin Blake em trabalhos humanitários junto a famílias judias, e rapidamente percebeu que necessitava de autorização para conseguir tirar as crianças do país antes que a guerra começasse.
Após duras negociações e conversas, o britânico conseguiu que os representantes alemães permitissem a passagem das crianças pelas fronteiras da Checoslováquia, além de autorização do governo do Reino Unido para entrar no país com os menores de 17 anos. Voltou a Hampstead e viabilizou mais comboios com crianças refugiadas. No entanto, conforme temia, quando a II Guerra Mundial começou já não pode resgatar outros jovens. A maior parte dos pais das crianças foi encaminhada para campos de concentração nazis e os jovens resgatados foram encaminhados para famílias ou centros de acolhimento.
O trabalho de Winton permaneceu anónimo até 1988, quando a mulher, Greta, descobriu no sótão da casa uma lista com o nome das crianças salvas e algumas cartas para os pais delas. A sua história foi tornada pública naquele ano durante um programa de televisão, no qual pôde reencontrar-se com alguns dos jovens que ajudou a salvar dos campos de concentração. Desde então, ficou conhecido como “Schindler britânico” – uma referência ao empresário alemão Oskar Schindler, que salvou centenas de judeus abrigando-os na sua fábrica.
As homenagens seguiram-se e em 2003 foi nomeado cavaleiro pela Rainha Isabel II pelo seu trabalho humanitário. Na República Checa, o seu nome é utilizado para designar o comboio que liga Praga a Londres, além de uma escola e uma estátua. No seu 105º aniversário recebeu a medalha da Ordem do Leão Branco, a maior condecoração que uma pessoa pode receber na República Checa.